quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Héctor Parra: o primeiro importado a jogar com a camisa do Flamengo


A história do primeiro importado a defender a camisa do Flamengo é bastante curiosa, muito pouco conhecida, e extremamente carente de mais detalhes e informações, sem qualquer registro fotográfico e com várias lacunas nos pormenores em torno dos fatos passados.

Uma referência histórica para ajudar a entender o quão improvável era a presença de um estrangeiro não erradicado em uma cidade defender a camisa de um clube de futebol naqueles tempos: o Campeonato Carioca de futebol teve sua primeira edição em 1906, o futebol do Clube de Regatas do Flamengo foi criado em 1912 (o clube exclusivamente de remo existia desde 1895) e o primeiro título de Campeão Carioca do Flamengo aconteceu em 1914, ano no qual a Seleção Brasileira de futebol entrou em campo pela primeira vez em sua história. O futebol era amador, os jogadores, não sendo remunerados, tinham suas profissões nos mais diversificados ramos, ou então eram estudantes.

Nos Anos 1910 havia dois clubes que disputavam o Campeonato Carioca formados exclusivamente por imigrantes ingleses - o Paysandu, do Rio de Janeiro, e o Rio Cricket, de Niterói - afinal o futebol era o "esporte dos ricos" e uma invenção "recém" imigrada da Inglaterra, e nestes tempos para muitos entre a juventude era "coisa de afeminado", porque a masculinidade e a virilidade estavam nos atléticos corpos dos remadores e não naquelas competições exóticas de usar os pés para colocar uma bola dentro das redes de uma baliza. Assim, foi natural que ao se falar dos primeiros estrangeiros a defender as agremiações de futebol da cidade, estivesse sendo falado de ingleses, principalmente no Fluminense, que era o clube da aristocracia. Mas no Flamengo também aconteceu já nos Anos 1910, quando passaram pelo campo da Rua Paissandu - onde o time rubro-negro treinava e jogava - Lawrence Andrews (1912 a 1915, 19 jogos e 3 gols), Sidney Pullen (1915 a 1925, com 131 jogos e 49 gols), Harry Reid (1916, 14 jogos e 4 gols), Harry Welfare (1916, jogador do Fluminense emprestado ao Flamengo para uma série de amistosos em Belém do Pará, 5 jogos e 7 gols), e Eustace Pullen (1920, 7 jogos e 4 gols), todos cinco radicados com suas famílias no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, para onde seus parentes haviam imigrado.

Em meio a este contexto, o primeiro jogador a ser importado para jogar no Flamengo foi o capitão da Seleção do Chile Héctor Parra, que viria a voltar ao Rio de Janeiro no Campeonato Sul-Americano de 1919 como treinador da Seleção Chilena. Antes, jogou com a camisa do Flamengo na campanha do título de Campeão Carioca de 1915.

É contado no livro "La Roja de Todos" - história da Seleção Chilena de 1910 a 1985 - que Héctor Parra começou a jogar futebol em 1906 na Escola Industrial de Chillán, cidade 400 km ao sul de Santiago. Em 1907 ele se mudou para a capital chilena e entrou no time de futebol da Escola de Artes e Ofícios. No ano seguinte, 1908, passou a defender o Gimnástico, onde conseguiu maior destaque. Em 1910 ele não fazia parte da Seleção do Chile que fez sua primeira excursão ao exterior em sua história e foi derrotada duas vezes pela Argentina e uma pelo Uruguai, em três jogos disputados em Buenos Aires. Em 1913, na segunda excursão do time do Chile ao exterior, numa viagem ao Rio de Janeiro, Parra era o capitão da equipe que entre setembro e outubro de 1913 foi derrotada duas vezes por Combinados da Escola de Guerra e Marinha, e obteve uma vitória por 3 x 2 sobre o América, que viria a se sagrar Campeão Carioca de 1913. Depois o time do capitão Parra seguiu para São Paulo, onde jogou três partidas, vencendo duas e empatando uma contra Combinados Paulistas. Héctor Parra parece ter gostado da experiência no Rio de Janeiro, devendo ter feito boas amizades, pois decidiu viver uma experiência como jogador de futebol na cidade, tornando-se o primeiro jogador chileno a atuar no estrangeiro na história do futebol do país. Ele voltou ao Brasil em 1914 para jogar pelo América. Não há registros mais detalhados se por aqui ficou após a passagem com sua seleção, ou se retornou às terras chilenas e voltou meses depois ao Rio de Janeiro, mas o fato é que ele jogou o Campeonato Carioca de 1914 usando a camisa rubra do América. Esteve em campo nos dois jogos disputados entre Flamengo e América naquele torneio: duas vitórias rubro-negras, uma em julho pelo turno e outra em setembro pelo returno.

Naquele campeonato de 1914, o Flamengo se sagrou Campeão Carioca de futebol pela 1ª vez em sua história. No ano seguinte, Héctor Parra voltou a jogar futebol no Rio de Janeiro depois de sua passagem com a camisa do América, tendo jogado pelo Flamengo entre abril e maio de 1915, e tendo sido titular nos 4 primeiros jogos da campanha que levou o Flamengo a ser Bi-Campeão do Rio de Janeiro. No total, somando-se os amistosos que disputou antes, jogou um total de 11 jogos com a camisa rubro-negra. Uma breve passagem em vermelho e preto com duração de apenas dois meses, em uma breve aventura em tempos nos quais se deslocar de um país a outro consistia em vários dias de viagem de navio. Após a breve aventura, Héctor Parra regressou a Santiago e seguiu no futebol. De capitão, acabou se tornando o primeiro treinador da Seleção Chilena. Seus comandados no Sul-Americano de 1919 no Rio de Janeiro jogaram três jogos e sofreram três derrotas: 0 x 6 para o Brasil, 0 x 2 para o Uruguai, e 1 x 4 para a Argentina. Muito provavelmente Parra foi escolhido para comandar o time chileno no Sul-Americano exatamente pelo conhecimento que já tinha da cidade do Rio de Janeiro, sede da competição, pelos tempos em que atuou por América e Flamengo.

Foi assim, que Héctor Parra se tornou o primeiro importado a jogar pelo Flamengo, em 1915. Foi o segundo estrangeiro, pois só o inglês Lawrence havia vestido a camisa rubro-negra antes dele. E chegou junto ao inglês Sidney Pullen - que chegou ao clube após a extinção do departamento de futebol do Paysandu, clube vizinho de bairro do Flamengo - para reforçar o time campeão de 1914 e que veio a ser bi-campeão em 1915. Em tempos de amadorismo, em que o jogador de futebol não rcebia qualquer remuneração para jogar, e em que tão pouco havia transações financeiras entre os clubes, não se sabe o que trouxe Parra a viver na cidade. Não há absolutamente nenhum registro histórico, nem no Brasil nem no Chile, de quais razões o trouxeram à cidade: teria parentes no Rio? teria conseguido algum emprego ou algum convênio universitário? teria sido um mero hóspede da República Paz e Amor, o cortiço na Praia do Flamengo que foi a primeira sede do clube? Provavelmente nunca se saberão mais detalhes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário