sábado, 31 de maio de 2025

Grandes Zebras: a derrota do Flamengo para o Botafogo da Paraíba em 1980


A campanha do Flamengo em sua trajetória para ser Campeão Brasileiro de 1980 teve um capítulo especial no Maracanã. Na 1ª Fase a campanha começou com duas vitórias, sobre o Santos no Morumbi, em São Paulo, e sobre o Internacional no Maracanã. Assim, quando o Flamengo entrou em campo pela 3ª rodada para enfrentar ao Botafogo da Paraíba, todos esperavam uma vitória protocolar. Não foi o que aconteceu. Uma "zebra" gigante se materializou no Maracanã naquela noite. Dali em diante, ainda pela 1º Fase, não perderia mais, vencendo o Mixto em Cuiabá, ao Ferroviário, do Ceará, no Maracanã, empatando com o Náutico no Arruda, em Recife, goleando ao Itabaiana, de Sergipe, no Maracanã, e obtendo dois empates nas duas últimas rodadas, contra o gaúcho São Paulo, na cidade de Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul, e com a Ponte Preta no Maracanã. Avançou para a 2ª Fase, caindo num grupo no qual não foi derrotado, venceu ao Bangu duas vezes, contra o Santa Cruz, empatou em Recife e venceu no Maracanã, e contra o Palmeiras goleou por 6 a 2 no Maracanã e empatou no Morumbi. Na 3ª Fase, num grupo de quatro em jogos únicos, com só o primeiro colocado avançando para a semifinal, voltou a empatar com a Ponte Preta, e venceu à Desportiva, do Espírito Santo, e novamente ao Santos. Na semi-final, bateu duas vezes ao Coritiba. Assim, chegou para a disputa da final, contra o Atlético Mineiro, com uma campanha de 20 jogos disputados, com 13 vitórias, 6 empates e apenas 1 derrota, para o Botafogo da Paraíba em pleno Maracanã! Na final, a melhor campanha lhe dava a vantagem de dois resultados iguais. Perdeu o primeiro jogo por 1 a 0 para o Galo no Mineirão. No segundo jogo, o empate acontecia até os 37 minutos do 2º tempo, que ia dando o título ao Atlético, quando Nunes, em jogada individual, decretou a vitória rubro-negra e o primeiro título nacional da história do clube!

Quando o dia 6 de março de 1980 ia chegando ao fim no Rio de Janeiro, os jogadores que vestiam a camisa do Botafogo da Paraíba naquela época sabiam que estavam entrando definitivamente para a história do clube. Mais que isso, para a história do futebol paraibano. Aquele time  - um esquadrão em preto e branco - acabara de realizar uma façanha! Contra todos os prognósticos, vencera o Flamengo em pleno Maracanã. Mas não um Flamengo qualquer. Era o Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Andrade, Carpegiani. Um time que conquistaria o Brasil naquela mesma temporada e que apenas um ano depois seria campeão do mundo. O Botafogo-PB fez história naquela noite carioca, no maior palco do futebol mundial! A vitória por 2 a 1 confirmava o quanto o futebol é imponderável. Mostrava a força do futebol nordestino. Colocava para sempre aquele time da estrela vermelha nos anais do futebol paraibano. 

Caiçara, técnico da equipe paraibana daquele feito histórico, refletia sobre o passado anos depois: "Por que é que eu vou mudar a maneira de o meu time jogar? Só porque vou enfrentar o Flamengo?". O Botafogo é o maior vencedor de Estaduais da história da Paraíba. Também se tornou o primeiro clube paraibano a levantar a taça de uma competição nacional, quando foi Campeão da Série D do Campeonato Brasileiro em 2013. Ainda assim, a vitória no Maracanã está até hoje no rol das grandes glórias do clube e se equipara a suas maiores conquistas! A ponto de jamais ter sido esquecida pelos seus torcedores.

Os jogadores daquele time foram tratados para sempre como ídolos pela torcida botafoguense. As décadas se passaram, mas Nicácio, Zé Eduardo, Soares, Magno, Getúlio - jogadores de destaque daquela formação comandada pelo técnico Caiçara - sempre foram festejados como escritores de um dos principais capítulos da história do clube de João Pessoa.



E os 2 a 1 fizeram estragos. A ponto de Zico - eterno ídolo do Flamengo e um dos maiores jogadores do futebol mundial - admitir que a derrota para o Botafogo-PB foi o único resultado que lhe ficou "atravessado" na campanha vitoriosa do Rubro-Negro em 1980.

Foi o ponto alto da uma bela campanha do Botafogo naquela edição do Campeonato Brasileiro

Superar a força do Flamengo no Maracanã não foi a única demonstração da grandeza daquele Botafogo-PB. Considerada uma das zebras na Taça Brasil de 1980 - como era chamado na época o torneio que equivalia à Série A do Campeonato Brasileiro -, o Belo também bateu o Internacional e empatou com o Cruzeiro. Ganhou o apelido de Matador de Tricampeões, já que o Flamengo e o Colorado vinham de três títulos seguidos em seus estados. Foi, portanto, um ano sublime para o clube paraibano. Inesquecível para todo o futebol paraibano.

O Alvinegro da Estrela Vermelha encarou na primeira fase um grupo que ainda tinha Santos, Ponte Preta, Náutico, Ferroviário, Itabaiana, Mixto e o gaúcho São Paulo de Rio Grande, além de Flamengo e Inter. E se classificou. Foi terceiro colocado da chave, com 11 pontos (naquela época, a vitória valia dois pontos). Conseguiu cinco vitórias e um empate, perdendo apenas três partidas. Só foi superado por Santos e Flamengo, nesta ordem.

A partida contra o time de Zico e companhia foi a terceira do Belo naquele Brasileiro. O Alvinegro vinha de uma excelente vitória, contra o Náutico, também fora de casa, no Estádio dos Aflitos. O Flamengo, por sua vez, estava montando o maior time da sua história e já tinha vários jogadores que conquistariam o Mundial no Japão no ano seguinte. Era grande, portanto. Um gigante. E não se esperava que um time da Paraíba - dono de um futebol sabidamente menos desenvolvido - pudesse lhe fazer frente. Mas aquele também não era um Botafogo da Paraíba qualquer.

O time paraibano naquele jogo tinha Hélio no gol, Geraílton e Deca na zaga, Marquinhos e Nonato Aires nas laterais. Nicácio era um falso volante, mas que sabia sair jogando com maestria. À sua frente, o habilidoso meia Zé Eduardo. E na linha ofensiva, um quarteto de respeito: Evilásio, Magno, Soares e Getúlio.

Do lado rubro-negro, Raul defendia o gol, protegido pelos zagueiros Rondinelli (o "Deus da Raça") e Nélson. Nas laterais, jogavam Júnior e Carlos Alberto. O meio de campo era um dos melhores da história rubro-negra: Andrade no centro, Adílio e Tita de um lado, Zico e Carpegiani do outro. Na frente, Reinaldo.

Era noite de quinta-feira, e 25.496 torcedores estavam a postos nas arquibancadas do Maracanã. Uma semana antes, o Flamengo havia vencido o Internacional naquele mesmo palco. E o clima era completamente favorável ao time rubro-negro. Por jogar em casa. Por ter o apoio da torcida. Por ter um time tecnicamente melhor. E - por que não dizer? - porque do outro lado estava o Botafogo da Paraíba, um time de investime4nto infinitamente inferior.

O Flamengo foi a campo com um meio de campo recheado de craques, que se revezavam em suas posições e avançavam com velocidade e precisão de passes para municiar o atacante Reinaldo, isolado na frente. De seu lado, o Botafogo surpreendeu já na escalação do técnico Caiçara. Com apenas um volante, Nicácio - mas que sabia sair para o jogo -, o Belo tinha quatro homens ofensivos. Dava a entender que jogaria sem medo, portanto. Os craques rubro-negros tocavam a bola. Exibiam sua técnica. Não abdicavam de ir à frente, tentar o gol. No entanto, encontravam um Botafogo aplicado na marcação. E que também sabia tocar a bola.

O fato de não conseguirem, de início, balançar as redes adversárias, não parecia fazer os flamenguistas acharem que tinham um problema. Antes, a impressão que se tinha era de que a vitória poderia vir a qualquer momento. Naturalmente. A realidade, contudo, se mostrou diferente. Terminado o primeiro tempo sem que as redes tivessem sido balançadas. Havia muito a acontecer nos últimos 45 minutos.

Na volta do intervalo, o Botafogo-PB só precisou de quatro minutos para começar a desenhar uma das mais inesquecíveis vitórias da sua história e uma da maiores zebras daquele Brasileiro. E usando uma jogada que era a principal arma do time: o contra-ataque veloz. O ponta-direita Getúlio, sabendo que Júnior apoiava muito ao ataque, soube se aproveitar. E foi por aquele lado que saiu o gol. Nicácio desarmou Zico e lançou para Evilásio na direita, que tocou para Soares. De primeira, o atacante mandou para as redes. No canto esquerdo de Raul, que ficou sem ação. Era o primeiro gol do jogo. A primeira visita do imponderável à partida. Ainda assim, o ar de confiança entre os flamenguistas - em campo e nas arquibancadas - não parecia se abalar.

Depois de abrir o placar, o Botafogo recuou. Não por adotar uma postura mais covarde em campo, mas porque o Flamengo partiu para cima. Pressionou. Queria o gol. Buscava ordenar a lógica do futebol em campo. E o sufoco que o Rubro-Negro imprimiu surtiu efeito aos 19 minutos. Carlos Henrique, que entrara em lugar de Júnior, fez boa jogada individual pela esquerda, invadiu a área e cruzou na medida para Tita pegar de esquerda, também de primeira, e vencer o goleiro Hélio. Empate. E mais pressão. Quando o Flamengo fez o "1 a 1", a torcida achou que o time iria virar o jogo, enquanto o time do Belo tentava a todo custo manter a calma dentro de campo.

A torcida do Flamengo inflamou nas arquibancadas. Empurrava o time à força de berros para cima do Botafogo. A bola teria que entrar. Parecia não fazer sentido que o rubro-negro não vencesse. Mas o Belo não se deixava abater pelos gritos que inundavam o gramado. Parecia conhecer a sua missão de distorcer a lógica dos fatos. E trataria de dar cabo à sua missão.

Sufocado que estava pelo Flamengo, principalmente depois de sofrer o gol de empate, restou ao Botafogo tentar a perfeição em pelo menos um dos contra-ataques. Ser decisivo. Letal. E o time paraibano conseguiu isso aos 36 minutos. Foi quando, numa subida rápida à frente, Magno encontrou Zé Eduardo de frente para o gol de Raul, mas ainda fora da área. Com espaço, Zé Eduardo apenas ajeitou e, de perna direta, chutou forte, rasteiro, no canto direito de Raul.

Era a materialização da confiança dos botafoguenses. A consumação do improvável. Restava pouco até o fim da partida. O time alvinegro apenas mostrava para si mesmo - e para quem quisesse ver - que era forte o suficiente para surpreender. A equipe rubro-negra parecia atônita. Meio perdida. Mas conformada que, se antes de a bola rolar, havia um desequilíbrio entre os dois times, dentro das quatro linhas as forças se igualaram. Cada uma à sua maneira. O Flamengo forte, indo para cima, buscando o gol. O Botafogo consciente de suas limitações, mas, mais ainda, sabedor da sua capacidade.


Nicácio relembra os momentos finais do jogo: "Quando o Botafogo fez o segundo gol, que a gente começou a tocar a bola, eles ficavam olhando uns para os outros. E não existiu dentro do Flamengo uma cobrança de xingamento entre eles. Eles simplesmente foram aceitando a derrota. E depois de 42, 43 minutos, a gente começou a tocar a bola e colocou o Flamengo na roda por dois ou três minutos, valorizando a posse da bola... “Como perder para esse time?”, certamente isto passava pela cabeça deles. Mas, quando abriram os olhos, não deu mais tempo porque o final do jogo já estava muito próximo".

A festa que não acabou... Ao fim da partida, estava sacramentado ali um capítulo à parte na história do Botafogo da Paraíba. As expressões de incredulidade nos rostos flamenguistas contrastavam com a felicidade botafoguense. E um paraibano em particular fazia festa no Maracanã. Narrador esportivo da Rádio Tabajara, Eudes Moacir Toscano esteve em uma das cabines de imprensa do estádio e teve a honra de contar a história daquele jogo aos paraibanos. Confesso torcedor do Flamengo, ele admite que naquela noite em especial torceu para o Belo e foi mais um a festejar o feito: "Nunca fui torcedor do Botafogo. Sou Flamengo do Rio. Mas naquele dia eu fui narrador e torcedor do Botafogo porque era a minha terra que estava no Maracanã representado pelo Botafogo. Aquela vitória foi uma coisa que ficou marcada na minha vida".

Depois da proeza conquistada em terras cariocas, o Botafogo-PB foi recebido com festa em João Pessoa. Os jogadores ovacionados como heróis. A edição do jornal A União, da capital paraibana, no dia seguinte ao jogo, estampou em sua capa: "Botafogo vence o Maracanã". E um dia depois, em um caderno especial, apresentou a comoção que foi a chegada da delegação alvinegra à cidade. Os torcedores congestionaram o trânsito e acompanharam o desfile em carro aberto daquele que ficou marcado com uma das maiores formações da história do Belo.

Do alto da sua humildade, o Botafogo-PB conseguiu ser maior que o Flamengo. Ao menos por 90 minutos. E no Maracanã. E isso lhe rendeu algo talvez impensado por qualquer botafoguense à época. O Belo foi reverenciado pelo rei dos flamenguistas. Indiscutivelmente o maior ídolo da história rubro-negra, Zico nunca esqueceu aquele jogo, mas sempre manteve a mesma opinião da época: "o Alvinegro foi melhor e mereceu vencer". Ele vai além. Para o Galinho, a derrota foi uma verdadeira lição de humildade, essencial para que o Flamengo chegasse ao título brasileiro meses depois, o 1º da história do Flamengo.




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