terça-feira, 11 de maio de 2021

Hall da Fama do C.R. Flamengo: NONÔ


NONÔ: o primeiro grande ídolo rubro-negro

Carreira: 1919-20 Palmeiras (RJ); 1921-1930 Flamengo

Claudionor Gonçalves da Silva, o Nonô, foi o primeiro grande ídolo rubro-negro. Pelo Flamengo fez 141 jogos e incríveis 123 gols.

Foi o primeiro jogador na história a superar a marca de 100 gols com a camisa do Flamengo. Foi o jogador que mais fez gols com a camisa rubro-negra nos Anos 1920.

Nonô foi o artilheiro do Flamengo nas temporadas de 1921, 1922, 1923, 1924 e 1925.


Abaixo, texto de Emmanuel do Valle publicado no site "Flamengo Alternativo" contando mais sobre a carreira de Nonô:

A história do Flamengo é, indiscutivelmente, repleta de grandes artilheiros, com números que falam por si. Zico é o maior deles. Depois vêm Dida, Henrique, Pirillo, Romário, Jarbas, Leônidas, Bebeto, Zizinho, Índio... Um deles – o primeiro grande goleador rubro-negro – não costuma, porém, ser muito lembrado: trata-se de Claudionor Gonçalves da Silva, o Nonô, grande centroavante dos anos 1920 (ou center-forward, como se dizia então). Foi o primeiro artilheiro de Campeonato Carioca que o Flamengo teve e também o primeiro jogador a marcar mais de 100 vezes pelo clube. Um cartel e tanto.

Carioca, nascido em 1899 (a data completa é desconhecida, embora algumas fontes apontem para 1º de janeiro), Nonô começou a jogar bola ainda garoto no Palmeiras Athletic Club, equipe hoje extinta, cuja sede se localizava na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, Zona Norte. Com o clube, chegou à primeira divisão do Campeonato Carioca em 1920 (na única temporada em que o time de uniforme azul e preto disputou ao lado de Flamengo, Fluminense, Botafogo e America). Naquela edição, embora seu time tenha feito campanha modesta, o atacante se destacou marcando sete gols, inclusive um contra o Flamengo no empate em 1 a 1, no campo rubro-negro da Rua Paissandu.

Mulato, forte, quase dois metros de altura, Nonô se destacava naturalmente pela facilidade com que marcava gols de cabeça, ganhando de zagueiros e goleiros. Além disso, também tinha um chute poderoso. Talvez por seu tamanho, Nonô não era exatamente um estilista da bola, como muitos de seus companheiros e de outros atacantes do futebol de seu tempo, mas sempre respondia com gols, muitos gols.

Encerrada a temporada de 1920, Nonô despertou o interesse do Flamengo (campeão daquele ano), assim como o ponta-esquerda Orlando Torres, seu companheiro de clube. E, em 26 de março de 1921, os dois jogadores comunicavam à Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) sua opção por defender o clube rubro-negro a partir da temporada daquele ano. Se Orlando ficou apenas três temporadas no Fla – pelo qual marcou só quatro gols – antes de ser cedido ao Botafogo, com Nonô a história foi bem diferente.

Cabe aqui um parêntese para explicar um pouco do futebol carioca nos anos 20. Eram tempos do amadorismo puro. Os jogadores não recebiam salário dos clubes. Eram estudantes, funcionários de casas comerciais ou profissionais de outros ramos, que se dedicavam ao esporte quase só nos fins de semana. Os treinos eram tão esporádicos que os clubes publicavam nos jornais notas convocando seus jogadores para que se dirigissem às suas “praças de esporte” para os “ensaios”.

A temporada tinha como principal competição o Campeonato Carioca, que, embora disputado por poucos clubes, estendia-se durante quase todo o ano em rodadas espaçadas e era antecedido pelo Torneio Início, disputado todo num dia só. Em dezembro, depois do fim da temporada regular, havia a disputa do Campeonato Brasileiro de Seleções, quando o combinado do então Distrito Federal enfrentava paulistas, baianos, mineiros, gaúchos.

Além do Campeonato Carioca (e suas respectivas divisões) havia na cidade vários outros campeonatos, como o da Liga Suburbana e o da Associação Bancária e Comercial, reunindo times de “companhias”. Nonô era funcionário de uma delas, e disputava, aos sábados, este último torneio pelo time do City Athletic (e, anos mais tarde, pelo time da Standard Oil).

Outra peculiaridade da época é que muitos jogadores de futebol eram atletas no sentido pleno da palavra. Ou seja, participavam também de outras modalidades esportivas pelo clube, inclusive o atletismo. Foi o caso de Nonô, que competiu pelo Flamengo (juntamente com grandes nomes do atletismo rubro-negro como Ulisses Malagutti) em provas de lançamento de peso.

Mas foi mesmo no futebol que o center-forward grandalhão fez história. Começou algo inibido, é verdade. Depois de alguns amistosos, passou em branco na estreia no Carioca (empate em 1 x 1 com o São Cristovão). Seus primeiros dois gols vieram contra o Bangu, na segunda rodada do Carioca (vitória banguense, de virada, por 4 x 2, em seu antigo estádio da Rua Ferrer). E aí ele deslanchou: marcou outras duas vezes na goleada de 4 x 0 sobre o forte America e mais uma vez nos 4 x 3 sobre o Fluminense nas Laranjeiras.

Na última rodada, contra o Bangu, marcou o segundo na vitória por 2 x 0 que manteve o Fla empatado na ponta contra o time rubro. E na partida desempate, no dia 4 de setembro, nas Laranjeiras, voltou a ser crucial. O America vencia por 1 x 0. Até que, pouco tempo antes do fim do tempo normal (que era então disputado em duas etapas de 40 minutos), Nonô disparou um chute de longe que o goleiro americano Tomich aceitou por entre as pernas. Era o 11º gol do artilheiro do time na competição. Na prorrogação, Candiota marcou o gol da virada, da vitória e do bicampeonato carioca.

Depois do título veio a primeira – e única – convocação para a Seleção Brasileira, que disputaria o Campeonato Sul-Americano (atual Copa América) em outubro na Argentina. Nonô, porém, teve participação curta no torneio: lesionado logo aos dez minutos na derrota do Brasil para os donos da casa por 0 x 1, não teve condições físicas para disputar as partidas seguintes, contra Uruguai e Paraguai.

Depois de uma temporada mais discreta em 1922 (sete gols no Carioca pelo Flamengo, que terminou dois pontos atrás do campeão America e levou apenas o Torneio Início), Nonô voltou com fome de gols no ano seguinte. Não marcou na estreia no campeonato, quando o Flamengo foi surpreendido pelo estreante Vasco da Gama, perdendo por 1 x 3 na Rua Paissandu. Mas balançou as redes em TODOS os jogos seguintes do Flamengo na competição, inclusive na revanche diante do time cruzmaltino, vencida por 3 x 2 nas Laranjeiras, uma partida que entrou para a história da rivalidade entre os dois clubes.

Nesta partida memorável, Nonô marcou o segundo gol rubro-negro, deu o passe para os outros dois (de Candiota e Junqueira) e ainda voltou para ajudar a defesa a evitar o empate vascaíno no fim do jogo. Nas outras partidas, o center-forward marcou duas vezes contra Fluminense, Andaraí e America; três contra Botafogo e São Cristóvão; e cinco diante do Bangu. Ao todo, 18 tentos numa sequência de 13 partidas.

O Vasco acabou conquistando o torneio (com só uma derrota, esta para o Flamengo). Mas pela primeira vez na história, o Rubro-Negro fazia o artilheiro do Campeonato Carioca. De quebra, Nonô era escolhido pela primeira vez para a seleção carioca, que disputaria o Campeonato Brasileiro daquele ano.

No ano seguinte, Nonô marcou expressivas 13 vezes pelo Campeonato Carioca (e 18 no total), mas mais uma vez o Flamengo não levou o título, que ficou com o Fluminense. Em duas partidas, porém, o time contou com exibições marcantes de Nonô. A primeira, em 20 de setembro, na goleada de 4 x 2 sobre o tricolor, futuro campeão, dentro do estádio das Laranjeiras, na qual o atacante marcou dois gols. A outra veio em um certo amistoso após o fim da temporada.

O jogo era a atração principal das comemorações dos 29 anos de fundação do Flamengo, em 15 de novembro, no estádio da Rua Paissandu. O adversário era o Paulistano, poderosa equipe do futebol de São Paulo, que contava com astros como o goleiro Julio Kuntz, ex-Flamengo, bicampeão carioca em 1920/21 (este, ao lado de Nonô) e o extraordinário Arthur Friedenreich.

Fried, como era conhecido, logo mostrou suas credenciais: marcou de saída dois gols, dando ampla vantagem ao Paulistano. Só que Nonô marcou três, ofuscou o cracaço paulista, infernizou a defesa bandeirante e comandou a virada rubro-negra por 4 x 2 (Junqueira fez o outro).

Naquele fim de 1924, Nonô voltou a preocupar zagueiros paulistas no Brasileiro de Seleções, enfim vencido pelos cariocas. Mas o ano seguinte, 1925, seria aquele em que o atacante bateria recordes. Além de conquistar seu segundo título carioca com o Flamengo, Nonô marcaria nada menos que 29 gols no campeonato, a maior marca já obtida até então, em números absolutos, superando em um gol o feito do tricolor Nilo no ano anterior.

A campanha rubro-negra começou arrasadora: onze vitórias nos primeiros doze jogos, com nada menos que 24 gols de Nonô (média de dois por jogo). Nos seis últimos jogos, Nonô ainda marcaria no empate em 2 x 2 com o São Cristóvão em Figueira de Melo; mais duas vezes na importante vitória de 3 x 2 sobre o Botafogo em General Severiano; e, finalmente, duas vezes na goleada de 4 x 0 sobre o America na Rua Paissandu, na última rodada, no jogo que assegurou a conquista do título pelo Flamengo, um ponto à frente do Fluminense.

O primeiro gol contra o America, aliás, colocou Nonô em destaque na galeria de artilheiros rubro-negros: foi seu centésimo marcado com a camisa do clube. Se já era então, e há algum tempo, o maior goleador dos 13 anos de história do futebol rubro-negro, era também o primeiro a atingir os 100 gols. E muitos outros ainda viriam por aí.

Inacreditavelmente, entretanto, jornais como o influente O Paiz não poupavam críticas ao jogador, principalmente em relação a seu estilo de jogo. Partidários do futebol refinado de jogadores como o meia rubro-negro Candiota, “o príncipe dos passes”, alguns veículos de imprensa expressavam sua contrariedade, por exemplo, à permanência de Nonô na seleção carioca (pela qual, aliás, se sagraria novamente campeão brasileiro naquele ano).

Após o Fla-Flu do returno (empate em 1 x 1), o próprio O Paiz, avaliando os jogadores dos dois times, chegou a afirmar o seguinte de Nonô, então com 26 anos de idade e 27 gols no campeonato: “Abaixo da crítica. Qualquer outro em seu lugar teria garantido a victória ao rubro-negro. Nonô está decadente, precisa ser aposentado”. Mas o center-forward seguia fazendo história.

O ano de 1926 não foi muito feliz. De notável, apenas a entrada do atleta para o Conselho Deliberativo do clube, em janeiro, e o fato de o artilheiro ter deixado sua marca na maior goleada do Flamengo sobre o Botafogo em sua história: 8 x 1, no dia 15 de agosto, na Rua Paissandu. Mas o Rubro-Negro passou longe do título carioca (conquistado surpreendentemente pelo São Cristóvão) e o atacante não conseguiu o tri do Brasileiro de Seleções. Aliás, quase foi o último ano de Nonô pelo clube e pela liga principal carioca.

Tudo por conta de uma punição que o Flamengo sofreu, em dezembro de 1926, por parte da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, organizadora do campeonato. Por ter se solidarizado ao Paulistano – excluído da equivalente paulista da AMEA por brigar contra o chamado “amadorismo marrom” – e emprestado o campo da Rua Paissandu para que o time bandeirante disputasse amistosos, o Rubro-Negro foi suspenso de todas as competições por um ano.

Nonô, assim como o resto do elenco, seguiu sua vida, trabalhando no comércio e jogando os campeonatos da Liga Bancária. Só que o Rubro-Negro conseguiu reverter a punição e foi aceito no Campeonato Carioca de 1927. Arrumou um time às pressas, trazendo de volta alguns antigos jogadores, promovendo jovens dos chamados “segundos quadros” (aspirantes) e contratando outros. E esse time improvisado penou no começo, mas acabou dando liga.

No começo de setembro, o Flamengo liderava o campeonato ao lado de Fluminense e Vasco, e um ponto à frente do America. E, pela tabela, rubro-negros e tricolores enfrentariam, nas duas últimas rodadas, americanos e cruzmaltinos, alternadamente. Foi quando o Fla resolveu que precisava contar novamente com a experiência de seu veterano artilheiro. E Nonô prontamente se apresentou na Rua Paissandu para decidir o campeonato.

No primeiro jogo, contra o Vasco, no recentemente inaugurado estádio de São Januário, vitória por 2 x 1, com Nonô abrindo o caminho num chute forte da intermediária, e Vadinho completando o placar após o empate vascaíno. No último, diante do América na Rua Paissandu, Nonô outra vez abriu a contagem, com um gol de cabeça, sua especialidade, aos 18 minutos. E na etapa final, provocou um gol contra do ex-zagueiro rubro-negro Pennaforte. O time rubro descontou no fim, mas não impediu o título do Flamengo comandado por Nonô, agora unanimemente elogiado pela crônica.

Com a missão pra lá de cumprida no Flamengo, Nonô disputou algumas partidas esporádicas pelo clube nos Campeonatos Cariocas de 1928 e 1929, além de amistosos. Num deles, marcou o único gol na primeira vitória do Flamengo sobre o Palestra Itália, atual Palmeiras, em amistoso na Rua Paissandu. Da estreia, em 1921, à última partida, em 1930, foram 141 jogos e 123 gols marcados pelo Flamengo. Encerrou a carreira como o maior artilheiro do clube até a chegada de Leônidas, e o máximo goleador rubro-negro na década de 1920.

Em 4 de maio de 1930, entrou pela última vez em campo pelo Fla (a única naquele ano), durante partida contra o Botafogo pelo Carioca. Não conseguiu evitar a derrota do time rubro-negro, então vivendo provavelmente a pior crise técnica e administrativa de sua história, por 1 x 2. Mas, mesmo em fim de carreira, seu carisma com a torcida construído ao longo da década era tanto que virou naquele ano personagem de uma esquete da encenação de teatro de revista “Vatapá”, como um dos “leaders do football do Rio”, ao lado do vascaíno Russinho, do tricolor Fortes, além do corintiano Filó.

Em campo, entretanto, não era mais o mesmo. Um dos motivos era a tuberculose que contraíra, e que o levaria a falecer em 21 de julho de 1931, pouco mais de um ano depois da última partida. Tinha 32 anos. O então recém-criado Jornal dos Sports noticiou na primeira página: “Falleceu, hontem, às 14h30, em sua residência, à rua S. Christóvão 497, victimado por cruel enfermidade que zombou de todos os recursos da sciencia e dos desvelos de sua família, o antigo player do Flamengo Claudionor Gonçalves da Silva”.

Amador puro, Nonô morreu pobre. Mas seu enterro, no cemitério São Francisco Xavier, contou com a presença e as homenagens do então presidente da CBD, Renato Pacheco, além de representantes de vários dos principais clubes e de dirigentes e torcedores do Flamengo. Neles, Nonô, o gigante gentil do ataque rubro-negro, deixou uma saudade sem tamanho.



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