Entrevista dada à Revista Época, no Blog Época Esporte Clube, comandado por Rodrigo Capelo.
O Flamengo terminou 2015 com a maior receita do futebol brasileiro e com superávit invejável – R$ 130 milhões. As despesas – operacionais, do dia a dia, e financeiras, ligadas a juros e encargos – caíram. O endividamento líquido foi reduzido de R$ 751 milhões cinco anos atrás para R$ 481 milhões na temporada passada. Quer dizer que o clube, que já tinha apresentado números igualmente bons em 2014, finalmente vai ter um ano de bonança em 2016? Ainda não. Os bons resultados no campo econômico – obtidos em temporadas de baixo desempenho esportivo, diga-se de passagem – foram consumidos pelo endividamento do passado. É como se você, torcedor, tivesse seguido a cartilha das finanças pessoais à risca em 2015: ganhou uma promoção, cortou gastos no supermercado, renegociou aquele imposto que estava atrasado. Terminaria o ano no azul se não tivesse tido que pagar dívidas dos tempos de farra. E ainda vai ter que penar mais um ano para tirar o pé da lama. O Flamengo calcula que 2017, enfim, será o ano em que terá dinheiro em caixa para gastar. Por alguns motivos. Primeiro: o contrato de direitos de transmissão será renovado antecipadamente para o período entre 2019 e 2024 com a TV Globo. Isso renderá, além de valores anuais mais altos no futuro, bônus por assinatura ainda em 2016. Segundo: este bônus, as famosas luvas, vai evitar que empréstimos que já estavam previstos sejam tomados em 2016. Isso reduz os gastos financeiros do ano seguinte. Terceiro: as penhoras cíveis, que tomam parte das receitas para pagar antigos processos perdidos na Justiça por falta de pagamento, acabam em 2016. "O Flamengo conseguiu gerar caixa, mas teve que pagar obrigações e conseguiu reduzir seu endividamento. Ano que vem terá um fluxo de caixa ainda maior, de R$ 70 milhões", diz Cláudio Pracownik. O vice de finanças flamenguista, em 29 minutos de entrevista a ÉPOCA por telefone, detalhou os números do balanço financeiro de 2015, publicado na segunda-feira (27), e explicou por que o torcedor precisará de mais um ano de paciência até o dinheiro conquistado nos anos de austeridade da gestão do atual presidente, Eduardo Bandeira de Mello, jorrar na conta bancária do clube.
ÉPOCA – Como as receitas do Flamengo se comportaram em 2015?
Cláudio Pracownik – As receitas ficaram dentro do orçado. Se compararmos com 2014, tivemos menos receitas com transferências de jogadores e caímos em premiações, mas compensamos com a área social. Passamos a explorar a Gávea de maneira mais inteligente e conseguimos arrecadar mais em bilheterias graças às vendas de partidas para fora do Estado do Rio. Mantivemos as receitas no mesmo nível com esses prós e contras.
ÉPOCA – Será possível manter o crescimento em 2016? O Flamengo começou a temporada com as saídas de patrocinadores importantes, como Viton 44 e Jeep.
Pracownik – Temos esta perda de patrocínios no primeiro semestre. É reflexo do cenário econômico. O Flamengo é uma nação, como costumamos dizer, mas é uma nação dentro de outra nação. A crise econômica nos atinge de maneira menos complexa e dramática do que outros times, mas atinge. As empresas estão esperando por eventos de maior publicidade, maior grandeza, para investir seus recursos de marketing. Os orçamentos diminuíram, e as empresas ficaram mais seletivas. Neste primeiro semestre temos campeonatos com menor repercussão, os regionais e a Primeira Liga, que está no seu primeiro ano e ainda está se provando como ativo. Temos negociações em andamento com empresas para o nacional, mas é lógico que receitas do primeiro semestre não serão recuperadas.
ÉPOCA – A renovação antecipada do contrato de direitos de TV vai ajudar a compensar essas perdas de patrocinadores?
Pracownik – No dia 5 de abril vamos apresentar este contrato ao Conselho Deliberativo. Os valores são expressivos, mais do que suprem a não realização de receitas no primeiro semestre. É certamente a maior proposta ao Flamengo até agora divulgada. Mas prefiro não entrar em detalhes em respeito aos nossos conselheiros.
ÉPOCA – Os Jogos Olímpicos tendem a concentrar recursos de patrocinadores, e o Maracanã foi tomado pelo COI. São duas receitas que deixam de ir para o Flamengo. O Flamengo já mediu o valor desperdiçado por causa da Olimpíada?
Pracownik – Os esportes olímpicos fecharam acordos muito vantajosos com os comitês americano e britânico, acordos que preveem reformas da Gávea. Então primeiro para o clube está sendo um grande evento. Segundo para o esporte olímpico tem sido um excelente acontecimento. Para o futebol o prejuízo é com estádios, mas nós podemos encher estádios ao redor do país se apresentarmos boa performance esportiva. Estamos nos reforçando, investindo em tecnologias, para ter performance. Vai exigir um sacrifício maior porque o time tem que viajar, mas ele está sendo reforçado para ter rodízio entre os jogadores. Ainda não vejo prejuízo. Vejo preocupação.
ÉPOCA – O conflito com a CBF foi resolvido? Como o veto à migração do Flamengo para outro estado afeta as finanças?
Pracownik – Pedimos para ter uma sede provisória fora do Rio. Isso nos levaria a economia de custos. Não pagaríamos taxas para duas federações, nem pagaríamos um valor ao clube convidado. O Flamengo é o maior pagador do futebol brasileiro. Se a sede fosse transferida excepcionalmente, custos seriam reduzidos. Até agora não fomos atendidos. Se a decisão da CBF não for revertida, vamos lidar com o fato. Como o Flamengo prevê uma receita de bilheteria de R$ 50 milhões, é natural que a gente perca no mínimo 10% disso.
ÉPOCA – O Flamengo reduziu as despesas operacionais de R$ 229 milhões em 2014 para R$ 212 milhões em 2015. Como?
Pracownik – Os gastos diminuíram porque reduzimos a folha e implementamos processos. Quando se trabalha com processos, percebe-se que existe repetição de funções, funções desnecessárias. Racionalizamos os custos em compras com licitações muito fortes. Fizemos licitações realmente duras para reduzir a maioria dos preços. O clube agora centraliza a autorização de despesas, principalmente viagens. Negociamos com fornecedores, trabalhamos como se trabalha em qualquer empresa para racionalizar custos.
ÉPOCA – E as despesas financeiras? Do que se tratam? Elas foram de R$ 40 milhões negativos para R$ 3 milhões positivos em 2015.
Pracownik – Tem a ver com o Profut [lei federal que possibilitou aos clubes parcelar dívidas fiscais em 20 anos]. A redução da taxa de juros proveniente do Profut fez isso. Boa parte do superávit operacional [R$ 130 milhões] que tivemos vem por aderir ao Profut e ter certidões negativas de débito (CNDs). Tivemos reduções de encargos legais, juros. O impacto do Profut foi de R$ 90 milhões.
ÉPOCA – O que significa ter um saldo positivo de R$ 130 milhões no exercício? Para onde foi todo esse dinheiro?
Pracownik – Este é um resultado contábil. Não é caixa. O Flamengo continua a ser um clube endividado. O Flamengo utilizou os recursos para manter a infraestrutura, investir no futebol e pagar dívidas. Ninguém pode não pagar suas dívidas. Nosso endividamento líquido passou de R$ 750 milhões para R$ 480 milhões, mas a dívida de curto prazo está em R$ 115 milhões. Não tem essa opção de não pagar dívidas para trazer o Messi. É uma opção que o cidadão não tem. Ele não pode deixar de pagar contas e comprar uma Ferrari. O Flamengo conseguiu gerar caixa, mas teve que pagar obrigações e conseguiu reduzir seu endividamento. Ano que vem terá um fluxo de caixa ainda maior, de R$ 70 milhões, porque as penhoras acabam em 2016.
ÉPOCA – O Flamengo vai ter R$ 70 milhões em caixa para gastar em 2017? Que penhoras chegam ao fim?
Pracownik – São penhoras diversas. Há uma dívida com o Maracanã, há dívidas antigas com jogadores como Romário, dívidas com ex-técnicos. As penhoras cíveis acabam em 2016. Como a dívida fiscal está escalonada, o Flamengo tende a ter um planejamento maior para o ano que vem. Fizemos acordos com o consórcio Plaza, com o Ronaldinho Gaúcho. Estamos resolvendo os passivos do Flamengo. Esta é a realidade. O fato de ter lucro contábil em 2015 não quer dizer que houve dividendos. Não sobrou dinheiro. O Flamengo pagou em 2015, em termos de impostos, empréstimos e penhoras, R$ 240 milhões. Por que não botou em jogador? Porque estou devendo e preciso pagar. O Flamengo caminha a passos largos para ter um nível de endividamento de um para um. Tende a ter uma dívida do tamanho da receita. Se pensarmos que em 2010 a dívida era de seis para um... Assumimos em 2012 com quase quatro vezes mais dívida do que receita. Estamos caminhando para o nível de equilíbrio.
ÉPOCA – O Flamengo previa investir R$ 20 milhões em 2016 no futebol. Esse dinheiro já foi consumido?
Pracownik – O Flamengo já investiu esse dinheiro. Está investindo uma fortuna no centro de treinamento, em equipamentos, em novos núcleos. Já atingimos a previsão, mas nada impede que efetivamente venha a investir mais, porque tem novas receitas entrando.
ÉPOCA – Pela renovação antecipada com a TV?
Pracownik – Sim. Não se pode também pensar em investir só em jogador. Estamos investindo em comissão técnica, infraestrutura, outros ativos. Só entre direitos de imagem e salários devemos gastar quase R$ 120 milhões neste ano. Mais R$ 20 milhões em contratações, entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões em CT. Tem muito investimento que é relacionado ao futebol, mas não é no jogador; é para o jogador. Bom gramado, nutricionista, fisiologista, equipamentos de recuperação e medição. Tem que pegar tudo.
ÉPOCA – Como o Flamengo vai gastar esta verba com TV?
Pracownik – O dinheiro que entrar ali no primeiro momento vai estar comprometido para pagar dívidas e empréstimos. Ele será importante porque vamos deixar de pegar dinheiro emprestado. Quanto menos empréstimos pudermos pegar com essa taxa de juros do Brasil, muito alta, melhor. Vamos pegar menos empréstimos que estavam previstos no orçamento, vamos cobrir o déficit do não patrocínio e imagino que deve ter uma sobra que por decisão do conselho fiscal pode ser utilizada para contratações.
ÉPOCA – Já dá para ter uma ideia de quanto será esta sobra?
Pracownik – Só depois que o conselho aprovar a proposta.
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