quarta-feira, 1 de junho de 2016

Reflexões esportivas e econômicas sobre os jogos em Volta Redonda

Mais um excelente trabalho de Vinicius Paiva, do Blog Teoria dos Jogos que reproduzo, na integra, abaixo:
http://www.blogteoriadosjogos.com/2016/05/31/reflexoes-esportivas-e-economicas-sobre-o-engodo-de-volta-redonda/

“Volta Redonda é o túmulo do futebol”.

Eis a frase recentemente proferida por um importante profissional na área de marketing esportivo, num debate interno do qual este blogueiro participa. Apesar de captar o olhar de quem só acompanha o futebol carioca à distância, num primeiro momento soa difícil discordar da assertiva. Os péssimos públicos auferidos por Flamengo, Fluminense e Botafogo no estádio da cidade, o Raulino de Oliveira, são o mote.

Os que se insurgem descontentes com os públicos na Cidade do Aço são, cada vez mais, respaldados por análises vindas da grande imprensa. Há quatro dias foi Gustavo Setti, representando a ESPN, quem abordou a detestável ambientação sob a ótica dos torcedores. Hoje foi a vez d’O Globo, sob a respeitável figura de Carlos Eduardo Mansur. Desde antes, sites e blogs vem dispendendo tempo e neurônios na infrutífera tentativa de compreender a ausência de público.

Chegou a nossa vez. Não a primeira, diga-se de passagem. Desde sempre o Blog Teoria dos Jogos se dedica a compreender, justificar ou refutar questões que envolvam a presença de público e a escolha de Volta Redonda como palco – leia uma análise anterior aqui. Mas desta vez vamos um pouco além, tanto no que se refere à pertinência das críticas dirigidas, quanto na contextualização econômica da questão.

É fato, os públicos em Volta Redonda são péssimos. Mas isto não acontece por improvidência divina ou como fruto de uma população desapegada ao futebol. Terra natal deste blogueiro, é com conhecimento de causa (algo que Juca Kfouri não possui) que afirmo: Volta Redonda é uma cidade como qualquer outra, o que inclui ser também uma cidade apaixonada por futebol.

Mas…

1- A cidade recebe jogos demais – com apelo de menos

Tendo recebido 27 jogos nesta temporada (21 dos grandes cariocas), o Raulino de Oliveira é o estádio mais utilizado do Brasil em 2016. Apenas o Independência, em Belo Horizonte, se aproxima – recepcionando 24 partidas. Mas aí as diferenças vão desde o tamanho dos mercados até a importância dos torneios, considerando-se a ausência de jogos válidos pela Libertadores em solo voltarredondense.

A grande questão é que, no Brasil, cidades de médio porte não costumam ter demanda suficiente para recepcionar mais do que um ou dois eventos. Vide o exemplo de Juiz de Fora, em Minas Gerais – tantas vezes considerada uma “meca” para os clubes do Rio. Com seus 550 mil habitantes, não recebeu mais do que 4.384 pagantes na vitória do Botafogo sobre o Atlético-PR, pelo Brasileirão. Já o Flu foi desde incríveis 23.985 torcedores na final da Primeira Liga (contra o mesmo Furacão) até ridículos 1.406 pagantes, no confronto diante do Criciúma, pela fase de grupos da mesma Liga. É possível que na Cidade do Aço houvesse mais gente.

“Mas e os três clássicos entre Fluminense e Botafogo na cidade?”, alguém retrucaria. Estes só vem a confirmar cada palavra proferida no tópico, já que a reiteração foi a chave do saciamento da demanda e da perda de chamariz. Em 13/03/2016, registraram-se 4.378 pagantes em Fluminense 1 x 1 Botafogo. Em 24/04/2016, 3.562 pagaram ingressos em Flu 0 x 1 Bota. Já no último domingo, o Tricolor deu o troco (1 x 0) mediante 2.860 pagantes – verifique aqui. Mais cristalino, impossível.

2- O comparecimento per capita não é pior do que o da capital

Volta Redonda possui 260 mil habitantes segundo o Censo 2010. Na condição de principal cidade, integra ainda uma conurbação com Barra Mansa, Pinheiral e Barra do Piraí (parcialmente) que detém quase 500 mil habitantes. Semelhante, portanto, à Juiz do Fora do exemplo anterior. Se considerarmos o público médio apenas nos jogos de Flamengo, Fluminense e Botafogo (3.225 pagantes), pode-se dizer que ele representa 1,24% da população da cidade e 0,65% da conurbação. Estes percentuais – se aplicados aos 6,4 milhões de habitantes da capital e aos 11,6 milhões da região metropolitana do Rio de Janeiro – equivaleriam, respectivamente, a inatingíveis médias de público de 79 mil e 75 mil torcedores no Maracanã.

3- Nem todos os times cariocas tem demanda suficiente na cidade

Aqui a argumentação vem baseada em informações exclusivas do Blog Teoria dos Jogos, que mapeou pela primeira vez o perfil de torcidas na cidade. O que se descobriu foi que a monumental diferença no tamanho da torcida do Flamengo (42,9%) para as demais (todas abaixo de 10,8%*) é algo contra o qual fica difícil lutar. De fato, os 10,6% de botafoguenses e os 8,6% de tricolores representariam 27 mil e 22 mil torcedores, respectivamente. Num estádio com capacidade para 20 mil, é como se mal houvesse torcida suficiente para o completo preenchimento de um Raulino de Oliveira.

*A pesquisa foi realizada cerca de duas semanas após o rebaixamento do Vasco, identificando número suspeitamente alto de não-respondentes (7,8%). É possível que parte destes tenham representado vascaínos em desalento.

Não por acaso, mesmo sem qualquer clássico jogado na cidade, o Flamengo conseguiu atrair públicos próximos aos 8 mil pagantes por duas vezes. Enquanto isto, o Fluminense jogou três vezes para menos de 800 testemunhas. Já o Botafogo, apesar da baixa média de público em Volta Redonda, consegue ter um comparecimento médio 60% inferior quando se apresenta em São Januário, em pleno Rio de Janeiro. O problema é mesmo a cidade?

A verdade, então, recai sob outros aspectos. Que apontam para o fato de o principal produto esportivo do suposto “país do futebol” (quem merece a alcunha é a Inglaterra) apresentar graves problemas, tanto da parte da demanda quanto da oferta.

Olhando para a demanda, as restrições orçamentárias do brasileiro realmente impactam sobre o comparecimento aos estádios, inviabilizando-o ao nível desejado. Não são poucos os torcedores que alegam a impossibilidade da presença semanal dada a “desimportância dos jogos”. Optam, assim, por reservar dinheiro para fases e embates mais importantes. Se beneficia quem joga o que realmente vale – leia-se a Copa Libertadores. Torneio que faz com que os cinco clubes de melhor média em 2016 sejam justamente os cinco que participaram dele.

Neste sentido, comparar o Brasil com Alemanha, Inglaterra, França ou Espanha – só porque todos são países importantes no mundo do futebol – soa quase como deboche. Naqueles lugares, jogos desimportantes também enchem, ou ao menos não ficam às moscas. Simplesmente porque futebol é lazer, e existe gente suficiente com capacidade para usufruir desta opção sem prejuízo das demais.

Indo além: os problemas de demanda no futebol brasileiro se aprofundam em cidades do interior, condição ocupada por Volta Redonda. Nas grandes capitais, além da maior renda, existe ainda o facilitador que é a existência de times locais fortes e com apelo. Ainda assim, poucas preenchem tais características: em maior escala, apenas São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre, com Salvador, Recife e Curitiba correndo por fora. Marginalmente, Fortaleza ou Belém (pela quantidade) e Florianópolis (dado o poder aquisitivo).

Enquanto isso, sob a ótica da oferta reside um número ainda maior de complicadores ao futebol como espetáculo. É nesta conta, afinal, que se coloca o péssimo produto oferecido, com dirigentes corruptos, times fracos e com rebarbas da Europa, estádios ruins e gramados esburacados. Mais: aqui entram os graves problemas de segurança pública e falta de infraestrutura de transportes, elementos tão atribuídos como razões da ausência do público nos estádios. Clubes que superaram algumas destas dificuldades, como Corinthians e Palmeiras, vem destoando dos demais.

Em suma, são variados e complexos os componentes da demanda por jogos de futebol no Brasil – questão que muito em breve será retomada aqui no Blog Teoria dos Jogos. Como tal, em Volta Redonda não haveria de ser diferente. A cidade veio tão somente expor a urgência com que se fazem necessárias mudanças estruturais na gestão dos clubes, via planejamento e capacidade de visão de longo prazo. Sem, no entanto, servir como mártir de coisa alguma.

Um grande abraço e saudações!

E-mail da coluna: teoriadosjogos@globo.com

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