terça-feira, 29 de setembro de 2020

A situação financeira dos principais rivais do Flamengo ao fim de 2019


Análise feita por Rodrigo Capelo, publicada no GloboEsporte.com resumindo os Balanços Financeiros de 2019 dos maiores rivais do Flamengo no futebol brasileiro:

ATLÉTICO MINEIRO
Presente e futuro ameaçados por prejuízos e dívidas impagáveis. Ao mesmo tempo, seu presidente contratou um dos técnicos mais caros da América do Sul (Jorge Sampaoli) e um dos diretores de futebol mais prestigiados e caros do Brasil (Alexandre Mattos).
Financeiramente, o Atlético-MG está na pior situação pelo menos desde 2014. Um jeito de chegar a essa conclusão é por meio da comparação entre faturamento e endividamento. Em 2019, a proporção entre receitas e dívidas voltou a 2,9 após passar por breve e insuficiente melhora nas contas. As receitas não têm crescido, e os Direitos de Transmissão representam 47% das receitas, e a soma de Bilheteria e Sócios-Torcedores somam 15%.
O presidente Sette Câmara começou a temporada passada com a necessidade de reduzir o custo do futebol profissional. Em vez disso, ele o aumentou. E nesses números não estão contabilizados nem o técnico Sampaoli, nem os jogadores contratados por Alexandre Mattos, nem o diretor de futebol. A austeridade se foi. As dívidas do Atlético-MG são impagáveis, pois os compromissos de curto prazo dispararam a R$ 334 milhões.

ATHLÉTICO PARANAENSE
Com reservas e fortuna a receber, é o brasileiro na melhor posição para enfrentar a crise imposta em 2020 pela pendemia do coronavírus.
Em 2019, O clube teve pela primeira vez desde a reforma da Arena da Baixada um faturamento maior do que o endividamento! A situação financeira é tão confortável que hoje o clube pode considerar o seu endividamento praticamente zerado. Em 31 de dezembro de 2019, data de fechamento das demonstrações financeiras, o clube tinha R$ 35 milhões disponíveis em caixa e outros R$ 50 milhões aplicados no Tesouro Nacional com liquidez imediata.
A única ameaça – que não é nova – é a dívida em potencial por causa da reforma da Arena da Baixada para a Copa do Mundo de 2014. Vale a pena recapitular a história para entender a gravidade dela. O Athletico-PR decidiu administrar ele mesmo as obras em seu estádio. O orçamento da reforma ficou em R$ 185 milhões. O clube fez um acordo para dividir o custo em três partes. A Prefeitura de Curitiba pagaria uma, e o governo estadual do Paraná arcaria com outro terço. O custo das obras na Arena da Baixada aumentou várias vezes desde o primeiro orçamento até a reinauguração. Foram investidos R$ 391 milhões no final das contas. Daí nasceu o impasse entre dirigentes e governantes. Enquanto clube entende que esse novo valor deveria ser repartido em três, a prefeitura se recusou a aumentar a parte dela.
O presidente Mario Celso Petraglia ainda acertou em cheio na estratégia adotada em relação aos direitos do Campeonato Brasileiro. Em vez de assinar um acordo pela venda do pay-per-view com valores baixos, o cartola não vendeu este direito e se beneficiou por um número maior de transmissões na TV aberta – que também são variáveis e importam no cálculo.
As receitas têm crescido, e os Direitos de Transmissão representam 45% das receitas, e a soma de Bilheteria e Sócios-Torcedores somam 14%.

BOTAFOGO
Clube com a maior dívida do futebol brasileiro e com receitas e orçamento estourados. Em 2019, sob a direção do presidente Nelson Mufarrej e do vice-presidente geral Carlos Eduardo Pereira, o que era péssimo ficou pior. As receitas estão estagnadas em um patamar insuficiente para qualquer recuperação financeira, o orçamento novamente estourou, e as dívidas pioraram em quantidade e perfil. As maiores do futebol brasileiro.
Nas receitas diretamente ligadas à torcida, a arrecadação bruta nem parece tão ruim. Estável em relação ao ano anterior, não muito distante do que havia sido orçado. Mas aqui precisaremos nos adiantar e tratar rapidamente de custos para entender o problema. Em 2019: R$ 10,6 milhões foram a receita com vendas de ingressos, R$ 14,2 milhões foram a despesa com as partidas e, portanto, houve "prejuízo" de R$ 3,6 milhões se tratando dos jogos. O estádio deveria proporcionar rendas adicionais com locações, estacionamentos, bares e camarotes, não? E o resultado é: R$ 3,2 milhões em receitas do Estádio Nilton Santos, R$ 9,5 milhões em despesas operacionais do Nilton Santos e, portanto, houve "prejuízo" de R$ 6,3 milhões se tratando do estádio. O torcedor precisa ter consciência de que todo esse esquema é deficitário. De um ponto de vista estritamente financeiro, o Botafogo perderia menos dinheiro se jogasse num estádio em que não tivesse de administrar. Na prática, até mesmo as receitas com sócio-torcedor (R$ 6 milhões) acabam sendo consumidas pelas despesas para entrar em campo.
Diante de tantos problemas, o fato de o clube ter batido a sua meta em transferências de jogadores não chega a aliviar a frustração. O Botafogo precisaria vender duas ou três vezes o que planejou para compensar. Na folha salarial, mesmo com um dos times mais baratos do Campeonato Brasileiro, o clube ficou acima do que considerava necessário em seu orçamento para fechar no azul. A combinação de todos esses fatores negativos numa temporada só é um deficit (ou prejuízo) no lugar do que deveria ser um senhor superavit (ou lucro).
Além disso, e ainda mais grave, são muitas as cobranças feitas ao mesmo de dívidas que o Botafogo precisa pagar. Se a dívida bruta em mais de R$ 800 milhões não é assustadora suficiente, separá-la conforme o prazo para pagamento piora a percepção sobre o presente. O clube encerrou a temporada passada com R$ 279 milhões a pagar no curto prazo, isto é, no decorrer de 2020. Um compromisso... impossível.
O desafio das pessoas envolvidas na concepção da S/A é convencer credores a dar descontos generosos sobre suas dívidas, em percentuais próximos dos 80%, em troca do pagamento à vista dos valores restantes. Sem um perdão considerável, não haverá remédio.

CORINTHIANS
O presidente Andrés Sanchez tem resposta pronta para a crise financeira em que meteu o Corinthians na sua segunda passagem na presidência, desde o começo de 2018. Em entrevistas recentes, para justificar prejuízos e dívidas, o presidente se colocou na seguinte cilada: Se vende jogadores e tenta pagar as contas, o presidente é acusado por imprensa e torcida de desmanchar o time, se contrata jogadores e desembolsa salários, luvas e comissões para tê-los, o presidente é criticado por endividar o clube. A justificativa funciona porque desarma a opinião pública. É verdade que parte da imprensa cobra contratações e títulos sem se questionar sobre as consequências nas contas. E o torcedor, logicamente, prefere ver o futebol reforçado do que desfeito para pagar dívidas. É uma falsa dicotomia, no entanto – quando se tenta convencer o público de que duas situações são opostas e inconciliáveis.
A primeira constatação: sim, há crise financeira no Parque São Jorge. O Corinthians, que esteve entre os maiores faturamentos no início desta década e tinha situação razoavelmente controlada, hoje tem dificuldade para arrecadar tanto quanto adversários diretos. Pior ainda, o endividamento alvinegro chegou a um estado pior até do que na época do rebaixamento para a segunda divisão, após a saída da MSI. As dívidas hoje representam duas vezes a arrecadação anual. Na década passada, esta relação sempre esteve em um para um.
Por que arrecada tão pouco? Nos direitos de transmissão, o Corinthians ainda tem uma das maiores quantias. O tamanho da torcida faz diferença no pay-per-view, principalmente. Mas hoje esse tipo de receita é complementada por bons desempenhos na Copa do Brasil e na Libertadores – cujos pagamentos são entendidos como televisão. Sem Libertadores e eliminado da Copa do Brasil já nas oitavas de final, o clube não complementou suas receitas com transmissão e premiações. Na área comercial, a notícia é positiva. A partir dos muitos patrocínios fechados para a camisa, a diretoria recuperou desempenho e voltou a arrecadar R$ 90 milhões com esta linha. Num cenário de crise econômica no país e de estagnação comercial do futebol, não deixa de ser bom.
O Corinthians registrou em seu balanço a entrada de R$ 62 milhões com bilheterias da Arena Corinthians, mas o valor não pôde ser usado pelo futebol. Todo o dinheiro vem sendo usado para pagar despesas e dívidas do estádio.
Em 2019: R$ 62 milhões em receitas com bilheterias, R$ 23 milhões em despesas com partidas. Passa a régua: R$ 39 milhões deveriam ser repassados pelo clube de futebol para o fundo do estádio, para que este valor bancasse outros custos (manutenção, segurança, limpeza etc) e a dívida da construção. R$ 28 milhões foram efetivamente repassados ao fundo. e R$ 11 milhões viraram dívida do Corinthians com o fundo. Ou seja, de toda a arrecadação com bilheterias, a associação civil Corinthians se apropriou de apenas R$ 11 milhões para usar em outras finalidades, e nem mesmo este dinheiro lhe pertence. Ele deveria ter sido repassado ao fundo imobiliário composto por Corinthians e Odebrecht.
O que é pior, das receitas de 2019, houve uma dependência forte da TV (55% do total) e 10% foi com a vensa de jogadores. Qualitativamente é um desempenho muito ruim!
Como é possível que o Corinthians tenha um deficit (prejuízo) de R$ 177 milhões em uma temporada só? Receitas abaixo do planejado, despesas muito acima, atividades sociais e amadoras absurdamente deficitárias, juros sobre dívidas. E o pior ainda está por vir. Pois o resultado disso tudo está em um perigoso aumento do endividamento.
O balanço não trata da dívida da Arena Corinthians, pois ela não foi incluída no balanço do clube. O documento corintiano permite apenas compreender as consequências diretas do estádio nas contas do cotidiano, mas não há nada que deixe saber o tamanho do problema para o futuro. O balanço do fundo é vago e mal detalhado.
No caso das obrigações trabalhistas, parte pequena do total se refere a salários atrasados ou correntes de jogadores e funcionários. Na verdade, a maioria remete a Imposto de Renda (IR) e Fundo de Garantia (FGTS). A diretoria reteve o IR sobre salários de atletas, mas não o repassou ao governo. O dinheiro não lhe pertence. Entre advogados, existe consenso de que isto configura crime de apropriação indébita. Dirigentes poderiam ser presos se o poder público se movesse.

CRUZEIRO
As finanças do Cruzeiro em 2019: Itair como destruir um clube de futebol em apenas dois anos. Tudo nas contas cruzeirenses é superlativo: gastança, prejuízo de R$ 394 milhões, dívidas de curto prazo em R$ 608 milhões. Resultado de fazer inveja aos piores dirigentes da história. Para piorar: o rebaixamento para a segunda divisão.
As demonstrações contábeis referentes a 2019 mostram a degradação em tempo recorde de contas que já estavam ruins fazia alguns anos. O deficit contabilizado no período foi o pior já registrado no futebol brasileiro, R$ 394 milhões. O quadro só não é ainda pior porque transferências de atletas – sobretudo a de Arrascaeta, marcante pela maneira como Itair Machado enfrentou o Flamengo – chegou a quase R$ 80 milhões. E não é só. O balanço apresentado no ano passado, referente a 2018, tinha apresentado um prejuízo de R$ 27 milhões. Este número foi revisto e reapresentado em R$ 78 milhões. Em 2019, o Cruzeiro chegou a um endividamento três vezes maior do que o faturamento.
Apenas em remunerações do futebol profissional – uma linha que inclui salários, encargos trabalhistas, direitos de imagem, direitos de arena e premiações –, o Cruzeiro gastou quase todas as suas receitas. E ainda precisam ser considerados aumentos inexplicáveis em remunerações das áreas administrativas e social, além de outras despesas variadas. Despesas administrativas: R$ 11 milhões em 2017, R$ 23 milhões em 2018, e R$ 47 milhões em 2019. O que são exatamente essas despesas administrativas? O balanço cruzeirense não as detalha.
Dirigentes como Itair Machado e Sérgio Nonato atribuíram a si mesmos salários muito acima do mercado. Empresários irregulares receberam comissões. Conselheiros foram colocados na folha de pagamentos, líderes de torcidas organizadas também. Até jornalistas recebiam dinheiro da diretoria.
Não apenas o endividamento do Cruzeiro disparou como um todo, explodiram as suas dívidas de curto prazo – aquelas que supostamente seriam pagas no decorrer de 2020, caso não fosse um caso de falência. Obrigações tributárias: Zero em 2017, R$ 5 milhões em 2018, e R$ 247 milhões em 2019. Com o retrato mais recente das finanças, o cruzeirense precisa considerar saídas não experimentadas por outros clubes na história do futebol brasileiro. Falência ou recuperação judicial, ainda que mudanças legislativas sejam necessárias, para que bens e marca possam ser vendidos e usados para pagar coletivamente todos os credores. Não há solução fácil ou amigável para o que fizeram ao Cruzeiro.

FLUMINENSE
O presidente Mário Bittencourt tomou posse da presidência do Fluminense em junho – pois o antecessor Pedro Abad antecipou a saída do cargo –, e encontrou um clube "dilacerado". A palavra foi usada por ele na carta que acompanha as demonstrações financeiras sobre 2019. Funcionários temiam demissões, havia quatro meses de salários atrasados, e jogadores tinham contratos com término já em dezembro. Eles recebiam propostas e poderiam ter desfalcado o time com a temporada em andamento e risco de rebaixamento para a Série B. Se o atacante Pedro não tivesse sido vendido para a Fiorentina, "o Fluminense não teria sobrevivido". Novamente, a citação é do próprio presidente.
A comparação entre faturamento e endividamento – um jeito de medir a gravidade dos problemas financeiros – mostra que o Fluminense não piorou a sua situação em 2019. Num cenário de crise generalizada como o do futebol brasileiro, esta já é uma boa notícia.
Na área comercial, a receita com licenciamentos e franquias veio zerada pela primeira vez em 2019. E olha que os valores dos anos anteriores já não eram altos. Patrocínios renderam pouco mais do que R$ 9 milhões no ano inteiro. Eis um ponto fraquíssimo nas Laranjeiras. E no relacionamento com o torcedor, ainda que as bilheterias tenham aumentado, ainda são pequenas (R$ 16 milhões) para fazer diferença. O clube social tem uma receita até relevante para esta natureza, em quase R$ 15 milhões, mas, bem, as despesas deste mesmo clube social consomem a maior parte dela. Não sobra nada para o futebol. Bittencourt fala muito sobre a importância do sócio-torcedor nas contas do clube e sonha, desde a eleição, em alcançar R$ 36 milhões anuais. Falta muito para chegar lá. Hoje esta receita está em R$ 5 milhões.
Diante de tão poucas receitas operacionais, a salvação recente para o Fluminense tem sido a venda de jogadores. Mais especificamentre, da base. Fora a saída de Pedro para a Fiorentina, outra negociação relevante foi a de João Pedro. Ele foi vendido pela administração anterior para o Watford no ano retrasado, mas contabilizado no balanço de 2019.
A dependência tricolor: 43% receitas foram com a TV e 36% com a venda de jogadores, somando estes dois quesitos um impressionante total de 79% do total de receitas do clube. 
Se o Fluminense estivesse livre de dívidas, os dados do quadro acima seriam razoáveis. Como o endividamento é enorme, a consequência é uma competitividade ainda mais baixa.
É impossível para o Fluminense pagar R$ 258 milhões em dívidas de curto prazo. O clube precisaria ter o dobro de seu faturamento e não gastar nem um centavo a mais com o presente, hipótese surreal. A dívida é impagável! A saída para Bittencourt – aliás, advogado com experiência em direito desportivo e trabalhista – é ligar para credores e renegociar prazos para pagamento.
Em relação ao dinheiro desperdiçado por causa das dívidas, ainda antes de entrar de fato na análise sobre o endividamento, essas foram as principais despesas financeiras tricolores em 2019: R$ 11 milhões em juros e encargos sobre empréstimos; R$ 29 milhões em juros e encargos sobre impostos; R$ 18 milhões em multas por impostos em atraso; e R$ 4 milhões em outras despesas financeiras. O Fluminense perde esta grana todos os anos.
A redução dos empréstimos com instituições financeiras e pessoas físicas é positiva. Esse tipo de dívida carrega juros altos e pega receitas como garantias de pagamento. Livrar-se delas ajudará a reduzir a asfixia. E o aumento dos impostos e das obrigações trabalhistas foi causado por um fato anterior à chegada dele. O Fluminense não cumpriu regras do Profut especificamente em relação ao pagamento do FGTS dos atletas e foi punido pelo governo em abril de 2019. O clube perdeu benefícios que tinha conseguido na adesão. Não bastasse o incrível estrangulamento por causa do passado, o presente foi piorado por causa do coronavírus.

GRÊMIO
Clube pode não ter reservas financeiras e fortunas a receber, mas o equilíbrio alcançado após anos de reorganização o deixa em uma das melhores posições para enfrentar o coronavírus. Existem pelo menos dois tipos de clubes: os que vinham se endividando e entrarão em colapso; e os que estavam tranquilos e voltarão a ter problemas. O Grêmio está no segundo grupo.
A distribuição de receitas do Grêmio é saudável. Direitos de transmissão representam pouco mais do que 40% do total arrecadado, estáveis no Campeonato Brasileiro, impulsionados pelo bom desempenho em competições como a Libertadores – ainda que a torcida tenha se frustrado pela eliminação na semifinal da maneira que aconteceu. As premiações, compreendidas como televisão por ter nas emissoras as fontes pagadoras, deixaram o clube gaúcho próximo do que arrecada um Corinthians – cenário impensável na maneira como o futebol brasileiro esteve organizado, menos meritocrático, até 2018. Na área comercial, o departamento de marketing aumentou mais uma vez sua arrecadação. Fica evidente que há uma disparidade entre gremistas e adversários do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, em especial contra Flamengo, Palmeiras e Corinthians, consequência de estar baseado num estado com menores população e economia. A força tricolor está no sócio, com mais de R$ 75 milhões arrecadados apenas com associados. Há menos torcedores do Grêmio do que desses mesmos rivais, para manter a mesma comparação, contudo a arrecadação é maior. Sinal de engajamento e eficiência.
Do total de receitas, 42,5% arrecadados com a TV, 19% com a torcida, e 25% com venda de jogadores.
O acompanhamento entre orçado e realizado também é um destaque tricolor. Ainda mais no contexto do futebol brasileiro, em que presidentes e diretores de futebol dão de ombros para as projeções feitas pelo departamento financeiro, os gaúchos são conservadores. No primeiro orçamento sobre 2019, publicado no portal de governança, a previsão de receita havia sido de R$ 317 milhões. A diretoria não conta com receitas variáveis até que as atinja. Na comparação entre o orçamento suplementado (revisado no decorrer do ano), tudo bate e sobra. As receitas foram reajustadas para R$ 386 milhões, e no fim das contas terminaram em R$ 425 milhões.
Nos gastos, o Grêmio elevou sensivelmente o tamanho do futebol profissional. Folha salarial do futebol: R$ 98 milhões em 2015; R$ 109 milhões em 2016; R$ 150 milhões em 2017; R$ 144 milhões em 2018; e R$ 189 milhões em 2019. É ruim aumentar R$ 45 milhões entre uma temporada e outra? Só se não houvesse como pagar os salários em dia. E isto não acontece no Grêmio.
Em 2019, o clube continuou a reduzir as dívidas de curto prazo. Foram quitadas parcelas de jogadores que tinham sido comprados no passado, além de comissões por intermediação de compra e venda, entre outros acordos diversos. Essas são as rubricas com reduções mais nítidas. Isso reduziu a pressão sobre compromissos urgentes – cobrados em prazo inferior a um ano, portanto no decorrer de 2020.
O gremista pode ficar razoavelmente seguro, no entanto, de que o clube passará por este período de exceção com menos avarias do que muitos outros. O presidente Romildo Bolzan Júnior não tinha como saber que o mundo pararia por causa do coronavírus, mas, intencionalmente, deixou o Grêmio melhor preparado do que a maioria para a crise que chegaria.

INTERNACIONAL
Direção assumiu riscos demais e fragilizou a instituição, com R$ 316 milhões somente em dívidas de curto prazo, entre juros e multas, clube enfrentaria crise financeira em 2020 mesmo se não houvesse pandemia do coronavírus.
A análise começa pela arrecadação. E a notícia nesse sentido é positiva. Em 2019, o Inter aumentou muito suas receitas. Disputar a final da Copa do Brasil – com sua premiação, compreendida como transmissão – contribuiu para que direitos de tevê rendessem R$ 38 milhões acima da temporada anterior. A área comercial elevou patrocínios e publicidades em quase R$ 9 milhões; fato positivo no cenário de estagnação do futebol brasileiro. Bilheterias e mensalidades sociais aumentaram R$ 16 milhões (aqui a decisão da Copa do Brasil também tem impacto direto). Todos os números são positivos. Seja na comparação com o retrospecto, seja em paralelo com adversários de outros cantos do país, seja contra os valores orçados no início da temporada. E ainda houve outro incremento: transferências de jogadores subiram R$ 70 milhões em relação a 2018. Do total de receitas, a TV representou 37,4%, as receitas com a própria torcida representaram 22,7% e a venda de jogadores representou 26%.
Porém, o presidente Marcelo Medeiros deixou que dívidas de curto prazo – que precisam ser pagas no decorrer dos 12 meses seguintes ao balanço, portanto já em 2020 – chegassem a inviáveis R$ 316 milhões. O Internacional pode ter terminado 2019 com apenas R$ 3 milhões em deficit (prejuízo), com receitas em alta e uma final de Copa do Brasil. Mas se endividou muito para chegar lá. E se endividou gravemente no curto prazo.

PALMEIRAS
O aumento das dívidas está colocando à prova a filosofia do ex-diretor de futebol Alexandre Mattos – que o presidente Maurício Galiotte endossou. Jogadores são vendidos para conter custos e compensar os altos investimentos realizados. O Palmeiras demitiu dois ex-técnicos da seleção brasileira em uma temporada só. Primeiro foi a vez de Luiz Felipe Scolari, campeão nacional no ano retrasado. Depois, Mano Menezes. Resultados aquém da expectativa, pressão da torcida, você sabe da história. A demissão mais simbólica, no entanto, não é a de nenhum treinador. Alexandre Mattos, enquanto diretor de futebol, conquistou dois Campeonatos Brasileiros e uma Copa do Brasil. Ele se tornou símbolo da época gastadora. "Vou te contratei" é um meme famoso, resultado das tantas contratações executadas pelo profissional. Que foi demitido no término da temporada, pois faltaram novos títulos.
Na arrecadação, o clube se destaca pelos direitos de transmissão repartidos entre duas emissoras. Para a Globo, foram vendidos os direitos de televisão aberta e pay-per-view. Após longa negociação, as partes entraram em acordo apenas em maio de 2019. Para a Turner, foram os direitos de tevê fechada. Outros clubes que fecharam com a empresa reclamaram das condições privilegiadas para o Palmeiras. No fim das contas, a transmissão se divide assim: 
R$ 24 milhões pelo Campeonato Paulista; R$ 167 milhões pelo Campeonato Brasileiro; R$ 6 milhões pela Copa do Brasil; R$ 20 milhões pela Libertadores; e R$ 21 milhões em premiações por fases. Na área comercial, sem surpresa. Crefisa e Faculdade das Américas, somadas ao fornecimento de materiais esportivos da Puma, fizeram o Palmeiras ter a maior arrecadação com patrocínios do futebol brasileiro. Do total de receitas, 38,5% arrecadados com a TV, 20% com a torcida, e 17,5% com venda de jogadores, havendo um bom balanceamento de fontes.
Mesmo tendo encerrado o ano no azul, na diferença entre receitas e despesas, a dívida subiu em mais de R$ 80 milhões. E o pior é que parte relevante foi assumida para o curto prazo, com vencimento previsto para o decorrer de 2020. Empréstimos com a Crefisa aumentaram em R$ 30 milhões. No longo prazo, pois eles estão vinculados à venda de jogadores. A dívida só será cobrada depois que contratos de atletas terminarem – os que foram contratados com aportes da parceira nos últimos anos. Luvas e direitos de imagem a pagar aumentaram em R$ 58 milhões. A maior parte desta dívida também está classificada no longo prazo. Maurício Galiotte já admitiu publicamente que apostou alto em 2019, na expectativa de conquistar mais títulos, e que não teve sucesso na estratégia. Infelizmente para a torcida alviverde, houve quem investisse e gastasse ainda mais para tomar seu lugar no topo – no caso, o Flamengo.
Não dá para concluir que o Palmeiras está em crise. Ainda há dinheiro em caixa, ainda há grana para entrar pela venda de jogadores, e o elenco ainda contém peças que poderão ser vendidas, caso as coisas piorem. Na comparação com adversários diretos, está até "tranquilo". Mas chegou a hora de pagar toda a bonança dos últimos e vitoriosos anos. Difícil, agora, será a mudança de cultura. É muito fácil empolgar a torcida a comparecer no estádio pagando caro com um elenco repleto de reforços.

SÃO PAULO
O clube tem as piores dívidas em pelo menos duas décadas. O presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, assumiu riscos altos demais durante sua longa gestão. Contratou muitos jogadores, não ganhou nada e deixará cargo com o clube hiper-endividado. Quando contratou Daniel Alves e o espanhol Juanfran em questão de poucos dias, em agosto de 2019, a direção passou uma mensagem aos torcedores e ao mercado de que o clube, outrora soberano, estava vivíssimo. Tanto que podia reforçar o elenco com jogadores de renome mundial. Como pagar por essas e outras apostas arriscadas feitas pela diretoria são-paulina? Bem, planos de marketing seriam elaborados para atrair patrocinadores, o programa de associação dispararia em novas adesões, o Morumbi lotaria suas arquibancadas. Quase um ano depois, publicadas as demonstrações financeiras tricolores, os resultados referentes a 2019 são assustadores.
Nos Anos 2000, a diferença entre faturamento (tudo o que arrecada) e endividamento (tudo o que deve) sempre esteve por volta de 0,5. Em uma de suas piores crises de ordem financeira e moral, em 2014 e 2015 essa proporção virou para 1,2. Pois em 2019 essa relação entre receita e dívida chegou a 1,4. Melhor do que em muitos clubes no Brasil, sim, mas a pior já registrada pelo São Paulo nesse tempo todo.
As receitas caíram, principalmente pelo mau desempenho no 1º semestre, com a eliminação antes da Fase de Grupos da Libertadores. Nas receitas, os Direitos de Transmissão representam 37% do total, e a soma de Bilheteria e Sócios-Torcedores somam 20,5%. As receitas com vendas de jogadores representaram 26%. A linha de receitas que o São Paulo mais apostava para fechar suas contas - as vendas de jogadores - caiu muito.
O São Paulo, que tem dificuldades até para pagar seus custos do cotidiano, assumiu dívidas de curto prazo que somavam R$ 331 milhões em 31 de dezembro de 2019. Todo este montante tem vencimento inferior a um ano, portanto no decorrer de 2020. Nem precisaria ter havido pandemia de coronavírus e paralisação da economia para chegar a esta situação. A menos que o clube arrecadasse o dobro, a chance de pagar salários de jogadores, demais despesas e ainda todas as dívidas de curto prazo era nula. Inexistente. Impagável.

SANTOS
Com R$ 205 milhões contabilizados na transferência de jogadores, descontadas comissões de intermediários, mais da metade de todo o faturamento alvinegro na temporada está vinculada a esta fonte. Que não é recorrente. Pior ainda, as participações da área comercial (6%) e diretamente da torcida (9%) representam partes muito pequenas do faturamento. O Santos não consegue diversificar as entradas de dinheiro.
Na dívida, nada menos que R$ 191 milhões são devidos em curto prazo – com vencimento dentro do ano seguinte ao fechamento do balanço, portanto no decorrer de 2020. Arredondando números, como é possível que um clube de futebol com quase R$ 300 milhões em despesas e ainda R$ 190 milhões em dívidas de curto prazo consiga pagar tudo, quando as receitas recorrentes estão na casa dos R$ 180 milhões? Pois é. Impossível.
O presidente José Carlos Peres teve oportunidade única para dirigentes. Ao vender Rodrygo para o Real Madrid logo no início de sua administração, poderia ter usado o dinheiro para colocar as contas em ordem. R$ 172 milhões de uma vez não é para qualquer um. Não colocou.

VASCO
O presidente Alexandre Campello administra um clube que opera quase com a metade do que arrecada, porque a outra metade é consumida por dívidas. Se uma pessoa comum com três vezes mais dívidas do que renda pelo ano inteiro está em condição de desespero, não é muito diferente com um clube de futebol. E o Vasco está nessa situação.
Em 2019, houve um esforço colossal para triplicar a maioria das linhas de receita, contas apertadas para que houvesse superavit, e muita dedicação para que dívidas fossem reduzidas. Muitas das linhas de arrecadação precisam dobrar ou triplicar entre as temporadas. E o resultado em 2019 foi tímido, ainda que melhor do que nos anos anteriores. A torcida se mobilizou no segundo semestre (emocionalmente pressionada pelos títulos do Flamengo) e proporcionou mais de 150 mil adesões ao programa de sócios-torcedores. A campanha histórica cumpriu a previsão orçamentária com sobras. A área social saltou de R$ 12 milhões para R$ 36 milhões. Nas receitas, os Direitos de Transmissão ainda representam 57% do total, e a soma de Bilheteria e Sócios-Torcedores somam 26,5%.
Em 2019, a direção cruzmaltina previa uma redução na folha salarial do futebol profissional, por exemplo. Mas austeridade demais também pode prejudicar, à medida que o Vasco estaria ameaçado de um rebaixamento que lhe tiraria todas as receitas. No fim das contas, essa folha foi mantida em R$ 89 milhões na temporada – menor do que a maioria dos adversários diretos, no mesmo patamar do ano anterior. Campello manteve os demais custos sob controle. Só faltou a tal venda de um grande jogador. E então o resultado líquido, que precisaria ter sido de R$ 72 milhões positivos, acabou em R$ 5 milhões negativos.
Dentro do planejamento feito por Alexandre Campello para recuperar financeiramente o Vasco, tudo precisaria dar certo, o tempo todo, por muito tempo. E não foi necessário nem um ano a mais para mostrar que este processo, que levaria alguns bons anos, foi interrompido.



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