segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

O Avassalador Tri-Tri Carioca do Flamengo em 1978 e 1979, o Rio de Janeiro totalmente dominado!


Aqui a combinação resumida de três textos do mesmo autor, mais uma maravilhosa história contada com maestria e envolvente narrativa por Emmanuel do Valle em seu blog Flamengo Alternativo:


O "big bang" da geração mais vitoriosa do Flamengo, que partiria dali para o topo do mundo. Reafirmou talentos, fez justiça a craques, enterrou traumas. A cabeçada do zagueiro Rondinelli, que decretou a vitória por 1 a 0 sobre o Vasco aos 42 minutos do segundo tempo e deu ao clube da Gávea o título carioca de 1978, entrou para a história do futebol.

Em dezembro de 1974, com um time repleto de garotos, o Flamengo levantou o título carioca segurando um matreiro e tarimbado Vasco (campeão brasileiro quatro meses antes). No elenco, titulares durante toda a campanha ou em parte dela, estão o goleiro Cantareli, o então lateral-direito Júnior, os zagueiros Rondinelli e Jaime, o meia Geraldo e o ponta-de-lança Zico. Todos com idades em torno dos 20 anos, com os meninos comandados pelo técnico Joubert, ele próprio um ex-lateral criado no clube. Porém, ao invés de engrenar, seguiram-se anos frustrantes. Em 1976 o Flamengo decidiu a Taça Guanabara em jogo extra com o Vasco, mas perdeu nos pênaltis. No segundo turno, o título ficou com o Botafogo. E o terceiro, disputado cabeça a cabeça com o Fluminense, foi para os tricolores. Segundo na soma total de pontos, acabou fora do quadrangular final. O mesmo se repetiu no Brasileiro: só o Inter, que veio a ser o campeão, fez mais pontos que o Fla, mas o time rubro-negro não foi às semi-finais.

Nesse mesmo ano, um outro drama calou muito mais fundo no peito dos rubro-negros, jogadores e torcedores: a morte precoce do meia Geraldo, vitimado por um choque anafilático durante uma simples cirurgia de retirada das amígdalas no fim de agosto, aos 22 anos. A perda do armador de futebol refinado, que desfilava uma classe exuberante em campo, e que chegara à Seleção antes mesmo de Zico, mergulhou tudo num luto que custaria a ser superado.

Em 1977 uma nova diretoria é empossada. A chapa Frente Ampla pelo Flamengo (FAF) elegeu ao tabelião Márcio Braga como presidente do clube e iniciou uma grande reformulação na gestão do futebol do clube. Valorizou a base e complementou com reforços pontuais, como o lateral Carlos Alberto Torres, o meia Paulo César Carpegiani, o ponta Osni e o centroavante Cláudio Adão, mas o time voltou a viver o drama de perder um jogo decisivo nos pênaltis para o Vasco no Carioca.


Cláudio Coutinho já contava com um bom currículo no futebol. Integrante da aclamada equipe de preparação física da Seleção Brasileira campeã do mundo em 1970, era um dos maiores peritos brasileiros no assunto, inclusive com estágio na Nasa. Trabalhara ainda como supervisor no Vasco, no Botafogo e no Olympique de Marselha, dirigira a seleção peruana e também assumira, de última hora, o comando da Seleção Brasileira olímpica nos Jogos de Montreal em 1976. Logo depois do torneio, recebeu o convite para substituir ao também gaúcho Carlos Froner no Flamengo.

Estudioso dos esportes, Coutinho viu no Fla um terreno interessante para experimentar suas ideias táticas. Fluente em cinco idiomas, participara de congressos no exterior e conhecera de perto muitas das novidades europeias. Embora não conquistasse títulos num primeiro momento, o estilo aplicado no Flamengo de jogo ofensivo com ideias pouco usuais no futebol brasileiro de então agradava. E ele acabaria chamado para treinar de novo na Seleção Brasileira, mas agora a principal, no lugar do veterano Oswaldo Brandão, demitido no começo de 1977.

Após uma breve trégua inicial, Coutinho começou a ser bombardeado pela imprensa esportiva, em especial a paulista. Era criticado por suas novidades táticas tidas como invencionice, pelo que se considerava uma falta de critério nas convocações e escalações e até por seu vocabulário. De fato, o Brasil apresentou um futebol um tanto engessado em meio a um Mundial onde o brilho, de um modo geral, andou em falta. E, para piorar, o treinador deu mostras de falta de pulso, ao acatar todo tipo de interferências em seu trabalho.

Copa do Mundo encerrada, o Flamengo iniciou sua reconstrução. Aparou arestas, enxugou o elenco, trouxe reforços pontuais – o mais expressivo deles era o experiente goleiro Raul, que então já planejava sua aposentadoria – e embarcou para a Europa, onde disputaria os prestigiosos torneios de verão no continente. Mesmo sem Zico, ainda se recuperando de um estiramento sofrido no Mundial da Argentina, cumpriu ótimas atuações e levantou o Torneio Ciutat de Palma, em Palma de Mallorca, com uma atuação épica, antológica, diante do Real Madrid.

No acanhado Estádio Lluís Sitjar, o Flamengo abriu 2 a 0 no campeão espanhol ainda no primeiro tempo, com gols de Cláudio Adão e do meia-atacante Cléber. Até que o árbitro Alsocúa Sanz começou a aprontar contra o Fla. Marcou impedimentos inexistentes, inverteu faltas e, na etapa final, apitou pênalti duvidoso de Raul em Aguilar (convertido pelo próprio atacante merengue) e expulsou, por reclamação, o lateral Toninho e os atacantes Cléber e Eli Carlos, mais o técnico Cláudio Coutinho, o supervisor Domingo Bosco e todo o banco de reservas rubro-negro. Com apenas oito homens em campo contra os 11 do Real Madrid, o Fla ainda viu o árbitro esticar o segundo tempo até os 50 minutos, prática incomum na época. No último lance, Juanito conseguiu superar Raul com um toque de cobertura. Mas Cláudio Adão surgiu para salvar o empate em cima da linha. Alsocúa Sanz apitou o fim do jogo, e o estádio inteiro, que já se virara a favor do Flamengo, aplaudiu de pé, assim como fez a imprensa espanhola. A atuação memorável dava motivos para acreditar que as coisas seriam diferentes naquele ano.

Logo a seguir começaria o Campeonato Carioca – aliás, o último realmente "carioca". Embora a fusão dos antigos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara tivesse acontecido no início de 1975, no futebol ela ainda não havia se concretizado: havia duas federações e dois campeonatos que corriam em paralelo. Em 1976 e 1977, porém, três clubes do interior (os campistas Americano e Goytacaz, mais o recém-criado Volta Redonda) haviam disputado o campeonato da capital como convidados. O que não se repetiria em 1978.

O Conselho Nacional do Desporto (CND) obrigou a fusão das federações (e dos torneios). Antes disso, no entanto, seriam disputados os últimos campeonatos, que valeriam também como classificatórios para o primeiro estadual "unificado" a ser disputado em 1979. O Carioca começou então com os 12 times da capital e tinha o Vasco apontado como grande favorito. Se haviam perdido o meia Zanata e o ponteiro Dirceu, vendidos ao futebol mexicano, os cruzmaltinos se reforçaram trazendo do Palmeiras o goleiro Emerson Leão.

Embora terminasse de desmantelar o que sobrara da Máquina bicampeã carioca em 1975 e 1976 com a venda de Rivelino ao futebol árabe, o Fluminense também havia investido alto para trazer a dupla Nunes e Fumanchu, do Santa Cruz. O Botafogo, embora em atrito constante com o ponta Paulo Cézar Caju, também tinha uma equipe de respeito. Havia ainda o América, com um bom time, azeitado e sempre perigoso. Entre os pequenos, as atenções se voltavam para o São Cristóvão, que firmara um convênio com o Cruzeiro, recebendo 12 jogadores e dividindo as rendas.

A Taça Guanabara: o time cadete, no entanto, foi presa fácil para o Flamengo logo na primeira rodada, sendo goleado por 6 a 0. Em seguida, o Fla voltou a golear, fazendo 5 a 0 no Campo Grande. Depois de bater com dificuldade o Madureira (2 a 1) e derrotar também a Portuguesa (2 a 0), o time de Coutinho teria seu primeiro clássico pela frente, diante do Vasco. Com mais de 120 mil pagantes no Maracanã, o empate em 0 a 0 persistiu, mas não tirou os rubro-negros da liderança. Depois de bater o Bangu em Moça Bonita por 3 a 0, veio a vez de enfrentar o América.


Naquele momento, o Flamengo enfrentava um pequeno, mas incômodo tabu diante dos rubros. Não os vencia desde setembro do ano anterior. Pelo Brasileiro de 1978, os dois times haviam se enfrentado três vezes, com o América vencendo as três. E a escrita acabou persistindo: o Fla esteve duas vezes à frente no placar, mas acabou cedendo o empate com dois gols do ponta Silvinho, que estenderam o jejum rubro-negro a seis jogos.

Um tranquilo 5 a 0 no Olaria foi seguido por mais um empate, 1 a 1 diante do Botafogo. E uma vitória fácil diante do Bonsucesso por 3 a 0 na penúltima rodada serviu para manter o time na ponta. O último adversário seria o Fluminense. Mas graças ao empate em 2 a 2 entre Botafogo e Vasco no dia anterior, o Fla entrou em campo no domingo podendo até perder por cinco gols de diferença para levantar a Taça Guanabara. Os tricolores marcaram duas vezes nos cinco minutos finais e venceram por 2 a 0. Mas a taça do turno foi mesmo para a Gávea.

Foi uma conquista importante: depois de oito turnos de frustrações, o time voltava a garantir vaga na decisão do Carioca. Porém, outro dado fazia ligar o alerta: o time não havia vencido nenhum clássico. E a tabela do returno já marcava, de saída, o confronto com o América. O Fla abriu o placar com gol de Zico após ótimo lançamento de Adílio, mas os rubros empataram no início da etapa final com o centroavante Mário, após confusão na área. A nove minutos do fim, Tita foi à linha de fundo, cruzou e o zagueiro Heraldo desviou contra as próprias redes, encerrando o tabu.

A goleada de 5 a 2 sobre o Campo Grande na reinauguração do estádio de Ítalo del Cima serviu para manter o time na ponta, mas a bruxa andou solta pela semana seguinte. Raul se lesionou num treino e teve de ceder o posto ao antigo titular Cantareli. Na quarta-feira, o time foi a Moça Bonita e novamente sofreu contra o Madureira, parando num empate em 2 a 2, no qual foi salvo por um gol de Junior a três minutos do fim. Agora o Vasco liderava isolado. E no fim de semana, o Fla teria novo clássico pela frente, contra o Fluminense.

A chuva insistente que caiu sobre o Rio naquele 5 de novembro afastou uma grande parcela do público do Maracanã (pouco menos de 40 mil pagantes se aventuraram). Mas também serviu para lavar a alma rubro-negra e carregar para longe as más notícias: cumprindo atuação primorosa, tanto do ponto de vista técnico (mesmo com gramado um tanto pesado) quanto do coletivo, o Flamengo engoliu o rival, sapecando uma goleada de 4 a 0, com dois gols de Zico e outros dois de Cláudio Adão, pagando com juros a derrota sofrida no primeiro turno.

Três dias depois, o time voltou a enfrentar o Bangu em Moça Bonita e venceu por 1 a 0, com gol de Tita cobrando falta no fim. As chances criadas e desperdiçadas no alçapão da Zona Oeste foram devidamente compensadas no jogo seguinte, uma acachapante goleada de 9 a 0 sobre a pobre Portuguesa da Ilha do Governador, no Maracanã. Após vencer o Bonsucesso por 2 a 0, foi a vez de encarar o Botafogo, num jogo de muitas ausências e retornos.

No dia seguinte à vitória sobre o rubro-anil da Leopoldina, o time perdeu Cláudio Adão, artilheiro disparado do campeonato com 19 gols, lesionado num treino. Por outro lado, Toninho e Adílio, ambos fora de time desde depois do Fla-Flu, estavam recuperados e jogariam. De última hora, o time perdeu também o zagueiro Nélson, fazendo voltar ao time um antigo titular que só ali estrearia no campeonato, reabilitado de um longo afastamento por lesão: Rondinelli.

Em campo, o Flamengo enfrentou um Botafogo cauteloso, com o zagueiro Renê adiantado ao meio-campo para marcar Zico e o armador Mendonça encarregado de anular Carpegiani. Mas o Fla ainda contava com Adílio, que aos 24 minutos da etapa final serviria a Zico, que se livrara da vigilância alvi-negra para vencer o goleiro Zé Carlos com um leve toque, apenas o suficiente para encobrir o arqueiro de um jeito desmoralizante, e dar a vitória ao Fla.

Os rubro-negros então bateram São Cristóvão e Olaria, ambos por 2 a 0, e ficaram à espera de um tropeço do Vasco, que enfrentaria o Fluminense pela penúltima rodada, um dia depois do confronto entre rubro-negros e bariris. Mas os cruzmaltinos venceram também por 2 a 0 e, com isso, levaram a vantagem de um ponto para a rodada decisiva do returno. O empate no clássico de 3 de dezembro encaminharia a taça do turno para São Januário e provocaria uma decisão em jogo extra entre as duas equipes. Ao Flamengo, restava vencer.


Vencer significava também superar outro tabu: em jogos válidos por competições oficiais, o Flamengo não derrotava o rival havia seis partidas, nas quais não havia sequer marcado gol. Os quatro últimos clássicos haviam terminado 0 a 0 (resultado que, naquela ocasião, favorecia ao Vasco). Ainda ecoava a lembrança amarga das derrotas nos pênaltis em 1976 e 1977. E mais do que tudo, os rubro-negros jogavam ali o futuro daquele elenco, que poderia ser desmantelado no caso de um eventual novo fracasso.

Mas assim como haviam os traumas, também havia a vontade de superar desconfianças. O desejo de Coutinho – que abandonara algumas ideias, mantivera outras e aperfeiçoara outras tantas – de ser reconhecido como estrategista brilhante que era. A vontade de Zico de recuperar seu prestígio perante o futebol brasileiro perdido na Argentina. E, mais modestamente, de Rondinelli, zagueiro de estilo raçudo e bom no jogo aéreo, pré-convocado para o Mundial no início daquele ano, mas que sofrera com lesões e buscava se recolocar como titular do time.

Sem Raul e Cláudio Adão, definitivamente fora do jogo, o time para a partida começava com Cantareli, goleiro prata-da-casa que vivera altos e baixos nos cinco anos em que integrara o elenco principal até ali. Nas laterais, os ofensivos Toninho e Júnior. O primeiro, mais do que tudo um portento físico, bom marcador e apoiador vigoroso. O segundo, o lateral com técnica de meia que Coutinho se arrependera confessadamente de não ter levado para a Copa.

Na zaga, Rondinelli fazia dupla com Manguito, trazido do Olaria para aquele campeonato, beque de técnica limitada, mas igualmente sério e duro. À frente deles, jogava Carpegiani, homem de referência não só do meio-campo como de todo o time. O carimbador de todas as bolas nas transições ofensivas. Na criação estava Adílio, que começara a despontar no fim de 1976, quando se revelara uma grata novidade, perfeito nos passes e na condução de bola.

A ausência de Cláudio Adão como homem de referência na frente levou Coutinho a escalar um trio com o prata-da-casa Tita e a dupla vinda por empréstimo do Atlético Mineiro, Marcinho e Cléber. Nenhum deles tinha posição fixa, girando por todo o setor. Tita aparecia pela direita e pelo meio, Cléber ia do centro para a esquerda e Marcinho flutuava por todo o ataque, especialmente pelas pontas. Isso fazia com que Zico se tornasse o jogador mais agudo, chegando à frente em tabelas com Adílio ou carregando a bola do meio até a área vascaína.

O Vasco, favorito apontado pela imprensa e treinado pelo veterano Orlando Fantoni, tinha Leão no gol, os experientes Orlando "Lelé" e Marco Antônio nas laterais, e uma dupla de zaga também vigorosa com Abel e Gaúcho. No meio, dois volantes: o incansável Helinho, encarregado de ser a sombra de Zico, e Paulo Roberto, tendo à frente o armador Guina, tão talentoso quanto explosivo, como o principal responsável pela criação.

O trio de ataque teria o veloz e driblador ponteiro Wilsinho pela direita, o goleador Roberto Dinamite (que se igualara a Cláudio Adão e Zico na artilharia com 19 gols) pelo meio e o também experiente Ramón, ex-Santa Cruz, mais aberto pelo lado esquerdo. A surpresa era a permanência de Paulinho – artilheiro do Brasileirão daquele ano, quando substituiu Roberto – na reserva. Mas era uma boa arma para o segundo tempo à disposição de Fantoni.

O público de pouco mais de 128 mil pagantes foi considerado abaixo das expectativas, mas havia uma explicação: numa época em que as rendas dos jogos tinham peso fundamental na arrecadação dos times muitos torcedores resolveram não ir por acreditarem que os dois times se poupariam para que acontecesse o jogo extra, o que proporcionaria outra casa cheia. Mesmo assim, os mais de Cr$ 6,6 milhões arrecadados bateram o recorde nacional de renda, fazendo justiça mais uma vez o apelido de "Clássico dos Milhões".

Zico deixando para trás o zagueiro Abel Braga

O Flamengo assustou logo aos dois minutos numa cabeçada firme de Zico defendida por Leão. Teria outras duas ótimas chances de abrir o placar no primeiro tempo aos 14 minutos num chute de Zico de fora da área, também contido pelo arqueiro vascaíno, e aos 23 numa tentativa de corte de Gaúcho, que quase marcou contra. E os rubro-negros ainda reclamaram de um pênalti não marcado, num carrinho de Helinho em Tita ao final da etapa.

Apesar de segurar os laterais e atacar mais pelo meio, o Fla era mais incisivo diante de um Vasco que procurava cozinhar o jogo, gastar tempo e tentar os contra-ataques, mas que sofria com a falta de "punch" ofensivo. No intervalo, o técnico Orlando Fantoni colocaria Paulinho (o artilheiro do Brasileirão daquele ano quando substituiu o convocado Roberto Dinamite) no lugar de Ramón, visivelmente fora de forma. E ele criou a primeira grande chance do Vasco no jogo, ao desviar na primeira trave um cruzamento de Wilsinho.

Mas o Fla manteve o domínio das ações e empurrou cada vez mais o Vasco para o campo defensivo. Aos 26, na sua maior chance naquela etapa até ali, em que uma triangulação rápida na entrada da área colocou Zico frente a frente com Leão, mas o camisa 1 da Colina fez outro milagre. Mais tarde, aos 38, foi a vez dos vascaínos desperdiçarem sua maior chance no jogo, surgida de um lance fortuito: bola espirrada na defesa do Fla, Roberto ganhou a disputa de Rondinelli e cruzou. Sozinho na área e diante de Cantareli, Paulinho errou o domínio e deixou a bola escapar.

Aos 41, Júnior recebeu de Manguito na meia esquerda, avançou, tabelou com Tita e cruzou alto, procurando Zico, que avançava pela outra ponta. Aparentemente a bola sairia em lateral ou tiro de meta, mas Marco Antônio, temendo a chegada do 10 rubro-negro, preferiu não arriscar e fez o corte pela linha de fundo, cedendo escanteio. Nesse lance um tanto prosaico, estamos diante do momento capital do jogo, aquele que mudará muito mais do que a história da partida.

Atrás do gol de Leão estava o fotógrafo Rubens Walter Etcheverria, o Che, uruguaio radicado no Rio e amigo dos jogadores rubro-negros, especialmente do lateral Sergio Ramírez - aquele que correra atrás de Rivelino num Brasil x Uruguai no mesmo Maracanã dois anos antes e que agora era reserva de Toninho e Junior no Fla -. Quando a bola cortada por Marco Antônio parou perto de sua bolsa de trabalho e Zico apareceu para busca-la, Che entregou em mãos com um pedido apressado: "Vai lá, ainda dá! Bate logo que está acabando!".

Zico não batia escanteios no Flamengo, tarefa mais comum aos pontas. De fato, aquele fora o único que ele cobraria em todo o jogo. Rondinelli também não estava na área. Estava no meio-campo discutindo com Carpegiani sobre se devia ou não ir ao ataque. Roberto, que costumava marcar o zagueiro rubro-negro nos escanteios, também se dispersou com a discussão e ficou onde estava. Até que Zico levantou o braço e Rondinelli pressentiu: "É agora".

Foram cerca de dez passos largos até a área e um salto, num daqueles instantes em que o tempo parece parar, congelar. A bola passou alta por todos os outros jogadores do Flamengo que estavam na área e veio para onde Rondinelli se encontrava, entre Abel e Orlando Lelé. A cabeçada foi inapelável, no canto esquerdo. Nem que se esticasse todo Leão alcançaria. Não houve rubro-negro que segurasse mais o enorme grito contido pela tensão no Maracanã. Aos 42 minutos, enfim, num misto de alívio e êxtase, era a hora de extravasar.

O fim do jogo, no entanto, demorou um pouco mais que o esperado. Guina e Zico se estranharam, e o vascaíno acertou um ponta-pé no rubro-negro que, furioso, só não pôde revidar por ter sido contido por companheiros e rivais. A confusão foi o estopim para uma gigantesca invasão de campo, típica do estádio naqueles tempos, e que paralisou a partida por cerca de 6 minutos. Os dois jogadores acabaram expulsos. E o jogo terminou pouco depois, iniciando de vez a agora incontida festa da massa rubro-negra.

A sensação foi de se mudar o curso da história. Acabavam o tabu, o jejum, os traumas, os questionamentos. Agora definitivamente consagrado como o "Deus da Raça", Rondinelli emulara Agustín Valido, o ponta argentino que, em 1944, marcara também de cabeça e também nos minutos finais o gol de um título dramático diante do Vasco. Só que o gol de Valido completaria um tri. E o de Rondinelli iniciaria outro, que seria seguido nos anos posteriores pelas conquistas do Brasileiro, da Libertadores e do Mundial Interclubes.

Rondinelli & Agustín Valido

Muitas histórias – algumas controversas, outras puramente fantasiosas – cercam os dois campeonatos estaduais disputados no mesmo ano de 1979 no Rio de Janeiro e conquistados pelo Flamengo. A campanha, porém, foi incontestável, assim como a superioridade demonstrada pelo time rubro-negro sobre os adversários. O primeiro desses dois títulos (o bi carioca, que viraria tri dali a alguns meses) foi levantado num 29 de abril.

Como dizem os jornalistas Mauro Beting e André Rocha em seu livro "1981": "o Flamengo aprendeu a vencer e ainda ser obrigado a discutir títulos que, futebolisticamente, não se discutem". De qualquer modo, contamos aqui tanto as histórias de bastidores que aconteceram antes do ponta-pé inicial da competição quanto a saga da conquista rubro-negra, levando os dois turnos de forma invicta, dispensando as finais, comprovando a força daquele esquadrão.

A Origem da confusão: protelada por alguns anos, a fusão futebolística dos antigos estados do Rio de Janeiro (que compreendia o interior do atual) e da Guanabara (que se limitava à cidade do Rio de Janeiro) foi exigida pela Confederação Brasileira de Desportos em agosto de 1978, três anos depois de os dois terem se unido nos âmbitos político e administrativo. Dessa forma, os Campeonatos Carioca e Fluminense daquele ano – que se tornariam, de certa forma, os últimos da história – sofreriam alterações visando à criação do primeiro Campeonato Estadual.

Primeiro, estabeleceu-se que Americano, Goytacaz e Volta Redonda, os três clubes do interior que haviam disputado como convidados as duas edições anteriores do Carioca, estavam excluídos do torneio de 1978, o qual seria jogado somente pelos 12 clubes da cidade do Rio. Em paralelo, e incluindo do trio supracitado, desenrolaria-se o Campeonato Fluminense, reunindo seis clubes do interior. Pelo que foi acertado antes da bola rolar, os seis primeiros do Carioca e os quatro melhores do Fluminense formariam os 10 do Estadual.

Acontece que bastou os dois torneios se iniciarem para que as pressões e especulações tomassem conta dos bastidores. Enquanto o Flamengo caminhava célere para conquistar o Campeonato Carioca, vencendo os dois turnos, sem a necessidade de finais, os clubes pequenos (notadamente os que não haviam conquistado em campo uma das vagas para o Estadual) começaram a se mobilizar para virar a mesa.


Uma semana depois da vitória rubro-negra sobre o Vasco que decidiu o Carioca, a Federação convocou um Conselho Arbitral para decidir como seria o tal Campeonato Estadual, a ser jogado a partir de fevereiro de 1979. Foi quando os pequenos, liderados pelo América (na época ainda um clube de certa força) e beneficiados pelo voto unitário, derrotaram o outro bloco formado por Flamengo, Fluminense, Vasco e alguns pequenos – e que acabou prejudicado pelas estranhas abstenções do Botafogo e do Goytacaz, campeão fluminense.

A proposta dos pequenos era absurda: rasgava o que fora acordado no início, desrespeitando o caráter classificatório dos dois campeonatos disputados em 1978, e determinava um inviável torneio com 18 clubes em três turnos – ou seja: todo mundo entraria, os 12 do Campeonato Carioca mais os seis do Campeonato Fluminense. Paralelamente, o Flamengo também recebia críticas de parte da imprensa porque alguns de seus dirigentes, incluindo seu representante na Federação, tentavam fazer com que este primeiro Estadual valesse pela temporada de 1979, e não pela de 1978. Eram acusados de, supostamente, temer colocar "em risco" o título carioca recém-conquistado. Num ponto, porém, os cartolas rubro-negros tinham certa dose de razão: afinal era um tanto esdrúxulo que um torneio disputado todo ao longo de 1979 valesse por um título do ano anterior.

De mais a mais, não havia o que pôr "em risco": o caneco levantado em 1978 era incontestável, ratificado no boletim oficial da Federação (publicado um dia após o jogo contra o Vasco) e tudo. O Flamengo havia sido o campeão carioca daquele ano, ponto. O primeiro Estadual, valesse pela temporada que fosse, não anularia aquele fato, nem passaria por cima dele. "Pouco importa se vai valer por 1978 ou 1979", afirmou na época o presidente rubro-negro Márcio Braga.

Mas a discussão prosseguiria após a virada do ano, em novas reuniões do Arbitral, até a CBD se manifestar, anunciando seu calendário. A entidade nacional bateu o martelo pelo torneio com 10 clubes, conforme previa o estatuto da nova Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ), o que teve de ser acatado pelos pequenos. Estes, porém, não se deram por completamente vencidos e contaram agora com o surpreendente apoio do Fluminense.

Os pequenos defendiam o novo Estadual valendo ainda por 1978, algo que contraria não só o Flamengo, como o Vasco e alguns outros clubes. Havia, porém, uma brecha: como a CBD marcou em seu calendário o início do Brasileirão de 1979 apenas para outubro, havia uma lacuna enorme a ser preenchida. A solução partiu de uma ideia do então presidente vascaíno, Agathyrno da Silva Gomes: dois campeonatos numa mesma temporada.

O Estadual com 10 clubes seria transformado no chamado "Campeonato Especial", reunindo os seis vindos do Carioca (Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo, América e São Cristóvão) e os quatro oriundos do torneio do interior (Goytacaz, Americano, Volta Redonda e o estreante Fluminense de Nova Friburgo). Em seguida, viria o certame ambicionado pelos clubes menores, com 18 equipes dividido em três turnos, a ser jogado entre maio e outubro. Em nova reunião, a proposta é aprovada por unanimidade, e a paz é feita.

O elenco rubro-negro não foi tão alterado para 1979. O veterano zagueiro Moisés, sem espaço, seguiu para o Fluminense, enquanto alguns atletas que haviam chegado por empréstimo e que não conseguiram se firmar (como Marcinho, Tião, Eli Carlos e Alberto Leguelé) também deixaram a Gávea. Foi também o fim da longa carreira do lateral-esquerdo Vanderlei Luxemburgo no clube que o revelou. Por outro lado, apenas dois jogadores foram contratados. Um deles era o ponta-direita Reinaldo, veloz e driblador, que se destacara no América nos dois anos anteriores e havia sido contratado como opção de um especialista na posição. Outro era o centroavante Luizinho (o popular "das Arábias"), da Portuguesa da Ilha do Governador, que se celebrizara ao marcar quatro gols na forte defesa do Vasco nos dois confrontos entre os clubes no Carioca do ano anterior. Chegava, inicialmente, para a reserva de Cláudio Adão. Mas havia outras novidades, entre os jogadores prata-da-casa que retornavam de empréstimos. Dois deles em especial: o volante Andrade, que atuara por dois anos no futebol venezuelano, jogando inclusive mais adiantado, como ponta-de-lança, e revelando um insuspeitado faro de gol, e o ponta-esquerda Júlio César, que havia passado pelo América e pelo Remo, e estava de volta para exibir seu futebol moleque, de drible abusado e cruzamentos precisos.

Vindo de uma excursão de pré-temporada pela Bahia, o Fla estreou no Carioca somente no dia 8 de fevereiro, quando Fluminense e Botafogo já haviam jogado e vencido suas duas primeiras partidas – o que obrigou os rubro-negros a se manterem sempre afiados e à espera de tropeços dos rivais. Na primeira partida, mesmo desfalcado de Toninho, Carpegiani e Zico, o time bateu o Volta Redonda no Maracanã por 2 a 0, gols de Cláudio Adão e Reinaldo.

Na segunda rodada, um jogo marcante contra um bom time do América, que fora um rival duro de ser derrotado no ano anterior. O primeiro gol na vitória por 4 a 0, anotado pelo ponta Reinaldo, entrou para a história do Maracanã: era o primeiro a ser anunciado no moderno placar eletrônico do estádio, inaugurado naquela partida. Na etapa final, Adílio ampliaria antes de Zico deixar duas cobranças precisas de falta nas redes do goleiro País, fechando a goleada.

Depois foi a vez de encarar a estrada: em Nova Friburgo, no estádio Eduardo Guinle, o Fla bateu o Fluminense local por 5 a 1, dois gols de Cláudio Adão, dois de Zico e um de Júnior, com Spinelli diminuindo para os locais. Na partida seguinte, contra o Goytacaz em Campos, o time venceria por 1 a 0 com um gol histórico: depois de receber passe de Cláudio Adão, Zico marcaria seu gol de número 245 pelo clube, superando a marca de Dida. A dias de completar 26 anos, o camisa 10 se tornava o maior artilheiro do Flamengo.

Os cinco últimos jogos do turno seriam no Maracanã, incluindo três clássicos. No primeiro deles, contra o Vasco, empate em 1 a 1 com Zico marcando numa cabeçada que encobriu o goleiro Leão. Três dias depois, o time bateu o São Cristóvão por 2 a 0 (mais dois gols de Zico) e alcançou a liderança do turno, agora com o número de jogos igualado entre os principais postulantes. No domingo seguinte, seria a vez de outro clássico, o Fla-Flu.

Embora tenha saído na frente com gol de Zico, o Flamengo não cumpriu boa atuação e chegou a ser dominado. Rondinelli desviou contra as próprias redes um chute de Mário, e o clássico ficou no 1 a 1. Mas a constatação era a de que o time, mesmo ainda em início de temporada, mostrava sinais de desgaste físico pelo calendário massacrante: além do Estadual, viajava constantemente para disputar inúmeros amistosos – antes da partida contra o Flu de Friburgo, fora de casa, por exemplo, estivera se exibindo em Uberaba (MG) e Vitória (ES).

Flamengo enfrentando Nunes, então centroavante do Fluminense

Outro reflexo desse desgaste era a fase ruim do centroavante Cláudio Adão, que se sagrara um dos artilheiros do Carioca do ano anterior, mas perdera a reta final daquele torneio por lesão, da qual se recuperara fisicamente, mas não psicologicamente. E as vaias da torcida se tornavam mais frequentes. Foi quando Cláudio Coutinho, depois de muito relutar, acabou lançando seu reserva, Luizinho, contra o Americano, na penúltima rodada do turno.

O Fla saiu atrás com um gol de Té, mas o novo titular se mostrou decisivo anotou três na goleada por 6 a 1, em que Zico marcou dois e Andrade fez o outro. O volante era outro nome que aos poucos ganhava presença no time, assim como um certo lateral que se profissionalizara no início daquele ano, depois de ter participado do elenco já no ano anterior: um jovem chamado Leandro, que por vezes substituía Toninho, revezando com o uruguaio Ramírez.


Entre o jogo contra o alvi-negro campista, numa quarta-feira, e o duelo contra o Botafogo que decidiria o primeiro turno no domingo, mais amistoso: na sexta, o Fla foi a Brasília enfrentar e vencer o Corinthians por 2 a 0. Enquanto isso, no sábado, o Vasco batia o Fluminense por 1 a 0 e deixava os rubro-negros dependendo apenas de um empate diante dos botafoguenses no dia seguinte para confirmarem a conquista do primeiro turno.

Mesmo jogando dia sim, dia não, o Flamengo mostrou um vigor físico impressionante no primeiro tempo do clássico da última rodada, massacrando o Botafogo e abrindo logo 3 a 0. Zico marcou o primeiro logo aos três, Carpegiani ampliou aos 21 após receber do Galinho e, aos 40, Luizinho faz o terceiro enchendo o pé depois de receber passe de Júnior. O primeiro tempo já poderia ter terminado em goleada, se tantas chances não fossem desperdiçadas. Na etapa final, o time tocou a bola, poupando energias.

No gol de Zico, que abriu o placar, um detalhe de sagacidade do camisa 10 rubro-negro. Na zaga do Botafogo naquele dia jogava um garoto chamado Celso, substituto à última hora do veterano Renê (ex-Vasco), que havia sido afastado pela diretoria. Num lance, poucos minutos antes do gol, Celso havia perdido sua chuteira numa dividida e havia sido alertado pelo árbitro de que, se tocasse a bola com aquele pé, cometeria falta, como manda a regra.

A jogada seguiu e, enquanto o Fla retomava a bola e seguia para o ataque com Júlio César e Tita, Zico foi para cima do jovem zagueiro alvi-negro e pediu a bola. Sabendo que não poderia ser combatido, teria liberdade para girar e chutar para o gol. Foi o que fez: de costas para o gol, recebeu passe de Tita e gingou sobre o marcador, que não teve outra escolha senão assistir ao Galinho girar e encher o pé direito para fuzilar o goleiro.

Com o primeiro turno conquistado, o Fla entrou no segundo embalado: atropelou o São Cristóvão por 6 a 1 e o Goytacaz por 7 a 1 nos dois primeiros jogos, ambos no Maracanã. Neste segundo, Zico voltou a fazer história, ao balançar as redes do alvi-anil campista nada menos do que seis vezes e se tornar o jogador a marcar mais vezes num mesmo jogo na história do estádio, recorde o qual ainda detém. Até ali, nas 10 partidas que havia participado na campanha, já havia anotado 21 gols.

Entre o empate em 1 a 1 com o America na terceira rodada (o primeiro jogo em que Zico atuou e não marcou naquele campeonato) e a vitória suada de 1 a 0 sobre o Volta Redonda no Raulino de Oliveira, o Flamengo disputou um amistoso histórico, que teve sua arrecadação revertida às vítimas de enchentes que assolaram o interior do país, especialmente Minas Gerais. A partida contra o Atlético Mineiro, em 6 de abril, teria ainda um convidado especial: Pelé, vestindo pela primeira e única vez a 10 rubro-negra.

Mais de 140 mil pessoas foram ao Maracanã naquela noite de sexta-feira e, além de assistirem aos 45 minutos em que "Atleta do Século" atuou pelo Flamengo ao lado de Zico (que vestiu a 9), também viram a partida infernal do ponteiro Júlio César, que desmoralizou a defesa atleticana com dribles e jogadas de efeito na goleada por 5 a 1. O time mineiro abriu o placar com Marcelo, mas não resistiu ao Fla, que virou com três gols de Zico, um de Luizinho e outro de Cláudio Adão.

Na quinta rodada, numa quarta-feira, o Flamengo foi a Campos e bateu o Americano por 2 a 1, mantendo-se na ponta do returno. Posição ainda mais assegurada com a vitória sobre o Vasco, de virada, por 2 a 1 na rodada seguinte. Depois de Roberto abrir o placar para os cruzmaltinos no início da etapa final, o Fla empatou num gol antológico, uma "tabelinha de cabeça", aos 19 minutos. Toninho ganhou a jogada na raça pela direita e cruzou alto. Carpegiani escorou para Luizinho, que ajeitou para Zico, que testou para as redes – tudo pelo alto.

Cinco minutos depois, veio a virada, quando Adílio apanhou o rebote de uma defesa de Leão para tocar rasteiro para as redes. O resultado colocou o Flamengo folgado na liderança, quatro pontos à frente de Vasco e Fluminense, ainda que com um jogo a mais. E a vantagem foi mantida com a vitória por 4 a 0 sobre o Fluminense de Friburgo no Maracanã. Porém, ainda haveria alguns clássicos, cujos resultados poderiam reequilibrar a disputa.

O primeiro seria o Fla-Flu de 22 de abril. Os tricolores começaram atacando e abriram a contagem logo aos cinco minutos com Fumanchu. A partir daí, porém, só deu Flamengo. Quando Cláudio Adão, que havia entrado no lugar de Luizinho, empatou o jogo aos 25 minutos da etapa final, os rubro-negros já faziam por merecer até a vitória, que acabou não vindo. Mesmo assim, o empate em 1 a 1 ainda deixou o Fla muito perto da taça, acabando com as chances do Vasco e mantendo apenas o próprio Flu com (remotas) possibilidades matemáticas.


O gol de empate também serviu para reabilitar a confiança de Cláudio Adão, que não balançava as redes no Maracanã pelo campeonato desde a rodada de abertura, em fevereiro. Seis dias após o Fla-Flu, os tricolores deram adeus de vez ao campeonato empatando em 0 a 0 com o Vasco e entregando a taça de bandeja ao Fla, que encararia o Botafogo na última rodada. A única questão pendente era se os rubro-negros levantariam o título de maneira invicta.

O Botafogo entrou fechado, esperando surpreender nos contra-ataques, e o Flamengo teve um certo trabalho para abrir a contagem, o que só aconteceu aos 32 minutos numa bola de Adílio para Zico, que encheu o pé. Os alvi-negros empataram num cruzamento do ponta Clóvis que Gil escorou de cabeça. Mas o Fla retomou a vantagem ainda na primeira etapa novamente com Zico, após um confuso bate-e-rebate na área botafoguense.

Na etapa final, o ex-rubro-negro Luisinho Lemos aproveitou falha do zagueiro Nélson e empatou de novo. Mas a igualdade acabou persistindo e a invencibilidade foi mantida. Com 13 vitórias e apenas cinco empates em seus 18 jogos, o Flamengo se tornava o primeiro clube a se sagrar campeão carioca sem sofrer derrotas na Era Maracanã! E ainda teve Zico e seus absurdos 26 gols marcados em 17 partidas como artilheiro disparado do torneio.

O campeonato que daria o tri ao Flamengo se estenderia do início de maio ao início de novembro, desdobrando-se em três turnos. E como se não bastasse, começaria com uma Taça Guanabara gigantesca. Com 18 clubes se enfrentando, foi o turno com maior número de participantes que o Estadual do Rio já viu. Só naquela primeira parte do torneio seriam 153 partidas, quase o dobro de todo o campeonato "especial" do início do ano.

Aquele Estadual inchado reunia os 12 clubes da capital que haviam disputado o Campeonato Carioca de 1978 (América, Bangu, Bonsucesso, Botafogo, Campo Grande, Flamengo, Fluminense, Madureira, Olaria, Portuguesa, São Cristóvão e Vasco), mais os seis do interior, vindos do Campeonato Fluminense de 1978 (Americano, Associação Desportiva Niterói, Fluminense de Nova Friburgo, Goytacaz, Serrano e Volta Redonda).

Mesmo assim, e enfrentando uma estafante maratona que incluía, paralelamente, amistosos pelo Brasil e excursões ao exterior (como a que levaria a uma grande vitória sobre o Barcelona e ao título do Troféu Ramón de Carranza), o Flamengo levantou o primeiro turno com uma campanha arrasadora, beirando a perfeição. Foram 16 vitórias e uma única derrota em 17 partidas, totalizando 52 gols marcados e apenas 13 sofridos.

A confirmação da conquista veio com duas rodadas de antecedência, no dia 15 de julho, quando o time de Cláudio Coutinho foi à Ilha do Governador e derrotou a Portuguesa no Luso-Brasileiro (o popular "Estádio dos Ventos Uivantes") por 2 a 0 com dois gols de Zico. A única derrota viera logo na quinta rodada: 1 a 0 para o Botafogo, gol de Renato Sá, numa partida que pôs fim à série invicta recordista de 52 jogos então sustentada pelo Flamengo.

Mas nem mesmo aquele revés apagou o brilho da campanha rubro-negra naquele turno, em que todos os outros adversários foram batidos – alguns, com goleadas acachapantes. Foi o caso, por exemplo, do Bonsucesso na rodada de abertura (5 a 0), do Americano em pleno Godofredo Cruz (5 a 2), e sobretudo da ADN, de Niterói, massacrada por 7 a 1 no Caio Martins num jogo em que Zico voltou a marcar seis gols, como havia feito contra o Goytacaz no Especial.

Um deles, o quinto de Zico e sexto do Flamengo naquela tarde em Niterói, evocava um momento histórico do futebol brasileiro: era quase idêntico ao que Pelé deixou de fazer contra o Uruguai na Copa do Mundo de 1970. Mas se o camisa 10 da Seleção do tri errou por pouco o alvo após driblar Mazurkiewicz, Zico não teve dificuldade para empurrar para as redes, mesmo combatido, após aplicar o mesmo drible da vaca no arqueiro Passarinho.

A fase goleadora de Zico, aliás, era soberba. Depois de já ter anotado 26 tentos em 17 partidas no torneio anterior, ele seguiria balançando as redes com voracidade. Só passou em branco no já citado jogo contra o Botafogo e na vitória de 1 a 0 sobre o Fluminense de Friburgo no Eduardo Guinle, decidida com um gol de Carpegiani. Ao todo, foram 29 gols naquelas 17 rodadas do turno inicial, alguns deles fundamentais.

Foi um gol do Galinho, por exemplo, que deu aos rubro-negros uma suada vitória de 1 a 0 diante do perigoso Serrano em Petrópolis. Ele também anotou os três nos 3 a 1 sobre o Bangu. Abriu o triunfo sobre o Fluminense e fechou a virada sobre o América, ambas por 2 a 1. Fez os quatro num maluco 4 a 3 sobre o Goytacaz. E além de fazer os dois contra a Portuguesa que valeram o título, também abriu o placar nos 4 a 2 diante do Vasco na última rodada.

A partida contra os cruzmaltinos também foi marcante naquela conquista, ainda que o Flamengo já estivesse com a Taça Guanabara nas mãos. Com provocações de parte a parte ao longo da semana que antecedeu o clássico e com os jogadores do Vasco encarregados de colocarem as faixas de campeões nos rubro-negros, o clima para uma partida quente, repleta de emoção e reviravoltas já estava pronto. E o jogo não decepcionou.

O Flamengo abriu logo 2 a 0 com apenas 16 minutos, gols de Zico e Júnior. Diante de um Vasco totalmente entregue, nas cordas, os rubro-negros se viram na iminência de disparar uma goleada. Até que Manguito foi expulso de forma infantil ao fazer falta violenta em Paulinho Pereira, deixando o Fla com dez. O rival logo descontou com Guina e ameaçou empatar no início do segundo tempo. Mas quem marcou, de novo, foi o Flamengo com Tita.

Pouco depois do terceiro gol, novas expulsões: Toninho e o vascaíno Gaúcho trocaram socos e receberam o cartão vermelho. E o Vasco tornou a descontar com Roberto Dinamite. Só que o Fla agora passaria a ficar também em vantagem numérica: após impedimento marcado com acerto num ataque cruzmaltino, Guina e Paulinho xingaram o juiz Wilson Carlos dos Santos e também foram expulsos. Aos 41, Júnior cravou o quarto gol rubro-negro e definiu a vitória.

O Flamengo havia feito apenas duas contratações para aquele Estadual: o veloz ponta-esquerda Carlos Henrique, da Desportiva, e o polêmico centroavante Beijoca, do Bahia. Mas o grande achado daquela campanha foi um prata-da-casa que havia retornado ao clube no início daquele ano, após duas temporadas emprestado, atuando no futebol venezuelano. Seu nome era Andrade, um meia ou volante que a cada dia conquistava mais espaço no time titular.

Leandro, Tita e Andrade no banco de reservas do Maracanã em 1979

Jogando ora no lugar de Carpegiani, ora no lugar de Adílio, somou 18 jogos (dos 33 da campanha no Estadual) como titular do meio-campo rubro-negro, além de outros dois atuando improvisado na lateral-direita, mostrando segurança na proteção da defesa, tranquilidade na saída de jogo e sobretudo uma grande qualidade no passe e inteligência na distribuição de jogadas, como ficou atestado na goleada de 5 a 2 sobre o Americano em Campos.

"Não errou sequer um passe. Foi quem organizou o meio-campo de seu time, mostrando domínio de bola, sentido de organização e descortino nos lançamentos. Pelo menos no jogo de ontem, a torcida rubro-negra não sentiu falta de Carpegiani", afirmou sobre ele o Jornal do Brasil após a partida pela nona rodada da Taça Guanabara. E as boas atuações continuaram pelo resto do campeonato, sempre que ele era acionado como meia ou volante.

Aquele Estadual também assistiu à redenção de Cláudio Adão, que no Campeonato Especial andou na mira da torcida e chegou a esquentar o banco para o folclórico Luisinho das Arábias. Se não marcou gols em quantidade assombrosa como Zico (fez 19 contra os 34 do Galinho), nem foi decisivo na reta final como Tita (sobre quem falaremos mais adiante), o camisa 9 contribuiu com muitas assistências e tentos importantíssimos, especialmente em clássicos.

Contra o Fluminense na Taça Guanabara, por exemplo, ele anotou o gol da vitória por 2 a 1, quando o jogo já se encaminhava para repetir o placar de 1 a 1 registrado nos dois Fla-Flus do Especial. E diante do Botafogo, no segundo turno, foi ele quem chutou para longe o fantasma de Renato Sá, conduzindo o Flamengo a uma virada épica por 2 a 1, construída na metade final do segundo tempo e sacramentada no último minuto de jogo.

Também foi Adão quem anotou o gol da complicada vitória por 2 a 1 sobre o Campo Grande no remodelado alçapão de Ítalo del Cima pela Taça Guanabara. E também foi ele quem abriu o caminho para o triunfo diante do América (2 a 0) pelo segundo turno no Maracanã, que permitiu aos rubro-negros viajarem tranquilos para a Europa e colocarem o Barcelona na roda, na conquista do Troféu Ramón de Carranza, em Cádiz, na Espanha.

Quando Zico anotou o primeiro de seus três gols nos 5 a 1 sobre o Serrano no Maracanã pela terceira rodada do returno, ele já havia igualado os 31 que o vascaíno Ademir Menezes – o último artilheiro do Rio a alcançar as três dezenas – marcara no torneio de 1949. Quando o camisa 10 rubro-negro pisou o gramado do Estádio Ari de Oliveira e Souza, em Campos, para enfrentar o Goytacaz numa noite de quarta-feira, já somava 34 tentos.

Estava, portanto, a cinco de igualar o recorde histórico de outro rubro-negro, Sylvio Pirillo, o maior artilheiro de uma edição do Carioca, autor de 39 gols no certame de 1941. Para alcançar ou quem sabe superar a marca, Zico teria pela frente pelo menos 10 partidas. Teria. No segundo tempo do jogo em Campos, o meia deixaria o campo com um estiramento na coxa direita, quando o Fla já vencia por 1 a 0, gol de Tita. E preocuparia.

Zico havia disputado a bola com o zagueiro Orlando Fumaça, do Goytacaz, e após driblar o beque e partir para iniciar a jogada, sofreu falta e sentiu o músculo repuxar. No dia seguinte, já de volta ao Rio, sequer conseguiu ir à Gávea para se tratar, deixando apreensivo o médico do clube, Célio Cotecchia, que já descartava a participação do Galinho não só no clássico de domingo contra o Botafogo como também de grande parte do terceiro turno do Estadual.

A previsão de Cotecchia se mostraria cruelmente acertada, para a agonia da torcida rubro-negra. Mas a solução para preencher a enorme lacuna que o camisa 10 deixaria já estava ali mesmo, dentro do próprio elenco. Era Tita, que enfim ganharia chance – com um pouco mais de sequência – de exibir suas qualidades em sua posição de origem, aquela que sempre cobiçou. E que já tinha demonstrado seu potencial naquele mesmo jogo contra o Goytacaz.

No jogo seguinte, a já citada vitória por 2 a 1 de virada sobre o Botafogo com dois gols de Cláudio Adão, Tita entrou vestindo a 10 e, embora não tenha marcado, foi decisivo: sofreu a falta que resultou no empate e do rebote de um chute seu surgiu o tento da virada. "Faltou apenas um gol para premiar sua atuação. Esteve sempre livre de marcação e cumpriu com perfeição a difícil missão de substituir Zico", escreveu o Jornal do Brasil.


Graças a esse triunfo, a equipe chegou à última rodada do segundo turno precisando apenas de um empate com o Fluminense para conquistar aquela etapa e, de brinde, levar mais um ponto extra para o terceiro. Tensa e muito disputada, a partida acabaria decidida com mais um gol de Tita, concluindo um contra-ataque puxado por Adílio aos 42 minutos do segundo tempo com um chute prensado que venceu o goleiro tricolor Paulo Goulart.

No terceiro turno, Tita seguiu desempenhando com louvor o papel de camisa 10 e marcando gols fundamentais. Sempre no Maracanã, abriu o caminho para a vitória de 3 a 0 sobre a Portuguesa da Ilha na estreia, deixou outros dois nas redes do Goytacaz nos 5 a 1 da segunda rodada e, em seguida, marcou de cabeça o único gol na vitória rubro-negra em jogo complicado diante do Bangu. Mas nem tudo foi festa naquele terceiro turno.

Ainda sem condições ideais, Zico teve sua recuperação apressada para jogar o Fla-Flu do dia 13 de outubro, mas o esforço se revelou extremamente precipitado. O Fla perdeu por 3 a 0, jogou fora os dois pontos de bonificação que havia somado por vencer os turnos anteriores, e o Galinho, que entrara no intervalo, perdera um pênalti. Mesmo assim, ainda seria escalado de início no jogo contra o Americano. Mas seria substituído ao fim do primeiro tempo.

Para a sorte do Fla, Tita cumpriu grande atuação contra o alvi-negro campista, anotando todos os gols na vitória por 3 a 0. E recebendo os devidos elogios: "o destaque do jogo, não só pelos gols, como também pelo desembaraço", avaliou o Jornal do Brasil. Em grande fase, o novo camisa 10 se prepararia agora para o decisivo clássico com o Vasco, que poderia encaminhar a conquista do turno e do tricampeonato aos rubro-negros.

Quando entraram em campo naquele domingo, 28 de outubro, os dois arquirrivais somavam dez pontos, assim como Fluminense e Botafogo, que já haviam atuado no dia anterior. Quem levasse a melhor naquele clássico, portanto, chegaria com boa vantagem na última rodada. Fiel à ideia de seu treinador Cláudio Coutinho de partir desde os minutos iniciais para tentar nocautear o adversário, o Flamengo encurralou o Vasco e logo abriu o placar.

Aos 11 minutos, o ponta-esquerda Júlio César "Uri Geller" foi lançado em profundidade e cruzou. Tentando se antecipar à chegada de Cláudio Adão, o afobado zagueiro vascaíno Ivã mandou, de carrinho, a bola para as próprias redes. Minutos depois, o Fla fez o segundo quando o ponteiro Reinaldo pegou a sobra de um ataque anterior e mandou um chute venenoso, que Leão só pôde aparar. E Tita, na raça, meteu o pé na bola e mandou para as redes.

O Flamengo baixou a guarda e parecia com o jogo controlado. Mas antes do fim da etapa inicial bobeou duas vezes e permitiu um improvável empate vascaíno, com gols de Roberto Dinamite e Catinha. Em outra analogia com o boxe, Coutinho avaliou o cochilo rubro-negro: "Saímos grogues do primeiro assalto. O segundo vai nos exigir muito jogo de pernas", sentenciou, lamentando a perda da vantagem e cobrando mais atenção dos jogadores.

O drama transcorreu por boa parte do segundo tempo, até por volta dos 20 minutos. Foi quando o lateral Toninho recebeu passe pelo lado direito, avançou e alçou para a área. A bola encontrou a cabeça de Tita, que testou colocado, encobrindo Leão e dando a vitória ao Fla, que praticamente vestia as faixas ali. Na última rodada, o Fla poderia já entrar em campo diante do Botafogo, caso o clássico entre Flu e Vasco, no sábado, tivesse um vencedor.

A conta era esta: o Flamengo somava agora 12 pontos, contra 10 dos três rivais. Caso perdessem para o Botafogo e Flu e Vasco empatassem, os rubro-negros seriam forçados a jogar uma decisão extra contra os alvinegros. Mas se o duelo entre tricolores e cruzmaltinos tivesse um vencedor (que também chegaria aos 12 pontos), o critério de desempate entre os três passaria a ser o número de vitórias ao longo do torneio, o que favoreceria o Fla.

Atentos ao rádio naquela tarde de 3 de outubro de 1979, os rubro-negros ouviram o Flu abrir 2 a 0 em pênaltis convertidos pelo ponta Zezé. E também a reação do Vasco, que diminuiu com Catinha e empatou, também de pênalti, com Roberto aos 33 do segundo tempo, estabelecendo o 2 a 2 que mantinha vivo o Botafogo. Até que, aos 38, Marco Antônio se aproveitou de uma indecisão da zaga tricolor, decretou a virada vascaína e deu o título ao Fla.

No dia seguinte, antes mesmo do pontapé inicial, o Flamengo já vestia as faixas de campeão. Sem Zico e desta vez também sem Tita, e com Adílio vestindo a 10 para compor o meio com Andrade e Carpegiani, o time ficou no 0 a 0 com o Botafogo, num jogo quase inteiramente festivo. Não havia dúvidas de que se tratava da mais forte equipe do futebol carioca. A missão agora era mostrar ao Brasil que o melhor futebol do país era jogado na Gávea, o que se concretizaria em meados do ano seguinte.

Mais do que Tri-Campeão Carioca, campeão de todos os turnos disputados nas três edições! O Rio de Janeiro estava totalmente dominado!


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