Excepcional a análise feita por Jorge E F Farah (JEFF) Walter Monteiro no site Magia Rubro-Negra. O detalhamento foi reproduzido por Arthur Muhlenberg no Urubublog. Abaixo, a íntegra do belíssimo trabalho (mais um feito pelos dois):
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Com alguns dias de antecedência do prazo obrigatório, o Flamengo divulgou em seu site as demonstrações financeiras do ano de 2013. Diferentemente dos anos anteriores, quando o balanço era publicado de forma quase clandestina, o clube fez questão de enviar um releasepara órgãos da imprensa convencional e para a chamada mídia alternativa digital, com a informação de que os números já estavam disponíveis. E eles trazem muita novidade, do ponto de vista da transparência (o que, por si só, já representa um enorme avanço). Mas a melhor de todas as notícias é a indiscutível evolução do resultado financeiro. Aquém, ainda, do que o Flamengo pode e merece. Muito além, porém, do que se acostumara.
A exemplo do que fizemos em comentários antecedentes, sobre balancetes dessa diretoria e balanços de diretorias anteriores, queremos alertar que não somos contabilistas ou auditores. Somos torcedores, antes de mais nada. Com essa visão realizamos nossas análises, influenciados, sempre, pelo viés da alma de
A intenção, portanto, é escrever uma análise para pessoas como nós, que gostam dos números, mas gostam mais ainda de futebol e do Flamengo. Tentar enxergar a conexão que há entre eles é a inspiração desse texto, que pretende ser simples e voltado apenas para os aspectos principais que despertam a atenção do torcedor rubro-negro.
Aos detalhes, enfim:
Como era um tanto óbvio, a receita bruta do clube cresceu. Um crescimento substancial, embora não exatamente espetacular. Em 2012 o clube faturou R$ 212 milhões e, em 2013, R$ 272 milhões – um aumento de quase 29%. Vale lembrar que em 2012, quando ultrapassou pela primeira vez a barreira dos R$ 200 milhões, o clube já havia crescido 15% em relação ao ano anterior. Uma análise mais longa do desempenho da arrecadação revela que o clube sempre cresce – a exceção foi, curiosamente, o ano de 2009, quando mesmo conquistando o hexacampeonato o faturamento foi igual ao de 2008.
Crescer sobre uma base já relativamente expandida não é fácil e os R$ 60 milhões que o clube arrecadou a mais ano passado se devem essencialmente a 3 itens:
1. os R$ 16,5 milhões vindos do programa de Sócio Torcedor, um item novo para o clube;
2. um aumento expressivo da arrecadação de marketing, quase R$ 20 milhões a mais do que no ano anterior (R$ 53 mi x R$ 34 mi); e, o mais importante,
3. uma espantosa arrecadação de bilheteria – R$ 48 milhões -, praticamente R$ 40 milhões a mais do que o ano anterior.
A par de toda a polêmica envolvendo o preço dos ingressos, do ponto de vista financeiro não poderia ter havido decisão mais exitosa: o Flamengo buscou na bilheteria mais do que a receita de TV de 2010, apenas 3 anos antes. Temos lembrado que os grandes clubes do mundo têm na bilheteria um item muito importante de suas finanças: ¼ da receita de Barcelona e Real Madrid vem daí, no caso do Manchester United ou Chelsea é praticamente 1/3. Portanto, se o Flamengo pretende competir de modo mais forte no mercado globalizado, jamais poderá abrir mão da bilheteria como um fator decisivo de suas finanças.
A arrecadação de bilheteria do Flamengo em 2013 foi tão espetacular que, convertido pela cotação atual do Euro, o clube superaria a renda de ingressos do Roma, que faz parte da lista dos 20 times mais ricos do mundo.
Por outro lado, a performance do Flamengo na venda de direitos federativos foi muito ruim. Desde que os balanços passaram a ser divulgados foi a primeira vez que esse item se tornou irrelevante. Na estrutura atual do mercado brasileiro, é muito difícil sobreviver sem “vender” atletas. Vale lembrar que o clube, não faz muito tempo, teve uma ótima performance em torneios de base e é fornecedor habitual das seleções brasileiras dessa categoria. É estranho que não tenha conseguido revelar um único atleta em condições de atrair o interesse de compradores.
E, para piorar, o Flamengo tinha, ao final de 2012, um patrimônio intangível de R$ 90 milhões (soma dos direitos econômicos com direitos de imagem), que foi reduzido ao final de 2013 para R$ 32 milhões.
De forma mais detalhada, o clube tinha R$ 30 milhões de direitos federativos adquiridos e terminou 2013 com pouco mais de R$ 9 milhões, ou seja, “perdendo” uns R$ 21 milhões em direitos econômicos dos seus atletas, pois não recebeu nada por eles. Em contrapartida, deixou de pagar mais de R$ 18 milhões pela compra deles e no frigir dos ovos ficou tudo mais ou menos na mesma (ou melhor, um “pequeno” prejuízo de R$ 3 milhões), mas mostra que a gestão de direitos econômicos foi o Calcanhar de Aquiles das finanças do Flamengo.
Outro aspecto que merece destaque é o peso do futebol na estrutura de receitas do clube. O futebol responde por 88% da arrecadação do Flamengo – os 12% restantes se dividem entre as mensalidades dos sócios e a receita própria dos esporte olímpicos. É curioso notar que em termos nominais os valores desses itens minoritários são semelhantes em 2011, 2012 e 2013 (ao redor dos R$ 30 milhões anuais), porém, percentualmente, a participação relativa dos Esportes Olímpicos e Clube Social naturalmente caiu um pouco.
Por que essa reflexão é importante? Porque recentemente o tema esteve em debate no Conselho Deliberativo, onde uma emenda ao estatuto pretendia destinar 20% da arrecadação para os esportes olímpicos. No entanto, a análise histórica mostra que o Flamengo sempre foi um clube marcadamente de futebol. E como essa arrecadação está em crescimento, uma destinação orçamentária fixa implicaria em forte subsídio para outros setores do clube.
Aliás, a receita própria dos Esportes Olímpicos, em 2013, foi de apenas R$ 3,4 milhões, contra uma despesa de R$ 16,3 milhões. Foi o único setor do clube que apresentou déficit operacional. Sobreviveu, evidentemente, subsidiado por outras arrecadações.
Um equívoco muito comum em relação à análise dos gastos do Flamengo é a insistência de que o clube, em contenção de despesas, gasta com o time de forma modesta. Os números, infelizmente, não confirmam essa impressão.
O gasto de pessoal do Flamengo (incluindo direito de imagem, uma parcela importante da remuneração dos atletas) foi de R$ 118 milhões. Considerando 13 folhas mensais (imaginando que todos recebam 13º salário integral), a média supera R$ 9 milhões. Em termos nominais, a folha salarial cresceu em comparação ao ano de 2012.
Essa percepção é muito importante, porque há uma sensação generalizada de que o Flamengo possui um time relativamente barato. Não possui! O time do Flamengo é um dos mais caros do Brasil. Considerando apenas os salários do plantel do futebol (isto é, sem direito de imagem), a despesa anual é de R$ 78 milhões.
Pode-se dizer que o Flamengo foi modesto nas contratações e aquisições, mas jamais que tem sido econômico nos gastos de pessoal, que seguem em um patamar bem elevado. Não deveria ser diferente, aliás. O Flamengo é um dos líderes de arrecadação do futebol brasileiro e por isso mesmo espera-se que monte times à altura de suas receitas. O clube não tem um elenco barato. Tem um elenco compatível com a sua arrecadação – de alto custo, enfim!
Uma crítica recorrente é o gasto do clube com comissões de empresários nesta gestão. A nosso ver, uma crítica exagerada. O Flamengo gastou R$ 5,6 milhões com comissões de intermediações de atletas em 2013, contra cerca de R$ 4 milhões em 2012. Nada demais, portanto.
A reflexão que esse número convida é de outra natureza: por que os clubes aceitam pagar tanto aos empresários? Afinal, são quase R$ 600 mil por mês para os agentes dos atletas. Um sistema onde os clubes – e não os agentes – fosse detentores dos direitos econômicos dos atletas evitaria essa sangria financeira. A julgar pelos números do Flamengo, pode-se especular que entre os clubes das Séries A e B, mais de R$ 100 milhões foram parar nas mãos desses intermediários, que correm riscos reduzidos e têm despesas diminutas.
A parte relevante da dívida do Flamengo vem expressa no Balanço Patrimonial no agrupamento “Exigível a Longo Prazo”. O exame desse item contraria duas especulações muito comuns:
(a) a dívida, em termos nominais, não foi reduzida;
(b) o tamanho da dívida não deu um salto depois da auditoria.
A comparação da dívida com anos anteriores a 2011 fica prejudicada, porque os balanços desde então sofreram revisões conhecidas como “reclassificações”, que nada mais são do que mudanças de critérios de contabilização. Apesar disso, pode-se dizer que o grande salto da dívida ocorreu a partir de 2011. E em razão de pesados adiantamentos de receitas futuras.
Apenas um exame detalhado das contas daquele ano seria capaz de revelar os motivos exatos dessa expansão, mas pode-se especular que, no ano em que contratou Ronaldinho Gaúcho e Thiago Neves, o clube assumiu compromissos muito acima de sua capacidade de pagamento.
Aliás, uma curiosidade. Logo depois da posse da nova direção foi bastante comentado que o resultado de uma auditoria que teria apontado um aumento substancial da dívida. Ocorre que os balanços de 2011 e 2012 foram reclassificados – segundo disse em entrevista o VP de Finanças, Rodrigo Tostes, o clube contratou um auditor novo, “melhor que o anterior”, e o balanço original veio sem parecer de auditoria. Com o balanço agora retificado, a dívida oficial de 2012, data da mudança da gestão, é de R$ 565 milhões. Esse é o valor que realmente vale.
No campo dos credores privados, o maior deles é a Polo Capital, que é onde o clube vem adiantando suas receitas futuras de contrato (no caso, o da TV Globo). Essa financeira ocupa o papel que já foi do BMG na gestão da Patricia Amorim e do Bic Banco nas gestões de Marcio Braga, ou seja, socorrer o clube na hora do sufoco, recompondo o capital de giro.
De um modo geral, o trabalho de saneamento das finanças vêm dando resultado. A dívida fiscal, mesmo considerando os encargos moratórios foi reduzida em cerca de R$ 25 milhões, a contingência trabalhista (dívidas em discussão na Justiça do Trabalho) foi reduzida em outros R$ 25 milhões, as dívidas de curto prazo caíram R$ 22 milhões.
A boa notícia é que o clube está em dia com suas obrigações. A dívida é grande, porém de longo prazo, com as datas de vencimento ajustadas com os credores. Isso elimina o risco de penhoras de receitas entrantes, dando ao clube a chance de planejar seu futuro.
Não há outro caminho para a sustentabilidade do clube em médio prazo senão a máxima responsabilidade financeira. A dívida do Flamengo é alta, os recursos são escassos e a realidade do mercado não tolera mais que se empurre para frente problemas do passado.
O maior credor do Flamengo é o Governo Federal, por conta de impostos não pagos. Por isso, o Proforte (projeto que pretende alongar a dívida dos clubes, com anistia de multas e carência para pagamentos) seria uma benção para o CRF. Há um sentimento em alguns torcedores de que o projeto seria mais benéfico para outros clubes que ainda possuem pendências com a Receita e por isso não tem CND, ao passo que o Flamengo, com a dívida renegociada, não teria tantos ganhos. Esse sentimento é profundamente equivocado. O Flamengo precisa do Proforte tanto ou mais do que os demais clubes.
O clube avança cada dia mais no caminho da transparência. É transparente quem informa porque deseja, não porque é obrigado.
As notas explicativas das demonstrações estão muito mais detalhadas e facilitando a compreensão da realidade financeira do clube.
E a grande novidade é que, pela primeira vez um clube brasileiro informa a totalidade dos direitos econômicos dos atletas que possui, com o respectivo percentual.
Isso traz algumas surpresas para o torcedor. É possível descobrir, por exemplo, que 100% do Junior César, 80% do Marcelo Lomba, 30% do Fierro e 10% do Renato Augusto ainda são do Flamengo. Ou que jogadores oriundos da base que têm uma carreira menos promissora, como, Vinicius Pacheco (85%), Erick Flores (50%) ou Bruno Mezenga (20%) também fazem parte do nosso ativo.
Para nós, a maior surpresa foi descobrir que alguns jogadores do elenco atual e que foram contratados em 2013 pertencem, sim, ao Flamengo. É o caso de André Santos (50%), Bruninho (50%), Chicão (100%), Gabriel (50%) e Val (50%). O Flamengo gastou cerca de R$ 13,5 milhões na compra desses atletas (ou na compra de outros que já estavam por lá, como Hernane). E como não recebeu nada pela venda de qualquer direito econômico, esse investimento foi custeado pela receita gerada pela bilheteria, marketing, sócio torcedor…
O primeiro ano da gestão do presidente Eduardo Bandeira de Mello foi marcado por uma expansão muito significativa das receitas – graças ao marketing, ao programa de Sócio Torcedor e sobretudo à bilheteria. E também pelo acerto definitivo com os credores, mediante programas de refinanciamento de dívidas, do qual o mais expressivo é o da Receita Federal.
A torcida, majoritariamente, entendeu a mensagem e contribuiu da forma que foi possível, inclusive compreendendo as limitações orçamentárias para a contratação de reforços renomados.
O drama é que essa realidade financeira não era passageira, nem limitada ao ano de 2013. É um projeto de longo prazo, um esforço constante de alinhar as contas do clube. Além disso, a necessidade de manter a arrecadação em alta é permanente, para o que serão necessários mais membros no Nação Rubro-Negra e mais torcedores nas arquibancadas, pagando preços que não serão baratos.
O Flamengo, mais do que nunca, é dependente do potencial de geração de receita direta do torcedor, porque as receitas indiretas (TV e Marketing) já experimentaram forte crescimento e não parece fácil conseguir que elas sigam aumentando – até porque os contratos são de longo prazo e estão em vigor.
Uma mensagem final precisa ficar bem clara: mesmo com todo o esforço de 2013, o clube teve um déficit de R$ 18,5 milhões e fechou o ano com um patrimônio líquido negativo de R$ 435 milhões. O ciclo de contenção financeira será longo – a menos que o Proforte altere as regras do jogo.
Se você ficou com preguiça de ler o texto inteiro – que realmente é gigante – seguem alguns destaques, na forma de resumo:
1. O Flamengo teve êxito na sua estratégia de ampliar a receita, que foi de R$ 273 milhões;
2. É espantosa a arrecadação do Flamengo com a bilheteria – R$ 48 milhões, mais do que o Roma, que integra a lista dos 20 clubes mais ricos do mundo. Junto com o valor arrecadado pelo programa de Sócio Torcedor, mostra que pela primeira vez o clube soube rentabilizar o potencial de geração de receitas de sua imensa torcida;
3. Por outro lado, o clube não foi bem na gestão dos direitos econômicos de seus jogadores. O patrimônio intangível representado por eles encolheu sem que o clube recebesse nada por isso. Em compensação, deixou de pagar R$ 18 milhões de parcelas vincendas pela aquisição de atletas;
4. A despesa de pessoal do clube segue bem alta. O gasto mensal está entre R$ 9 e 10 milhões. E foram gastos R$ 13,5 milhões para adquirir, no todo ou em parte, direitos econômicos de alguns jogadores, como André Santos, Bruninho, Chicão, Gabriel e Val (ou pagou por alguns que já estavam lá, como Hernane);
5. O clube está rigorosamente em dia com suas obrigações, porque foram renegociadas e os prazos de pagamento, alongados. E, lentamente, a dívida vem caindo;
6. As demonstrações financeiras estão bem mais transparentes. O clube caminha a passos largos para ser o mais transparente do Brasil – se já não for;
7. A necessidade financeira do clube é imensa. O ciclo de gestão sob “responsabilidade fiscal” absoluta precisa ser longo e duradouro. O que poderia aliviar o peso da dívida seria a aprovação do Proforte.
Jorge E F Farah (JEFF) e Walter Monteiro
São colunistas do Magia Rubro-Negra e sócios proprietários do Flamengo
Veja também aqui no blog A NAÇÃO: Gestão Azul: Diário da Revolução Prometida
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