quarta-feira, 26 de março de 2014

Vitória do Novo Modelo de Gestão do Flamengo

Três matérias bem legais do Fábio Balassiano, no Blog Bala na Cesta, sobre a Final da Liga das Américas:

Aos 43 anos, José Neto conseguia sorrir no sábado à noite depois de conquistar a Liga das Américas depois de bater o Pinheiros por 85-78. O técnico, que chegou ao Flamengo no começo da temporada 2012/2013 e que só conhece vitórias e títulos no rubro-negro (foi campeão do NBB passado e tem, também, dois estaduais no currículo), conversou com o blog depois do título e falou sobre o troféu continental, o Mundial e os problemas de salário que este grupo conseguiu superar.
BALA NA CESTA: Qual foi a chave da conquista do Flamengo na Liga das Américas?
JOSÉ NETO: Acho que foi ter conseguido controlar a ansiedade, controlar os nervos. Tínhamos duas decisões, dois jogos decisivos e fomos muito bem neste sentido. Esta é uma competição traiçoeira. Até o ano passado o Final Four era ponto corrido, três jogos, havia uma chance de erro. No de 2014, não. Era ganhar ou ganhar duas decisões. E conseguimos.

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BNC: E o que você sentiu naquele momento final, quando o Laprovittola escorregou e o Pinheiros teve duas chances de empatar o jogo com as bolas de três pontos? Você quase teve um treco ali…
NETO: (Risos) É. A gente perdeu a bola, e é por isso que falei em controle emocional, na importância disso. Na hora eu só pensava que tínhamos que defender, que tínhamos que marcar. O Pinheiros tem um poderio ofensivo muito grande, uma força imensa no ataque. Naquele lance final eu só pensava nisso. Conseguimos defender bem naquele momento e no jogo como um todo. Por isso saímos com o título.

BNC: O que passou pela sua cabeça quando você viu o Maracanazinho lotado hoje?
NETO: Na HSBC Arena foi assim na final do NBB5. Mas o Maracanazinho é diferente, é um palco diferente. Tem mais a chama do basquete por tudo o que aconteceu com o basquete. Na hora que entramos hoje (no sábado) o ginásio lotado, esse clima… precisávamos dessa vitória. Tem vezes que precisamos buscar uma motivação externa ao jogo. E a torcida é uma dessas coisas. E eu queria muito essa vitória pois em casa eu tenho um grande exemplo de vitória, de superação de problemas. É pra ela, minha esposa Elis, inclusive, que eu dedico essa conquista.

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BNC: Seu time tinha perdido duas vezes para o Pinheiros no NBB. Como fazer para essa informação não entrar na cabeça dos jogadores antes da final?
NETO: Primeiro é não tocar nesse assunto com eles. Do mesmo jeito que eu peço pra eles não pensarem nas vitórias, eu peço que eles apaguem as derrotas da cabeça. Foi isso que fez com que chegássemos onde chegamos. Não podemos ficar remoendo derrotas, independente dos adversários. Na Liga das Américas, não sei se alguém se deu conta, mas fomos campeões invictos. Não dá pra pensar em derrota em uma situação dessa.

BNC: Essa equipe já chegou ao auge? No que ela pode melhorar?
NETO: Nada, que auge nada. Eu sempre acho que podemos e devemos melhorar. Tem muita coisa pra fazer ainda. Um pouco mais de opções ofensivas, ter um pouco mais de controle, essas coisas. Não vejo muito um limite, um lugar em que você diga “ah, aqui está bom”. Pelo contrário. A gente vê várias equipes e sabemos que não se joga mais com o nome. Cada dia é uma batalha. No NBB, você acompanha, está vendo o Paulistano fazendo uma brilhante campanha pelo grande trabalho que faz. O Gustavo (de Conti) é um dos melhores técnicos do Brasil. Onde tem trabalho pode ter um basquete forte. Ninguém chega longe por acaso. Campeonato de playoff se define no playoff, não tem muito jeito.

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BNC: Você falou no NBB. Como motivar a equipe depois de uma conquista como esta para o NBB?
NETO: Isso é fácil. A gente quer ganhar tudo o que a gente estiver disputando. Conseguimos ter um foco nesta competição (Liga das Américas) que estávamos disputando, e agora teremos cabeça fria para entrar no NBB pensando em ganhar. É botar o foco de novo no NBB para brigar pelo título novamente. Temos que fechar a fase de classificação na liderança para poder ter isso (ginásio lotado), o apoio da torcida e o mando de quadra.

BNC: Antes de chegar ao Flamengo você não tinha conquistado nenhum título de expressão. Desde que aqui chegou, na temporada 2012/2013, vieram um título do NBB e agora a Liga das Américas. Os resultados estão chegando mais rápido do que você esperava?
NETO: Olha, eu pensava em ganhar, sim. Eu pensava nisso, sim. Quando a gente assume um compromisso com um time grande, como é o Flamengo, seu foco só pode estar em conquistar tudo o que aparece pela frente. Tivemos o apoio da diretoria desde o início para isso. E é assim que a gente tem que ser. Temos que entrar nas competições não como coadjuvantes, mas com o objetivo de assumir o papel de protagonista.

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BNC: A palavra certa não é motivação, mas como foi o seu trabalho de administração do elenco quando os problemas de salário aconteceram na temporada passada e nesta?
NETO: A gente tem isso aí desde o ano passado, antes mesmo de ganhar o NBB. E isso não é fácil, obviamente. Mas eu tenho um orgulho muito grande de dirigir essa equipe não só pela qualidade dos jogadores, mas sim porque é uma equipe de homens, um grupo de caráter que honra o compromisso que eles têm. Eu falo pra eles que devemos fazer a nossa parte. Fomos contratados por um motivo e temos que honrar a camisa do Flamengo todos os dias. Olha, o salário atrasado vão nos pagar. Perder um jogo não tem volta mais. Colocávamos o lado humano, o lado profissional, na frente pelo compromisso que temos com o Flamengo. O time tem um compromisso e vai seguir com esse compromisso. Depois vemos outras formas de ressarcir esse prejuízo.

BNC: Talvez seja cedo, mas o que você planeja para o Mundial de Clubes que o Flamengo irá participar?
NETO: A gente fala bastante entre a gente que temos que sonhar grande, porque o Flamengo é muito grande. E o Mundial é isso, é uma dessas coisas grandes que a gente quer. Vamos levar isso muito a sério, não vamos jogar só pra ver no que vai dar, não. Temos que pensar nessa vitória, em ser campeão. Sobre reforços, ainda tem muita coisa pela frente. Todo mundo aqui precisa renovar o contrato, eu também, tem que ir por partes ainda. O foco agora é no NBB. Depois a gente vê a renovação. O mais importante, e isso precisa ser dito, é que o clube merece estar no Mundial. Antes acompanhávamos mais de longe, mas agora dá pra ser algo mais concreto. Eu amo ver jogos da Euroliga, e estou vendo o Barcelona jogando muito bem no Top-16. Tem o Real Madrid, o Olympiacos, o CSKA. Amo o basquete europeu, vejo os jogos, aprendo muito e tento adequar a nossa realidade. Agora é estudar um pouco mais para estar preparado para este confronto que virá.

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BNC: A diferença, pelo que você acompanha, é muito gritante mesmo?
NETO: Tem, tem uma diferença. Mas a nossa maneira de jogar, mais rápida, pode gerar um desconforto nos europeus também. Apesar, e isso é bom mencionar, muitos times europeus têm mudado a maneira de jogar. O Real Madrid, que é um grande time, já atua de uma forma, digamos, americanizada. Arremessa muito de três pontos, explora os pick-and-rolls para gerar jogadas individuais e por aí vai. E olha a artilharia de três pontos que eles têm. Temos as nossas características, temos que bater forte naquilo que a gente acredita e ver no que você vai dar. Temos tempo até lá.

BNC: Seu vice-presidente, o Alexandre Póvoa, me disse que o Flamengo não vai entrar no Mundial pra jogar, não. O Flamengo, segundo ele, vai entrar pra ganhar…
NETO: (Risos) É. É essa a mentalidade que a gente precisa ter mesmo. Precisamos pensar assim, disputar de igual pra igual.


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Marcelo Vido chegou ao Flamengo no começo de 2013. Saiu do Minas, um clube absurdamente estruturado e com dinheiro em caixa, para assumir a função de Diretor-Executivo de Esportes Olímpicos do rubro-negro em um momento delicado. Era a transição de gestões ruins para uma tentativa de algo mais profissional e arejado com o que há de mais moderno no mercado e uma chance de mudar o modelo de administração esportiva do país. O começo foi tenso, com atrasos de salário, perdas de patrocínio e a saída de alguns atletas de renome (Cesar Cielo, da natação, principalmente).

Mas Vido, calmo toda vida, esperou, manteve a paciência. E está colhendo os resultados. Com três patrocinadores na camisa do basquete (TIM, Estácio de Sá e Brasil Brokers), ele, ex-atleta do basquete da Gávea, viu o ginásio lotado no sábado e se emocionou ao ver a festa da torcida e a possibilidade real de o clube conquistar algo que, como atleta, ele ganhou – um Mundial de Clubes de basquete. Mas “só” vencer, vencer, vencer não é suficiente para o dirigente. Conversei com ele a respeito disso depois da conquista de sábado diante do Pinheiros.
BALA NA CESTA: Em primeiro lugar queria que você falasse do evento como um todo, da conquista e já da expectativa para o Mundial, campeonato que você ganhou em 1979…
MARCELO VIDO: Verdade, em 1979, no Ibirapuera lotado contra o Sarajevo jogando pelo Sírio. Era um sonho ganhar a Liga das Américas desde o início da temporada. Depois que nos classificamos para a decisão passou a ser um sonho trazer as finais para o Rio de Janeiro e, assim, ganhá-la diante de nosso torcedor. Foram pequenos sonhos que vivemos intensamente. Agora é pensar no NBB. O Flamengo está indo muito bem, tem a possibilidade real de conquistar o tricampeonato e este precisa ser o nosso foco agora. Depois, sim, teremos o Mundial aqui no Rio de Janeiro contra um Real Madrid, um Barcelona, um Olympiacos, sei lá. São etapas. Estamos longe de sermos uma excelência no basquete, sabemos disso. Estamos longe disso, mas estamos sedimentando um modelo bacana pensando no Flamengo hoje e no futuro.

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BNC: Quando você fala nesta excelência, poderia explicar melhor?
VIDO: Sim. Estamos falando de categoria de base, de formação, de escola de basquete. Não só formação de atletas, mas principalmente de pessoas. O que estamos tentando colocar é que, apesar dos problemas financeiros, é que temos um caminho a percorrer, um objetivo a cumprir. Não é fácil, mas são etapas que precisam ser cumpridas. O que queremos é ter um programa de excelência não só no basquete, mas no clube como um todo. E isso você não constrói apenas ganhando. Ganhando às vezes você esconde alguns problemas, acha que está tudo bem. Programa de excelência é desde a base até o profissional.

BNC: Você assumiu no começo de 2013 e passou por um turbilhão de problemas financeiros, mas tem tentado trazer um modelo de gestão diferente para o Flamengo. Como tem sido isso no clube?
VIDO: Tivemos, de fato, muita dificuldade no começo de 2013 mesmo. Perdemos um patrocinador forte, pegamos a modalidade com atrasos financeiros e o mínimo que a gente pode fazer é colocar as contas em dia. É o mínimo, mas que não estávamos conseguindo fazer. Caminhamos, os patrocinadores chegaram, as contas estão parando de pé e hoje, pelas minhas contas, estamos a 85%, 90% autossustentáveis no que tange o basquete. Precisamos de um patrocinador para subir essa régua aí para 100%. Quem sabe essa conquista da Liga das Américas e o Mundial que está por vir façam com que cheguemos lá. Tenho que agradecer muito ao Alexandre Póvoa, Vice-Presidente de Esportes Olímpicos que nos dá todo suporte para evoluirmos. Não é ganhando que você chega a excelência, faço questão de bater neste ponto, mas a vitória ajuda muito a você sedimentar seu trabalho e sua filosofia de esporte. Daqui a dois, três anos eu quero ver o basquete nas escolas, deixar um legado bacana para o clube.

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BNC: Pra fechar: sei que está cedo para planejar qualquer coisa, mas o que você sentiu quando o relógio zerou o Mundial se concretizou?
VIDO: Olha, foi uma emoção muito grande. Foi uma conquista inédita, um título invicto, com o ginásio cheio. Todos os componentes aqui, né. Quem gosta de basquete, quem gosta de entretenimento teve um bom espetáculo neste fim de semana aqui no Rio de Janeiro. Para te falar a verdade eu estava sofrendo havia uma semana já. Estava nervoso, muito tenso. Nem quando era atleta eu sofria tanto. Não é só ganhar ou perder, mas sim fazer um evento bacana, um espetáculo legal. Tendo a não avaliar meus trabalhos por vitórias ou derrotas, porque nem sempre você é excelente quando triunfa e nem ruim quando não ganha. Mas, de fato, foi um jogo muito difícil esta final. Não esperava nada diferente, mas até os segundos finais, quando o arremesso do Pinheiros não caiu, a partida estava aberta, disputada. Foi uma vitória que temos que comemorar, mas segunda-feira já começa o NBB de novo e vamos lutar por lá. Deixa eu aproveitar o espaço para agradecer aos amantes do basquete, a quem acompanha a modalidade. Todos que fazem parte dessa indústria, na parte de divulgação, de crítica, de tudo. Sabemos que temos muito o que melhorar, muito, muito mesmo, e vocês fazem parte disso. Temos é que agradecer pela quantidade de profissionais que aqui estiveram. E o número de profissionais de imprensa que aqui estiveram mostra que o basquete ainda tem um espaço maravilhoso.


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Acabou que falei muito sobre a vitória (de quadra) do Flamengo, mas há outro aspecto fundamental que merece ser levado em consideração quando falamos da conquista da Liga das Américas por parte do clube carioca. Ela é consequência, ou parte fundamental, de um novo modelo de gestão implantado no clube desde 2013, com Eduardo Bandeira de Mello como presidente, Alexandre Póvoa (foto ao lado) como Vice-Presidente de Esportes Olímpicos e com Marcelo Vido como seu Diretor-Executivo.

Pode parecer bobo dizer isso, e falo isso com total isenção, pois estou longe de ser torcedor do Flamengo, mas essa diretoria além de muitíssimo séria e comprometida entende o tamanho do clube, a grandeza do clube, a posição que o clube deve estar inserido no contexto esportivo do Brasil. Como bem disse Marcelo Vido para mim, “não é uma questão só de vencer, mas sim de COMO vencer e de como deixar um legado importante para a agremiação”. É isso.
O Flamengo mudou seu modelo de gestão, tem tentado transformar o clube, quase um feudo das diretorias anteriores, em algo sério, moderno, arejado e razoavelmente parecido com o que o mercado exige em termos de profissionalismo, performance (e se o esporte não for tratado como uma empresa ele NUNCA irá adiante) e transparência. Tão transparente que no domingo, menos de 24h após a decisão o agitado Póvoa já havia me enviado e-mail com os resultados (de público e renda – média de 8.300 pessoas e total arrecadado de R$ 442 mil) de todos os jogos em mais uma prova de quão séria é esta gente que assumiu a diretoria da Gávea.
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O mais legal disso tudo é que apesar de sangrar bastante no começo as vitórias têm vido com boa e saborosa frequência para os rubro-negros. Atuais campeões do NBB e da Liga das Américas, o clube agora tem um Mundial batendo na porta. E Póvoa, mostrando todo o seu grau de exigência e pensando grande, me disse ao final da partida de sábado: “Pode anotar aí, Bala. Não iremos só jogar o Mundial, não. Vamos trazer a competição pra cá e disputaremos pra ganhar, pra vencer. Vamos montar um time na grandeza do Flamengo para ganhar essa competição. E não vamos parar por aí, não. Estamos nos aproximando das instituições e coisas boas estão por vir”. Ele não diz, mas o sonho da diretoria é, tal qual já acontece na Europa, fazer um jogo contra um time da NBA.

Não gosto da expressão “Isso é Flamengo”, até porque eu não saberia lhes dizer o que é o ‘isso’, mas pensar grande, sonhar alto é o mínimo que se espera do Flamengo, clube com a maior torcida do país e que estava jogado às traças em termos de gestão esportiva nos últimos mandatos.
Que bom que isso mudou, que bom que pessoas sérias e competentes como Póvoa e Vido assumiram os esportes olímpicos do clube. Flamengo forte e com um modelo de gestão diferente são ótimos sinais e enchem a quem gosta de esporte de esperança. Que assim continuem.


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