No dia 13 de dezembro de 2017, Flamengo e Independiente entraram em campo para decidir o campeão da Copa Sul-Americana. Não foi a primeira vez que o estádio que os estrangeiros chamam de mítico, o futebol brasileiro, muito menos a cidade do Rio de Janeiro, presenciaram selvagerias generalizadas e barbaridades num jogo de futebol. Embora a desordem generalizada antes e depois do jogo não tenha vindo a provocar mortes - para quem presenciou in loco é bastante difícil entender como não - como outros conflitos de torcidas já proporcionaram em jogos de futebol no Rio de Janeiro, no Brasil e na América do Sul, pode-se dizer que a confusão e a desordem tenham tido tamanho e dimensão sem precedentes. Certamente nunca houve um jogo de futebol no Brasil em que tenham sido estouradas pela polícia tantas bom de gás lacrimogêneo e gás de pimenta, e talvez, apenas talvez, esta seja a explicação para não ter acontecido uma quantidade de mortes sem precedentes na história de um evento esportivo no Brasil e na América do Sul. Para tentar entender como o episódio tomou tamanha dimensão, é preciso compreender o conluio de três fatores, que somados fizeram os acontecimentos tomar o tamanho que teve:
1) Incitação ao Conflito de Classes: o contexto de conflito de classes por si só já passou a ser incitado na sociedade brasileira a partir das eleições presidenciais de 2014, ano no qual a realização da Copa do Mundo da FIFA sacramentou uma mudança na realidade dos estádios de futebol no Brasil, que refomados e modernizados, passaram a ser mais caros. A própria dinâmica do futebol mundial após a Lei Bosman na Europa, que acentuou a concentração de poder econômico, impôs uma realidade econômico-financeira nova. No Brasil, a metarialização se deu no Programa de Sócio-Torcedor. Durante a tentativa de invasão do estádio (estima-se que 8 mil conseguiram invadir sem pagar) ouvia-se por quem estava no meio da baderna gritos "isto aqui não é para rico, isto aqui é para pobre". Não por acaso, muito do que aconteceu antes e depois foi combinado a uma "dinâmica Robin Hood", com uma clara ação generalizada de incitação a roubos e furtos.
2) Incitação a Protestos Esportivos: o ano de 2017 foi de grandes investimentos da diretoria do Flamengo em seu futebol, a gestão rubro-negra reverteu um quadro de descontrole de endividamento e gerou-se um volume de receitas crescentes, que viabilizaram investimentos que há muito não aconteciam na formação do elenco. Eliminado na 1ª fase da Libertadores e terminando em 6º lugar no Campeonato Brasileiro, o título de Campeão Carioca Invicto era visto como pouco, depois do Vice-campeonato da Copa do Brasil, perdendo a final para o Cruzeiro, o discurso era de que qualquer coisa diferente do título da Copa Sul-Americana era algo inaceitável, intolerável e vexatório. Uma pitada a mais dava um sabor extra na extra: em 2018 era ano de eleições no clube, e a gestão que permaneceu de 2013 a 2015, e foi reeleita para o período 2016 a 2018, enfrentava dose extra de pressão para se livrar do estigma de fracasso esportivo.
3) Incitação de Ódio à Argentina: a pitada final era jogada pelo velho discurso de apologia racial e de preconceito nas disputas de espírito nacionalista entre brasileiros e argentinos, tão antiga quanto a rivalidade esportiva entre duas das maiores potências futebolísticas da história mundial, eram as associações pejorativas a brasileiros como macacos, e as brigas generalizadas dentro e fora de um campo de futebol em eventos esportivos. Enquanto muitos camuflavam como mera rivalidade esportiva, os argentinos enxergavam como brincadeira a não ser levada a sério ou mera coisa de "dentro de campo", e as organizações oficiais nunca cogitaram adverteências brandas, assim como a CONMEBOL - Confederação Sul-Americana - sempre se omitiu perante episódios de grande gravidade, como pedras grandes atiradas a campo, fogos de artifício para impedir noites de sono, água ou alimento "batizados", enquanto tudo isto, sentimentos negativos tomavam uma crescente.
Feita esta introdução, seguem-se descrições da imprensa aos acontecimentos que antecederam e que eclodiram na Guerra de 13 de Dezembro:
Após a derrota do Flamengo por 2 a 1 no jogo de ida, um vídeo gravado no estádio Libertadores da América mostrou um argentino fazendo gestos como se estivesse imitando um macaco, hostilizando os visitantes em Buenos Aires. No dia seguinte, a diretoria do Independiente divultou uma nota se desculpando e criticando o episódio.
Pouco menos de 24 horas antes da decisão da Copa Sul-Americana, a torcida do Flamengo causou uma grande confusão na porta do hotel onde o Independiente se hospedaria, na Barra da Tijuca. O tumulto só acabou com a chegada do Batalhão de Choque da Polícia Militar, unidade destinada para atuação em distúrbios civis. Os policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo e tiros de borracha para dispersar o grupo, estimado em cerca de 500 pessoas. A confusão começou nas primeiras horas da noite, com a presença inicialmente de poucos rubro-negros. Alguns carros passaram atirando fogos em direção ao hotel. O número de flamenguistas, porém, foi aumentando, assim como as manifestações contra os torcedores argentinos que estavam na portaria. Em determinado momento, alguns torcedores do Flamengo tentaram invadir o local e agredir os rivais. Os seguranças, mesmo em menor número, montaram uma barreira e conseguiram impedir o confronto de brasileiros e argentinos. Grades de contenção e morteiros foram lançados sobre os seguranças e sobre os fãs do Independiente. Morteiros também foram lançados e acertaram algumas janelas do hotel. Curiosamente, o Independiente sequer estava no local, mas fazendo treino no Engenhão. Aos poucos, a torcida rubro-negra foi aumentando, assim como aumentavam as ameaças e a tensão. Gritos normalmente entoados na arquibanda eram ouvidos no entorno do hotel, mas o principal som era o dos fogos de artifício. Com a chegada de mais rubro-negros, estimados em mais de 300, o Batalhão de Choque foi chamado para intervir.
O repórter Lucas Ohara, do projeto Passaporte, do Grupo Globo, estava no local. Ao gravar a chegada do grupamento militar, ele foi ameaçado: - Um policial apontou a arma para a minha cabeça e me avisou para não filmar. No vídeo registrado pelo jornalista, é possível ouvir o policial falando: - Não filma, não, seu filho da p... Sai de perto. Lucas relata que alguns torcedores, ao perceberem que ele era repórter, o agrediram: - Quando os torcedores que estavam em volta viram que eu estava filmando, me entenderam como imprensa e me xingaram. Um deles me agrediu com um tapa no rosto enquanto eu explicava que já havia guardado o celular. O jornalista explicou que a ação do Choque foi muito rápida. Com duas vans e duas pickups, o Batalhão montou uma barreira de escudo humano e lançou bombas de gás lacrimogêneo. Os militares partiram para cima da torcida e, em 3 minutos, conseguiram dispersar o grupo reunido na porta do hotel. Em mais cinco minutos, o Batalhão obteve êxito ao tirar o grupo do local.
Polícia prepara esquema especial para decisão: "A preocupação é muito grande". Os tumultos envolvendo torcedores de Flamengo e Independiente ligaram o sinal de alerta. A polícia prepara uma operação especial de segurança para a decisão da Copa Sul-Americana no Maracanã. Somente do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (GEPE), serão 280 homens na área interna do estádio. Cerca de 100 policiais a mais do que o comum em um clássico carioca, por exemplo. O reforço também acontecerá com o Batalhão de Choque e a cavalaria da PM. Ainda estavam previstos 174 homens do 6º batalhão da PM, além de 709 stewards dentro do estádio. A rivalidade criada entre brasileiros e argentinos preocupava: - Sem dúvida será uma operação além do normal. A preocupação para esse jogo é muito grande. Criou-se se uma rivalidade muito grande por conta do primeiro jogo. Temos notícias de que muito argentinos vieram ao Rio de Janeiro sem ingressos. O mesmo acontece com flamenguistas, que podem tentar invadir como aconteceu na Copa do Brasil. Temos a experiência daquele jogo e estamos trabalhando para corrigir os problemas – disse o major Silvio Luis, do Gepe.
A confusão provocada pela torcida do Flamengo na noite da terça-feira repercutiu muito na imprensa argentina. Os jornais argentinos publicaram reportagens com mais detalhes da baderna em frente ao hotel do Independiente na Barra da Tijuca - e que posteriormente se estendeu para Copacabana. O tradicional "Olé" resumiu a situação com uma frase: "Isso não é futebol, isso é inferno". O Olé classificou a confusão como uma "noite de pesadelo". O jornal disse que o clima ficou quente em frente ao hotel graças à briga e aos fogos de artifiício. E frisou que, depois de um enfrentamento inicial, os torcedores do Independiente precisaram se proteger no lobby do hotel. Já o Clarín confirmou que o elenco dormiu na Barra da Tijuca. Segundo o jornal, essa foi a versão oficial passada pelo clube. Outro detalhe é que alguns jogadores tomaram remédios para dormir, o que seria normal segundo o Independiente. A publicação ainda reproduziu uma declaração do dirigente Carlos Montaña ao canal TyC Sports. De acordo com ele, o clube vai fazer as queixas necessárias à Conmebol: - É lamentável, triste e doloroso o que aconteceu. Tivemos que segurar o elenco depois do treino para ter as garantias necessárias de segurança. Vamos fazer as queixas correspondentes à Conmebol. Não tivemos o trato que nós dispensamos a eles na Argentina. O Clarín deu destaque também para a revolta dos torcedores argentinos com a falta de ingressos. Eles estariam cobrando a direção do clube argentino por mais entradas. Foram disponibilizadas quatro mil pelo Flamengo, mas a publicação diz que de oito a dez mil argentinos estavam no Rio.
Nota Oficial: "O Club Atlético Independiente, clube argentino filiado à AFA, com domicílio na Av. Mitre 470, Avellaneda, representado pelas autoridades que assinam no pé, vem pela presente formular à Unidade Disciplinária a seguinte denúncia e pedido de emissão de ordens em relação aos incidentes sucedidos na noite de ontem, madrugada de hoje, nas imediações do hotel onde se encontra concentrada nossa equipe e em outros pontos da cidade. Como é de conhecimento público e foi refletido extensamente nos meios de imprensa e nas redes sociais, na noite de ontem até a madrugada de hoje, vários grupos organizados de torcedores do Flamengo cometeram atos de violência e agressão, com múltiplos incidentes, contra nossa delegação e contra nossos torcedores, concentrando-se grande parte das agressões no hotel onde a delegação está concentrada, mas com incidentes em outras áreas da cidade também. Estes incidentes, nada isolados, se potencializaram sem dúvidas pelo deficiente acionamento da polícia local e a ausência de um dispositivo de segurança adequado para a ocasião. As condutas assinaladas mancham a partida final e mais importante da competição e não apenas afetam a nossa instituição e a nossos torcedores, mas também lesionam a imagem da Conmebol e do futebol sul-americano, e não podem ser toleradas, muito menos no marco de uma final continental. Em conformidade com as disposições aplicáveis, tanto a responsabilidade pela conduta dos torcedores como o deficiente operativo de segurança recaem sobre o clube Flamengo. O deficiente acionamento das forças de segurança e a ausência de pessoal de segurança privada suficiente permitem presumir que estes incidentes possam se repetir e até se agravar. Em consequência, solicitamos que a Unidade Disciplinária emita de modo urgente as ordens que considere adequadas para a fim de garantir a segurança da delegação do Independiente e de nossos torcedores antes, durante e depois de disputado o encontro. Além das ordens solicitadas, se requere da Unidade Disciplinária a abertura de um procedimento contra o Flamengo pelos referidos incidentes a efeitos que se imponham ao clube as sanções que os feitos assinalados merecem e que evitem que no futuro se produzam incidentes similares em torneios da Conmebol. Em tal sentido, nos reservamos ampliar a denúncia nos próximos dias, fornecendo as provas pertinentes, sem prejuízo do poder da Unidade de agir de forma oficial diante antes dos fatos embaraçosos públicos e notórios. Aproveitando a ocasião, os saudamos com a mais distinta consideração, Clube Atlético Independiente"
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