domingo, 23 de janeiro de 2022

Maiores Jogos da História do Flamengo: 19/08/78 - Flamengo 2 x 1 Real Madrid




Jogos Inesquecíveis: 19/08/1978 - Flamengo 2 x 1 Real Madrid

Em agosto de 1978, o Flamengo disputou o Troféu Palma de Mallorca, na Espanha. Sem Zico e contra o gigante local Real Madrid, que descaradamente foi ajudado pelo árbitro, mas ainda assim o Flamengo venceu por 2 a 1 e conquistou o torneio de verão. Uma vitória heroica, na raça e força de vontade, tendo atuado durante vinte e três minutos com três jogadores a menos. Eram oito contra onze, e o time rubro-negro, bravo, venceu.





Ficha Técnica
19/08/1978 - Flamengo 2 x 1 Real Madrid
Local: Estádio Luis Sitjar, Palma de Mallorca, Espanha
Gols: Cláudio Adão (9'1T), Cléber (37'1T) e Aguilar (8'2T)
Fla: Raul, Toninho Baiano, Manguito, Nélson e Júnior; Carpegiani, Cléber e Adílio; Tita (Sérgio Ramírez), Cláudio Adão e Eli Carlos.
Téc: Cláudio Coutinho
Real Madrid: Miguel Ángel, Isidro San Jose, Juan Sol, Pirri e Isidro González; Enrique "Quique" Wolff, Vicente Del Bosque e Uli Stielike; Juanito, Henning Jensen e Ico Aguilar.
Téc: Luis Molowny




A História do Jogo

Fosse outro clube, talvez tivesse sucumbido, amarelado, até tirado seu time de campo. Eram oito contra onze, ou contra doze, porque o árbitro estava claramente vestido de merengue também. Foram oito bravos e resistentes em campo que conseguiram segurar, com garra fora do comum, uma vitória épica construída com brilhantismo na primeira etapa, o que até a imprensa espanhola reconheceu e saudou. Uma vitória daquelas que merecem ser contadas e recontadas, geração após geração.

Mesmo desfalcado de Zico, o Flamengo venceu um dos jogos mais memoráveis de sua história, superando ao poderoso Real Madrid, gigante do futebol da Europa, por 2 a 1 na Espanha, num jogo no qual o Flamengo teve três jogadores, o técnico Cláudio Coutinho, e todo o banco de reservas, expulsos por uma arbitragem absurdamente caseira. Com a heroica vitória, sagrou-se campeão do Troféu Ciutat de Palma, em Mallorca, mais conhecido no Brasil como o tradicional Torneio Palma de Mallorca, um dos quadrangulares de pré-temporada mais tradicionais do futebol europeu entre seus torneios de verão, competição disputada nas Ilhas Baleares, costa leste da Espanha, e naquele ano a ser realizada nos dias 18 e 19 de agosto.

O Flamengo havia ficado todo o primeiro semestre sem Cláudio Coutinho, Zico e Toninho, que se preparavam com a Seleção Brasileira para disputar ao Mundial. Encerrada a Copa do Mundo, eles retornaram ao Flamengo, e aquela excursão à Europa era o reencontro entre eles e o elenco rubro-negro. Porém, ainda se recuperando de um estiramento muscular sofrido durante a Copa, Zico ficou no Rio de Janeiro e não viajou, ficando de fora dos três torneios que o Flamengo disputaria em solo europeu.

Dias depois de derrotar ao Atlético Mineiro por 2 a 0 num amistoso no Mineirão, o time viajou para a Espanha reforçado de uma leva de reforços que chegavam do futebol mineiro, o veterano goleiro Raul, do Cruzeiro, de onde também chegaram outros dois jogadores, Tião e Eli Carlos, além de outros dois adquiridos por empréstimo ao Atlético, o meia Cléber e o ponta Marcinho. Entre os novos contratados a serem testados, estavam também o meia Alberto Leguelé, trocado com o Bahia pelo volante Merica, o zagueiro Manguito, revelação do Olaria no Campeonato Carioca, o experiente zagueiro Moisés, que retornava para sua segunda passagem pela Gávea, dez anos depois.

Quatro clubes disputaram a 10ª edição do troféu: Rayo Vallecano, clube de Madrid promovido pela primeira vez à elite espanhola no ano anterior, o belga RDWM (Racing White Daring Molenbeek), o representante sul-americano, naquele ano sendo o Flamengo, e o favoritíssimo ao título Real Madrid, então detentor do título de campeão espanhol. Nas semifinais, Flamengo e Real Madrid superaram a, respectivamente, Rayo Vallecano e Molenbeek, por 2 a 1 e 3 a 2, e avançaram para fazer a final, jogada no dia seguinte.

Pela frente na final, o campeão espanhol tinha o argentino Quique Wolff, o alemão Uli Stielike, o dinamarquês Henning Jensen, e diversos jogadores da Seleção da Espanha, entre os quais o meia Del Bosque, que décadas depois viria a se tornar um dos treinadores mais renomados da história do clube merengue, e o veterano defensor Pirri, um dos maiores nomes da história do futebol espanhol.

O time do Flamengo teria algumas alterações frente à equipe que havia vencido ao Rayo Vallecano na véspera. Nélson entrou na zaga no lugar do uruguaio Ramírez, Cléber ganhou uma chance no meio no lugar do volante Jorge Luís, e Tita retornou à ponta-direita no lugar de Tião. Os demais titulares foram os mesmos da semifinal: Raul no gol, Toninho e Júnior nas laterais, Manguito na zaga, Carpegiani e Adílio no meio, com Eli Carlos e o centroavante Cláudio Adão na frente.

As reclamações com a arbitragem começaram já aos sete minutos, quando Cléber recebeu um lançamento em boa posição para marcar, mas o árbitro Ausocúa Sanz apitou um impedimento inexistente. Dois minutos depois, no entanto, ele não teve como anular a jogada do primeiro gol rubro-negro: Toninho recebeu de Tita, fez jogada de ultrapassagem até a linha de fundo, e cruzou forte para Cláudio Adão, que chutou para a defesa parcial do goleiro Miguel Ángel, também da Seleção Espanhola, que deu rebote, a bola sobrou para Adão, que estufou a rede: 1 a 0.

O Flamengo consolidava um amplo domínio na partida e criou duas ótimas chances seguidas para ampliar ao marcador, aos dezessete minutos, com Adílio e Tita. O Real Madrid, confuso, só chegou pela primeira vez com perigo aos vinte minutos: Jensen engatilhou uma bicicleta dentro da área rubro-negra e quase atingiu a cabeça de Manguito. Inexplicavelmente, Ausocúa Sanz assinalou tiro livre indireto contra o Flamengo, cobrado por Pirri por cima do gol.

Aos trinta e sete minutos, pouco depois de Eli Carlos perder mais uma ótima oportunidade de marcar o segundo, foi Cléber quem ampliou para o Flamengo, ao apanhar um rebote da defesa madrilenha e chutar sem chances para Miguel Ángel. Só aos quarenta minutos o Real voltou a ameaçar. Jensen exigiu grande defesa de Raul. A partida foi então para o intervalo, com uma ampla superioridade rubro-negra em todas as ações e todos os setores do campo.

Na crônica da partida escrita por José Damian González para o jornal madrilenho El País, a fantástica atuação rubro-negra na primeira etapa é destacada com palavras fortes: "O Flamengo, no primeiro tempo, havia oferecido uma bela lição de futebol (...) O virtuosismo dos jogadores do Flamengo provocou o mais claro ridículo dos brancos. A equipe de Coutinho mal deixou a de Molowny tocar na bola", disse o texto.

Com o Real Madrid partindo para uma pressão desordenada no segundo tempo, Aguilar foi lançado na área aos doze minutos, Raul saiu para fazer a defesa aos seus pés, mas o atacante merengue chegou primeiro e houve o choque entre braços e pernas de goleiro e atacante. O árbitro apitou pênalti. Eli Carlos reclamou da marcação e foi expulso. Aguillar cobrou a penalidade e descontou para o Madrid.

Com um a menos em campo, o Flamengo recuou para segurar o resultado, e o árbitro continuou a inverter faltas e distribuir cartões amarelos para os jogadores rubro-negros: Manguito, Júnior, Tita e Cláudio Adão foram punidos quase em sequência. Os nervos dos jogadores rubro-negros iam deixando seus sangues cada vez mais esquentados. Aos dezoito minutos, Toninho bateu falta perto da área do Real Madrid, a bola desviou na barreira e saiu para escanteio. O árbitro Ausocúa Sanz marcou tiro de meta. O lateral-direito rubro-negro reclamou e também foi expulso de campo. Dali em diante o Flamengo atuaria com dois a menos.

Para recompor a defesa, Coutinho substituiu o ponta-direita Tita pelo lateral-direito uruguaio Sérgio Ramírez. Esta foi a única alteração que Cláudio Coutinho pôde fazer das três que havia programado, porque aos vinte e sete minutos, Cléber sofreu falta não marcada no campo de ataque, reclamou indignado, e também recebeu o cartão vermelho. Nos vinte minutos finais de jogo, o Flamengo atuaria com três jogadores a menos, seriam oito contra onze.

Revoltados, Coutinho e todo o banco de reservas do Flamengo ameaçaram entrar em campo, e foram todos expulsos pelo juizão. O papelão do árbitro foi tão vergonhoso que a própria torcida local, que de início torcia para o Real Madrid, passou a apoiar furiosamente ao Flamengo, aplaudindo a luta do esquadrão de oito.

Com a má intenção do árbitro já escancarada, inclusive para o público, o time rubro-negro passou a dar chutões para todos os lados e evitar choques e contatos com os adversários. Àquela altura, apenas Raul, Ramírez, Manguito, Nélson e Júnior; Carpegiani, Adílio e Cláudio Adão estavam em campo pelo Flamengo. Mesmo assim, o inoperante Real Madrid pressionava sem conseguir levar perigo real de empatar a partida. O árbitro então lançou mão de sua última cartada: sob o pretexto de descontar o tempo de paralisação pelos protestos rubro-negros, estendeu o jogo até os 50 minutos, algo completamente incomum para os padrões da época.

Na última volta do ponteiro do relógio, Juanito apareceu sozinho no meio da defesa e, com um leve toque, encobriu Raul, mas Cláudio Adão foi quem apareceu, de maneira providencial, em cima da linha, para afastar a bola com uma cabeçada e evitar o gol de empate, que levaria a decisão às penalidades.

Enfim, o apito final soou. Foram 23 minutos jogando com três homens a menos, e sem poder fazer substituições. O Flamengo assegurou a vitória e o título, convertendo-se no primeiro clube sul-americano a conquistar o Torneio Palma de Mallorca, que posteriormente seria conquistado pela Universidad Católica, do Chile, em 1984, pelo Grêmio em 1985, pelo Botafogo em 1988, e pelo Vasco em 1995. Em 1997, o Flamengo voltaria a superar ao Real Madrid em Mallorca e chegaria à final do torneio de novo, mas acabou sendo derrotado pelo Valencia.

Aplaudido de pé pelos cerca de 20 mil torcedores, o Flamengo recebeu o troféu e partiu para a volta olímpica. Uma vitória gigante, diante de um time daquele porte do futebol europeu, ficou marcada na história rubro-negra. Naquele dia no qual o maior adversário rubro-negro não foi nenhum jogador merengue, e sim o árbitro Ausocúa Sanz, de 43 anos, natural de Valladolid, árbitro da 1ª Divisão do Campeonato Espanhol entre 1976 e 1982. No dia seguinte, a crônica do jornal espanhol El País escreveu em suas páginas: "O incrível patriotismo do árbitro Jesús Ausocúa Sanz marcou o jogo final do Torneio de Palma, a ponto de transformá-lo em um espetáculo lamentável. O Flamengo, no primeiro tempo, havia oferecido uma bela aula de futebol". Triunfo maiúsculo! Gigante!







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