sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O Maior Traidor da História do Clube de Regatas do Flamengo


A primeira vez de Ronaldo treinando com uniforme do Flamengo remonta a 1997. Alguns anos antes, na Europa, ele já havia dado uma declaração na Europa de que jogaria no Flamengo, fato que gerou uma capa no Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro (o jornal de folhas cor de rosa) com uma montagem do jogador comemorando um gol usando o Manto Sagrado.

O sonho foi alimentado durante o sol de inverno carioca, sob medida para um espetáculo. Era julho de 1997, e o gramado do Estádio da Gávea, onde o Flamengo treinava transformou-se numa arena improvisada para ver o improvável: Ronaldo e Romário treinando lado a lado. De um lado, o Fenômeno de 20 anos, eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA meses antes, astro da Internazionale de Milão e orgulho do futebol brasileiro após a Copa de 1994. Do outro, o Baixinho, ídolo rubro-negro, artilheiro incorrigível e campeão do mundo, dono da bola, da camisa 11 e da última palavra. Nos dias anteriores, Ronaldo já vinha usando a academia do clube para exercícios de recuperação de uma lesão, sempre com o uniforme vermelho, preto, branco e amarelo confeccionado pela Umbro como uniforme de treino rubro-negro naqueles dias.


O Flamengo vivia um períodos altamente midiáticos, ainda mais do que o normal: Romário era o centro de tudo, e o clube, em crise financeira, continuava fervendo em popularidade. Quando Ronaldo, de férias no Brasil, pediu para manter a forma treinando com o grupo, a diretoria não hesitou. O convite virou manchete instantânea: "Romário e Ronaldo juntos!". Ronaldo, com seu físico de velocista e dribles elásticos, parecia querer provar que o novo rei do futebol mundial também reinava em casa. Romário, sempre provocador, ria, ironizava e respondia com gols secos e toques de gênio: "Se eu tivesse o corpo dele e ele tivesse a minha cabeça, ninguém parava a gente", disse Romário a um repórter da Revista Placar após um coletivo... "Mas aqui no Flamengo, ele ia ter que correr por mim".

No fim de julho, o coletivo corria solto. Ronaldo tentava mais uma de suas arrancadas típicas: corpo inclinado, bola colada ao pé direito, dois toques e o zagueiro no chão. Ao tentar mudar de direção, o pé afundou em um desnível do gramado. O craque caiu, levou as mãos ao tornozelo e ficou imóvel. Deixou o campo mancando, auxiliado por dois funcionários. A cena, registrada por câmeras de TV, foi transmitida nos principais telejornais. Em poucas horas, o telefone do CT não parava: jornalistas italianos, dirigentes da Internazionale, e até o agente do jogador, Giovanni Branchini, queriam saber o que havia acontecido.

Na manhã seguinte, os jornais de Milão traziam o susto em letras garrafais: "Ronaldo si fa male in Brasile!" (Ronaldo se machuca no Brasil). O técnico Luigi Simoni, recém-chegado à Inter, não escondeu a irritação: "Ronaldo é jovem e às vezes esquece que o corpo dele é o bem mais precioso do clube. Ele precisa entender que férias não significam jogar em qualquer campo". A Inter imediatamente proibiu novos treinos no Flamengo e enviou um médico para avaliar o jogador. O diagnóstico, felizmente, trouxe alívio: entorse leve no tornozelo direito, o tratamento exigiria apenas duas semanas de fisioterapia e repouso.

A dupla não se veria mais com tanta frequência, mas o curto convívio deixara uma marca: duas gerações do futebol brasileiro, uma que encerrava o ciclo e outra que começava a dominar o mundo, se cruzaram em um campo simples, em meio a risadas, provocações e uma torção que virou parte do folclore. A breve convivência de Romário e Ronaldo acendeu um sonho impossível. Nas arquibancadas da Gávea, torcedores fantasiavam o "ataque dos sonhos" vestindo rubro-negro. O marketing do clube, sempre atento, até sondou patrocinadores para imaginar um projeto "R&R no Flamengo". Mas a realidade era dura: Ronaldo pertencia à Internazionale, valia dezenas de milhões de dólares — uma cifra inalcançável para o clube. A "dupla dos sonhos" ficaria restrita aos amistosos de treino e às memórias.



O sonho nunca foi realizado, mas de tempos em tempos era realimentado. Ronaldo sofreu lesão grave, ficou longo tempo parado, brilhou na Copa do Mundo de 2002, campeão do mundo, migrou para o Real Madrid, para ser parte do time dos Galácticos. O elo com o Flamengo voltou a ser lembrado com ênfase depois do episódio envolvendo Ronaldo Nazário e três travestis que ocorreu na madrugada de 27 de abril de 2008, em um motel na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Ronaldo — que jogava pelo Milan e se recuperando de uma grave lesão no joelho — teria conhecido as travestis em uma boate e seguido para o motel. Lá, segundo as versões da época, houve um desentendimento quando ele percebeu que se tratava de travestis e quis encerrar o encontro. Tentou-se extorqui-lo, alegando que ele não queria pagar o combinado e ameaçando divulgar vídeos e fotos. O caso ganhou enorme repercussão na mídia brasileira e internacional, mas não resultou em acusações criminais contra Ronaldo, que registrou boletim de ocorrência por tentativa de extorsão.

Em meio ao turbilhão de notícias negativas, ele estreitou seus laços com a torcida do Flamengo. Compareceu à arquibancada do Maracanã trajando camisa rubro-negra, para ser ovacionado pela torcida do Flamengo. Compareceu à cerimônia na qual registrou seus pés no Museu do Maracanã ao lado do filho, todos com camisa do Flamengo. 


No fim de 2008, depois de um ano inteiro lidando com cirurgias, fisioterapia e incerteza, Ronaldo, o maior atacante de sua geração, apareceu de volta ao Brasil com um objetivo simples e monumental: voltar a andar sem dor — e, quem sabe, voltar a jogar futebol. O local escolhido para essa reconstrução não poderia ser mais simbólico: o Flamengo, clube do coração, palco dos ídolos da infância do craque.

Em 13 de fevereiro de 2008, durante uma partida entre Milan e Livorno, Ronaldo havia caído sozinho no gramado do San Siro, gritando de dor. O diagnóstico foi devastador: ruptura completa do tendão patelar do joelho esquerdo — a mesma lesão sofrida no joelho direito em 2000. Aos 31 anos, e com um histórico cirúrgico pesado, o mundo temia o pior: que o Fenômeno jamais voltasse a jogar. A cirurgia, realizada em Paris pelo médico Gérard Saillant (o mesmo que o operara anos antes), foi bem-sucedida, mas o prognóstico era reservado. Ronaldo iniciou um longo e silencioso processo de recuperação, afastado dos gramados e da mídia europeia. Em julho, ainda mancando, decidiu voltar ao Brasil — e escolheu ao Flamengo como refúgio.

O primeiro dia de treino daquela passagem de Ronaldo pelo clube, em novembro de 2008, foi tratado como um evento histórico, pois para os torcedores rubro-negros era o início de uma relação que convergiria na assinatura de um contrato dali a alguns meses. Câmeras de televisão, helicópteros e dezenas de repórteres cercaram as instalações. Ele chegou discretamente, acompanhado do fisioterapeuta Bruno Mazziotti e do preparador físico Alexandre Kalil, dando início a uma rotina de reabilitação planejada para durar meses.

"Aqui é minha casa", disse Ronaldo aos jornalistas, sorrindo com a serenidade de quem sabia que o caminho seria longo. O Flamengo, então presidido por Márcio Braga, abriu as portas com entusiasmo. A ideia, desde o início, era mútua: o clube oferecia estrutura médica e privacidade; Ronaldo, em troca, elevava a visibilidade do clube rubro-negro em escala mundial. Durante semanas, ele se limitou a sessões de fisioterapia e leves exercícios de musculação. A imprensa registrava cada avanço: o dia em que correu pela primeira vez, o dia em que chutou uma bola, o dia em que treinou com o grupo. Para os torcedores, o simples fato de ver o camisa 9 novamente em campo, mesmo de colete e calça térmica, reacendia uma chama antiga: a de vê-lo vestindo o manto rubro-negro em um jogo oficial.




Com o passar das semanas, o rumor ganhou corpo: Ronaldo poderia assinar com o Flamengo. O próprio clube alimentava a esperança. Dirigentes falavam em um "projeto de retomada da carreira", patrocinadores se mostravam interessados, e o então técnico Caio Júnior chegou a dizer em coletiva: "Se ele quiser, a camisa 9 é dele. Ninguém aqui duvida que Ronaldo ainda pode fazer história".

A cidade do Rio de Janeiro viveu uma espécie de encantamento. Nos treinos, centenas de torcedores se aglomeravam do lado de fora do campo gritando "O Fenômeno é da Nação!". A diretoria via no retorno uma oportunidade esportiva e simbólica: unir o maior jogador brasileiro da era pós-Romário ao clube de maior torcida do país. Mas enquanto o clima no Rio era de euforia, em São Paulo, um velho conhecido observava de perto os movimentos. Nos bastidores, Andrés Sanchez, presidente do Corinthians, acompanhava a recuperação de Ronaldo com interesse. O clube paulista havia acabado de conquistar o acesso à Série A após o trauma do rebaixamento de 2007 e buscava um nome que simbolizasse renascimento. Ronaldo, ainda sem contrato, era a aposta perfeita.

As primeiras conversas começaram discretamente, em novembro. O agente Fabiano Farah manteve contato com a diretoria corintiana, enquanto Ronaldo continuava treinando no Flamengo — oficialmente como hóspede, não como atleta. Quando o Flamengo finalmente tentou formalizar uma proposta, esbarrou em obstáculos: o clube não tinha condições financeiras para bancar o salário e o seguro médico exigidos. Ronaldo, por sua vez, sentia gratidão, mas não amadorismo. A proposta do Corinthians, estruturada com patrocínios da Nike e do Banco Panamericano, parecia mais sólida. "O Flamengo me acolheu, mas o Corinthians me apresentou um projeto", diria ele meses depois.

Em 9 de dezembro de 2008, a notícia explodiu como uma bomba: Ronaldo assinara com o Corinthians. O anúncio pegou o Flamengo de surpresa e deixou a sua torcida em choque. Nas ruas do Rio, torcedores sentiram-se traídos. Faixas com "Ronaldo, ingrato!" apareceram nos muros da Gávea. O presidente Márcio Braga desabafou: "Ele usou a estrutura do Flamengo para se recuperar e depois fechou com outro clube. Foi uma decepção". Ronaldo tentou amenizar o impacto, explicando que não havia contrato formal e que sua gratidão ao Flamengo permanecia intacta. Ainda assim, a narrativa estava feita: o ídolo de infância havia escolhido outro caminho — e isso feriu o orgulho de parte da torcida rubro-negra.

No meio do processo, fatores econômicos ligados à fornecedora de material esportivo. Ronaldo era o garoto propaganda da marca norte-americana Nike. A marca era a fornecedora de material esportivo em 2008 tanto de Flamengo como de Corinthians, mas a relação com o clube rubro-negro não andava boa. Tanto que naquela temporada de 2009, o clube trocou de fornecedora, não renovando seu contrato com a Nike e trocando-a pela marca brasileira Olympikus.

Em 2009, poucos meses depois da polêmica, Ronaldo estreou pelo Corinthians com atuações de gala. Marcou gols decisivos, conquistou o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. O mesmo corpo desacreditado se tornava símbolo de superação mais uma vez. Enquanto isso, no Flamengo, o sentimento era misto. Muitos ainda o consideravam "um dos nossos", enquanto outros jamais perdoaram o que chamaram de "traição de bastidor". O próprio Ronaldo, em entrevistas posteriores, reconheceu o peso emocional da decisão. A resposta rubro-negra foidada dentro de campo: o Flamengo foi o Campeão Brasileiro de 2009 e eliminou ao Corinthians nas oitavas de final da Copa Libertadores da América de 2010, ambas as vezes com Ronaldo em campo vestindo a camisa 9.

A maior traição, no entanto, ainda estava por se materializar. Em 6 de julho de 2009, Ronaldo foi o convidado do programa "Bem, Amigos!", do canal de televisão fechada SporTV. Naquela segunda-feira, Ronaldo afirmou no programa que não acreditava que as pesquisas que apontavam o Flamengo como a torcida com maior número de torcedores do Brasil estejam corretas. Ele disse que tinha aprendido em São Paulo que estas pesquisas consideravam pessoas de outros estados que declaravam o Flamengo como segundo time do coração. Ou seja: há quem torça para time local, mas também afirme gostar do Flamengo ou o vê de forma simpática, e isso inflaria o tamanho da torcida declarada. Também mencionou que, embora tenha sido flamenguista desde pequeno ("sempre fui flamenguista desde criança, sempre fui ao estádio ver o Fla no Maracanã"), ele agora está no Corinthians, e ao observar esse novo ambiente viu essas discordâncias nas pesquisas. A declaração gerou grande repercussão negativa entre torcedores do Flamengo. A torcida organizada "Raça Rubro-Negra" divulgou uma carta aberta repudiando as falas de Ronaldo.

Suas palavras literalmente ditas: "Eu sou flamenguista desde criança, sempre fui ao estádio ver o Fla no Maracanã. Só que agora eu tô no Corinthians. O que aprendi aqui é que essa pesquisa de que o Flamengo tem a maior torcida do Brasil não é certa. Não é uma pesquisa correta. Porque pegam torcedores de outros estados, que sempre falam Flamengo como segundo time".

Vendido! Por dinheiro, Ronaldo lançou oficialmente a campanha "A Torcida do Flamengo é Terceirizada", que a partir deste dia se tornou um bordão na boca de várias torcidas adversárias. Uma estratégia cujo único real objetivo era fazer do Corinthians uma torcida de grandeza nacional maior do que a do Flamengo. O ingrato e traíra se sujeitou a isto! É ou não é o maior traidor da história do Clube de Regatas do Flamengo??

Presidente do Flamengo em 2008, Márcio Braga deu forte e sincera entrevista ao canal "Antenados na Jogada" em abril de 2025. Por suas palavras: "Ele (Ronaldo) ligou para mim... esse Ronaldo, mentiroso, filha da puta, ele ligou para mim: ‘Presidente, o Corinthians me quer, mas não vou, sou Flamengo e quero ficar aqui’. Falei: ‘Ué, então vamos assinar o contrato’. Dois dias depois, ele estava no Corinthians. Tão simples quanto isso… Falso, ele é Flamengo falso", disse o ex-presidente.

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