quarta-feira, 22 de julho de 2020

O complexo processo de escolha do substituto de Jorge Jesus


Em 17 de julho de 2020, foi oficialmente anunciado que o técnico Jorge Jesus (de 65 anos) estava deixando o Flamengo para assumir como técnico do Benfica, de Portugal. O homem que ganhou mais título (seis) do que perdeu partidas (quatro), com um desempenho beirando o inacreditável de ter, em 58 jogos, obtido 44 vitórias e 10 empates, e que conseguiu a impressionante marca de ter se despedido sem nenhuma derrota no Maracanã, tendo disputado 34 partidas sem perder (30 vitórias e 4 empates). A missão de encontrar um substituto seria obviamente bastante delicada, e nada fácil. Por questão de filosofia, a diretoria rubro-negra decidiu que o substituto seria um estrangeiro, e a diretriz principal, para dar continuidade ao estilo implementado por JJ, teria que ser um treinador com vocação tática ofensiva.

Vale destacar quais eram as opções que a diretoria do Flamengo tinha:

Primeiro vale destacar as opções no mercado brasileiro, e não restrita a estrangeiros. Havia um grande complicador no processo para trazer estrangeiros, já que em plena pandemia do coronavírus, o Brasil havia sido um dos países com maior quantidade de casos e de mortes, e a doença ainda não tinha vacina nem medicamento totalmente confiáveis.

Dentre os técnicos que estavam desempregados e sem contrato, dois medalhões como Luiz Felipe Scolari e Mano Menezes não foram em nenhum momento cogitados. Antes de tudo, porque foram dois treinadores que desdenharam do Flamengo nos tempos de vacas magras do clube, e que seria muito injusto se fossem premiados nos pujantes tempos de vacas gordas. Isto posto, há que se destacar também que nem um nem outro chegariam com uma filosofia de jogo ofensiva, ambos chegariam para modificar o estilo de jogo da equipe.

Entre nomes menos badalados que também estavam desempregados, representantes de uma geração mais jovem: Zé Ricardo e Jair Ventura. O primeiro começou fazendo bom trabalho no Flamengo, depois de ter sido campeão da Copa São Paulo Sub-20, tendo conquistado o título de campeão carioca de 2017. Depois de sair do Flamengo, não conseguiu reproduzir bons trabalhos a frente dos clubes por onde passou: em 2017 no Vasco, em 2018 no Botafogo, e em 2019 no Fortaleza e no Internacional. Já o segundo, fez um excelente trabalho na sua primeira oportunidade a frente do Botafogo em 2017, mas depois teve resultados desastrosos em 2018 tanto no Santos quanto no Corinthians. Estão muito abaixo do padrão de exigência para o nível que o time rubro-negro tem hoje.

Entre os nomes que empregados, três nomes se destacavam, cada um com seus "poréns". A primeira escolha seria o argentino Jorge Sampaoli (60 anos), do Atlético Mineiro. Após despontar com um excelente trabalho a frente da Universidad de Chile entre 2011 e 2012, tendo sido Tri-Campeão Chileno e Campeão da Copa Sul-Americana de 2011 (com direito a ter eliminado ao Flamengo com uma goleada por 4 a 0 em pleno Rio de Janeiro). Assumiu então a Seleção do Chile, e com ela foi Campeão da Copa América de 2015 (primeiro título da história do futebol chileno). Na temporada 2016/17 treinou o Sevilla, da Espanha, mas antes do fim da temporada, em maio de 2017, pediu demissão para aceitar o convite para ser o treinador da Seleção da Argentina na Copa do Mundo de 2018 (o Sevilla terminou a temporada em 4º lugar). Depois de deixar a seleção nacional de seu país, o desafio seguinte que aceitou foi no futebol brasileiro. Treinou o Santos em 2019, terminando como vice-campeão brasileiro. Pediu demissão ao fim do campeonato. Em março de 2020 foi contratado pelo Atlético Mineiro. Após apenas 1 partida a frente do novo clube, o futebol mundial foi paralisado por causa da pandemia. Para deixar o Atlético, haveria que ser paga uma multa de US$ 3,4 milhões para romper o contrato.

A segunda opção seria Renato Gaúcho, técnico do Grêmio. Com ele, o tricolor gaúcho foi Campeão da Copa Libertadores da América de 2017, e semi-finalista nas edições de 2018 e 2019. É um técnico de filosofia ofensiva. Outra opção, muito menos badalada e que certamente despertaria alguma desconfiança em boa parte da torcida, seria Dorival Júnior, técnico do Atlético Paranaense, mas com ele o time rubro-negro teve ótimo desempenho na reta final do Campeonato Brasileiro de 2018.

Descartadas todas estas opções, o primeiro da lista rubro-negra era o argentino Marcelo Gallardo (44 anos) técnico do River Plate, Campeão da Libertadores de 2018, e vice-campeão da Libertadores de 2019 (um bi-campeonato que lhe esteve nas mãos até os 41 minutos do 2º tempo, e que depois Gabigol lhe sacou de vez das mãos com dois gols que deram o título ao Flamengo de Jorge Jesus). Rapidamente, no entanto, Gallardo mandou dizer que seus planos para sair do River eram no futebol europeu, e não no sul-americano.

O Flamengo partiu então para treinadores portugueses, e sua lista de conversas se estendeu a 4 treinadores, foram eles:

Marco Silva: o jovem treinador, então com 43 anos, começou a carreira de técnico no Estoril. Treinou ao Sporting na temporada 2014/15 do Campeonato Português, terminando em 3º lugar, atrás de Benfica e Porto. Migrou então para a Grécia na temporada 2015/16, na qual se sagrou Campeão Grego com o Olympiakos. Teve depois disto duas oportunidades na Premier League. Começou a temporada 2016/17 na 2ª Divisão da Inglaterra a frente do Hull City, e depois de 22 partidas, recebeu convite para se transferir para o Watford, na 1ª Divisão, que treinou por 26 jogos, terminando a Premier League daquela temporada em 14º lugar entre os 20 participantes. Foi convidado então para assumir ao Everton, que havia sido o 8º colocado. Ele treinou os "azuis" na temporada 2018/19, tendo estado 60 partidas a frente do clube, e terminando o campeonato em 8º lugar. Na temporada 2019/20 ele ficou desempregado. Ao ser o primeiro português a ser sondado, informou que não tinha planos de sair da Europa.

Paulo Sousa: a segunda opção foi o ex-jogador Paulo Sousa (defendeu as camisas de Benfica, Sporting, Juventus e Internazionale, na Itália, e Borussia Dortmund, na Alemanha) que tinha 49 anos. Como treinador, começou em equipes de menor expressão da Inglaterra, passando por Queens Park Rangers, Swansea e Leicester, passou por equipes na Hungria, em Israel e na Suíça, e assumiu à Fiorentina, da Itália, na temporada 2015-16. Ficou a frente do clube por duas temporadas (5º e 8º lugares). Aceitou então ema proposta do futebol chinês. Na temporada 2019/20 assumiu ao Bordeaux, da França, e terminou em 12º lugar. Ainda tinha vínculo com o Bordeaux em julho de 2020, e não demonstrou planos de sair.

Leonardo Jardim: o jovem treinador de 45 anos treinou primeiro a Chaves, Beira-Mar e Braga, todos de Portugal, passou pelo Olympiakos, da Grécia, na temporada 2012/13, e depois treinou o Sporting. Seu trabalho de maior destaque foi a frente do Monaco, da França, onde ficou de 2014 a 2019, tendo se sagrado Campeão Francês da temporada 2016/17, no time que revelou Mbapé e surpreendeu ao favorito Paris St-Germain. Esteve desempregado na temporada 2019/20. Abriu conversas com a diretoria rubro-negra, mas avisou que tinha propostas da Europa e da Ásia, e que daria prioridade a estas.

Carlos Carvalhal: o nome seguinte da lista estava com 54 anos, um treinador que havia passado por diversos times de menor expressão de Portugal até assumir o Sporting, onde ficou por duas temporadas (2009/10 e 2010/11). Na temporada 2011/12 foi o técnico do Besiktas, da Turquia. Depois esteve algumas temporadas sem clube, e recomeçou na Inglaterra, onde treinou por duas temporadas ao Sheffield na 2ª Divisão (2015/16 e 2016/17), e na temporada 2017/18 treinou ao Swansea (18º lugar entre 20 participantes, terminando rebaixado à 2ª Divisão). Um treinador que não tinha, portanto, um curriculum vitorioso e repleto de títulos, longe disto. A partir da temporada 2019/20 passou a treinar ao Rio Ave, de Portugal, clube ao qual estava vinculado à época que foi sondado pelo Flamengo. No fim de semana no qual a diretoria rubro-negra estava em Portugal para negociar com ele, ele garantiu a 5ª colocação do Campeonato Portuguêsna temporada 2019/20, igualando as melhores campanhas do Rio Ave na história (também foi 5º em 1981/82 e 2017/18).


Alternativamente a estes quatro treinadores portugueses, estavam no radar também dois treinadores espanhóis:

Domenec Torrent: o treinador de 58 anos trabalhou 10 anos como auxiliar-técnico de Pep Guardiola no Barcelona, no Bayern Munique e no Manchester City. Na temporada 2018/19 se arriscou pela primeira vez num trabalho solo como técnico de futebol, assumindo ao New York City, dos Estados Unidos. Lá, terminou a Fase Regular da Major League Soccer com a melhor campanha de sua Conferência, realizando a melhor campanha da história do clube. Nos play-offs acabou eliminado, no entanto, logo na primeira fase, nas quartas de final (semi-final de conferência, pela organização nos EUA). Na temporada 2019/20 ele não esteve empregado. Um nome com pouca experiência efetivamente como técnico, mas com uma bagagem de trabalho muito interessante junto àquele que estava entre os melhores técnicos do mundo naquele momento. Uma aposta arriscada, mas bastante interessante.

Miguel Ángel Ramírez: o jovem treinador de 35 anos começou tendo experiência nas categorias de base do Las Palmas e do Alavés, clubes pequenos da Espanha, e teve a primeira experiência como técnico no Independiente Del Valle, do Equador, levando a clube a ser Campeão da Copa Sul-Americana de 2019. Cotado para assumir a Seleção do Equador, era um nome com pouca experiência, restrita a uma boa passagem por um único clube, e com histórico de bom resultado num torneio mata-mata. Como reagiria comandando um time repleto de jogadores experientes? Estaria preparado para a maratona de um campeonato largo e de pontos corridos, com um nível de concorrência tão elevado, e de nível técnico tão alto quanto o do futebol brasileiro? Uma aposta que parecia ser muito arriscada.


Alternativamente foram aparecendo opções que não se podia saber ao certo se eram especulações ou possibilidades reais. Surgiu o nome do espanhol Rafa Benítez, renomado treinador de 60 anos que foi um nome de ponta no futebol europeu entre 2002 e 2016, tendo sido duas vezes Campeão Espanhol com o Valencia, nas temporadas 2001/02 e 2003/04, depois foi Campeão da Liga dos Campeões da Europa em 2004/05 com o Liverpool, passou pela Internazionale, foi Campeão da Liga Europa com o Chelsea na temporada 2012/13, passou pelo Napoli e treinou ao Real Madrid na temporada 2015/16. De 2016 a 2019 treinou ao Newcastle, na Inglaterra, e na temporada 2019/20 treinou ao Dailan Yifang, da 2ª Divisão da China. Uma proposta competitiva do Brasil lhe poderia despertar interessante, mas seguramente era um nome caro.

Em paralelo, jornais do México davam notícia de que o técnico mexicano Javier Aguirre (61 anos), recém demitido após terminar o Campeonato Espanhol em 18º lugar com o Leganés, sendo rebaixado à 2ª Divisão, teria supostamente sido procurado pelo Flamengo. Também apareceu a possibilidade do alemão Jurgen Klinsmann (55 anos), ex-jogador que começou a carreira de técnico com a Seleção da Alemanha na Copa do Mundo de 2004, depois treinou o Bayern Munique na temporada 2009/10, comandou a Seleção de Estados Unidos de 2011 a 2016, participando da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e que havia treinado ao Hertha Berlin na temporada 2019/20, ficando em 10º lugar na Bundesliga.

Em 23 de julho, o cenário já parecia restrito a alguns poucos nomes. Em cima disto, o site Mundo Rubro-Negro fez uma enquete no Twitter entre os nomes preferidos pelo torcedor rubro-negro, e o desejo da torcida parecia explícito: Domenec Torrent recebeu 59,5% dos votos, Carlos Carvalhal recebeu 26,6% e a opção "Outros" recebeu 13,9% dos votos.

Foi neste dia, 23 de julho, que a diretoria do Flanengo, representada pelo vice-presidente de futebol Marcos Bráz e pelo diretor de futebol Bruno Spindel, desembarcou em Portugal para abrir negociações. Em 25 de abril, reuniram-se com Domenec Torrent em Madrid, e em 26 de abril com Carlos Carvalhal em Lisboa. Entre uma conversa e outra, houve uma reunião também com Fernando Hierro, técnico da Seleção da Espanha na Copa do Mundo de 2018.

Na segunda-feira, 27 de julho, os jornais portugueses noticiavam que Carlos Carvalhal teria acertado com o Braga, 3º colocado do Campeonato Português na temporada 2019/20. Numa entrevista naquela noite, no entanto, as palavras de Carvalhal pareciam não indicar que o assunto já estivesse resolvido. Por ele: "O Flamengo é um dos maiores clubes do mundo. Noventa e cinco por cento dos treinadores do mundo aceitariam esse desafio. Eu tenho que tomar uma decisão e preciso conversar com minha família. Precisamos viver com a realidade e minha decisão não será apenas sobre futebol. Vou tentar antecipar o que acontecerá com o coronavírus em outubro, novembro e dezembro. Vou tentar encontrar a melhor maneira de dar um próximo passo importante no minha carreira, mas ao mesmo tempo proteger minha família". No entanto, no dia seguinte, 28 de julho, foi confirmado oficialmente que o treinador tinha assinado um contrato de dois anos para ser o novo técnico do Braga.

No fim do dia 28 de julho, o jornal espanhol "As" noticiou que o Flamengo havia chegado a um acordo definitivo com Domenec Torrent. Oficialmente, nada confirmado no entanto. No dia seguinte, 29 de julho, a dupla de dirigentes rubro-negros direcionou-se a Girona, nos arredores de Barcelona, onde residia o treinador, ao que tudo indicava para fazer os ajustes contratuais finais. Em 31 de julho, o anúncio oficial: Domenec Torrent foi o escolhido no processo seletivo promovido pelo Flamengo na Europa para encontrar um novo treinador.

Enquanto isso, no Brasil, a máquina de mídia paulista trabalhava para menosprezar e minimizar o acerto do clube com o treinador espanhol, e em diversos meios enfatizava-se que o Flamengo havia acertado com sua quarta ou quinta opção, depois de ser preterido por seus preferidos...

Domenec Torrent


Nenhum comentário:

Postar um comentário