Artigo escrito por César Grafietti e publicado em 7 de abril de 2024 no site Inteligência Financeira, cuja íntegra original pode ser vista aqui. Segue o texto reproduzido:
Clube passou da fase de pagar contas do passado e está olhando para o presente e o futuro. Isso é uma mudança substancial!
Faturamento cresce mais de R$ 1 bilhão, enquanto a dívida do Flamengo permanece estável, mas com outra característica. Sem grandes surpresas, é certamente uma das três melhores estruturas econômico-financeiras do futebol brasileiro, se não a melhor. Receita elevada, boas margens, endividamento controlado.
Nesta coluna não analisarei os números do clube, cujo trabalho será feito no Relatório Convocados de 2024. O objetivo aqui é tratar de um tema que foi muito abordado ao longo da semana passada: a evolução das dívidas.
Dívida do Flamengo
É muito comum ouvirmos aqui e ali que o Flamengo pagou mais de R$ 1 bilhão em dívidas desde 2013. Usam cálculos incomuns e malabarismos para mostrar um esforço hercúleo e uma saúde financeira que está mais para click bait que realidade.
Não foi tudo isso, mas foi enorme o tamanho do esforço feito.
Primeiro, vamos tratar de definir as dívidas.
É muito comum fazerem contas usando todo o passivo do clube e deduzindo os ativos, ou outros cálculos. É questão de critério.
Meu critério usa como referência de dívidas os passivos que precisam ser pagos em dinheiro e que interferem o caixa do clube.
Nesse sentido, excluo dos cálculos as Antecipações que representam apenas o registro de luvas e as Provisões para Contingências, que são registro de potenciais problemas.
No caso das antecipações, há dois tipos: a que citei acima, e as antecipações efetivas de direitos de TV, contratos publicitários.
Essas deveriam ser consideradas, pois significarão menos receitas no futuro. O dinheiro não sai do caixa, mas também não entrar. Estas estão incluídas nos cálculos.
Inflação X dívidas
Outra coisa importante: não se corrige dívidas pela inflação para fins de cálculos temporais.
A correção da dívida é composta por juros mais a correção monetária do período, geralmente ligada à Selic . Se o clube devia 100 em 2013, e só pagou juros anuais até 2023, então ele continua devendo 100. Se corrigirmos os 100 de 2013 pelo IPCA, haverá a sensação de que a dívida diminui de algo como 175 para 100, e não é verdade. A dívida continua exatamente a mesma.
Evolução das dívidas do Flamengo
Como se faz, então?
Somam-se as despesas financeiras do período à parcela paga da dívida. E apenas as despesas financeiras caixa, e não as que representam correção de parcela de longo prazo.
Não é tão simples, mas é o correto.
Vamos, então, à evolução da dívida do Flamengo.
Aqui temos a primeira surpresa: a dívida não caiu quando comparamos 2013 a 2023.
Mas note que ela sofre uma redução relevante até 2017, quando volta a subir.
Estamos falando de dívida bruta, sem redução pelo valor que o clube carrega em caixa.
Se incluirmos o caixa, a conta fica a seguinte:
Qual é o segredo das dívidas do Flamengo?
De fato, o grande segredo do Flamengo está em manter uma posição de caixa elevada, acima dos R$ 200 milhões.
Isso lhe permite um enorme respiro do ponto-de-vista de gestão do fluxo de caixa.
Então, se a dívida bruta entre 2013 e 2023 aumentou 7%, a dívida líquida caiu 30% no período, puxada pela forte posição de caixa.
Mas quer dizer que a dívida então não foi paga?
Calma. Vamos analisá-la sob a ótica do perfil, e isso é muito importante.
Lá em 2013, 62% das dívidas do Flamengo eram com impostos e acordos trabalhistas diversos.
Ou seja, dívida formada no passado que consumia caixa e esforço de pagamento no presente, sem qualquer tipo de benefício de longo prazo.
Esse percentual caiu para 29% em 2023, com redução de R$ 377 milhões para R$ 188 milhões, alongado para cerca de 10 anos e com custo baixo.
Agora, note a parte vermelha do gráfico acima, que são as dívidas com fornecedores e outros clubes, referentes à contratação de atletas. Ela sai de R$ 39 milhões em 2013 (6%) para R$ 314 milhões em 2023 (49%).
Ou seja, dívida feita agora, para reforçar elenco e de efeito imediato. O clube passou da fase de pagar contas do passado e está olhando para o presente e o futuro. Isso é uma mudança substancial.
Este novo perfil significou um volume relevante de pagamento de dívidas no período.
Pagamento de dívidas do Flamengo
Aqui eu separei o movimento de pagamento das dívidas fiscais e trabalhistas. O clube pagou ao longo do período R$ 269 milhões.
Além disso, por conta de adesão ao Profut e outros programas de renegociação de passivos, conseguiu R$ 137 milhões em descontos de juros e multas – antes que falem algo, todos os clubes que aderiram a esses programas tiveram o mesmo benefício – e pagou R$ 169 milhões em despesas financeiras.
Estamos falando que, no total, entre reduções e pagamentos de principal e juros, foram R$ 575 milhões no período, sendo que R$ 438 milhões saíram efetivamente do caixa do clube.
Está longe de ser pouco dinheiro.
Se somarmos a diferença entre o pico de dívida com empréstimos – R$ 160 milhões em 2015 – e o valor atual – zero! – podemos incluir mais este valor na conta, de forma que o total de pagamentos feitos subiria para R$ 598 milhões.
E como isso foi possível? Com aumento de receitas. Veja o gráfico abaixo.
Relação entre dívida e receita
O faturamento cresce mais de R$ 1 bilhão em termos nominais, enquanto a dívida permanece estável, mas com outra característica.
E ainda tem o caixa, que sai de menos de R$ 20 milhões para mais de R$ 230 milhões. O que permitiu a mudança de perfil de dívida, o pagamento de quase R$ 600 milhões, a troca de passivos caros por passivos de baixo custo, foi justamente a capacidade de gerar receitas.
Trouxeram aos clubes vendedores mais conforto na hora de negociar um atleta para pagamento a prazo.
O segredo do Flamengo
O resumo dessa conversa toda é simples: o Flamengo pagou R$ 600 milhões em dívidas caras, mas manteve o total de dívida bruta inalterado no período.
Entretanto, o perfil é saudável: trocou dividas do passado por dívidas que representam o presente e o futuro, além de serem mais baratas.
O segredo está no crescimento das receitas, a ponto de clube conseguir formar um colchão de caixa que lhe dá o conforto suficiente para gerias as oscilações estruturais de fluxo de caixa.
E a dívida atual é totalmente compatível com a capacidade de pagamento, o que não acontecia lá em 2013.
Enquanto clubes como Atlético-MG, Corinthians e São Paulo aumentaram suas dívidas acima dos R$ 600 milhões, o Flamengo tirou um peso semelhante das costas.
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