quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

O Primeiro Título da História do Flamengo!


Mais uma maravilhosa história contada com maestria e envolvente narrativa por Emmanuel do Valle, na minha opinião, o melhor cronista sobre história do Flamengo de todos os tempos, que assim narrou tais detalhes em seu blog Flamengo Alternativo:


Quis o destino que o primeiro título da incontável galeria de conquistas do futebol do Flamengo fosse vencido justamente no dia do aniversário do clube, quando os rubro-negros derrotaram o Fluminense por 2 a 1 no campo do Botafogo, em General Severiano, e conquistaram o Campeonato Carioca de 1914 com um time em que ponteavam muitos de seus primeiros ídolos, como o goleiro Baena, os zagueiros Píndaro e Nery, o médio Gallo e o atacante Borgerth. Aqui, contamos não só a trajetória jogo a jogo daquela conquista como relembramos os primeiros anos do futebol no Mais Querido.

A equipe rubro-negra que enfrentou o São Cristóvão na última partida
da campanha, com a base do time campeão, em foto da revista O Malho

A história da introdução do futebol no Flamengo é até bastante conhecida já. Começou às vésperas do Natal de 1911 depois que 10 jogadores do Fluminense (9 deles titulares) decidiram deixar o clube de Laranjeiras após o fim do campeonato daquele ano – o qual conquistariam sem dificuldade – devido a uma divergência interna com o chamado "ground comittee" (a comissão de futebol responsável por escalar o time). Após deliberarem sobre seu futuro, os dez aceitaram uma sugestão trazida pelo atacante Alberto Borgerth. A ideia era propor ao Clube de Regatas do Flamengo – até ali dedicado ao remo, então o esporte mais popular da cidade junto com o turfe – a criação de uma seção terrestre puxada pela equipe de futebol, modalidade que aos poucos ganhava mais e mais adeptos. De início, a proposta não foi muito bem recebida. Mas numa reunião extraordinária realizada na noite de 24 de dezembro, ela acabaria aceita, sendo aprovada a criação da seção de Desportos Terrestres, tendo Borgerth à frente e Osvaldo Palhares como primeiro secretário.

O próximo passo, além de completar o time e iniciar os treinamentos no campo público da Praia do Russel, na Glória, seria obter a filiação à Liga Metropolitana de Sports Athléticos, entidade que regia o futebol e organizava o campeonato na época. A LMSA, no entanto, vivia momento crítico desde julho de 1911, quando, insatisfeito com as punições aplicadas pelo tribunal da liga a uma batalha campal ocorrida em seu jogo contra o América, o Botafogo rompeu com ela e fundou a concorrente Associação de Football do Rio de Janeiro (AFRJ).

A edição de 1911 do campeonato da primeira divisão da LMSA havia começado com seis clubes participantes, mas logo de cara o Riachuelo abandonou a disputa antes do início dos jogos. Com a saída do Botafogo, a competição terminou com apenas quatro times. Vendo-se agora, e pela primeira vez, tendo de disputar com outra liga as atenções do público, a LMSA decidiu aumentar para oito o número de equipes na categoria principal de seu campeonato para 1912, de modo a mantê-lo como o mais atrativo frente à concorrência da AFRJ.

Para engrossar fileiras, a LMSA olhou primeiro para sua própria segunda divisão e decidiu promover não só o campeão Bangu, como mandava o regulamento original, mas também São Cristóvão (vice) e Mangueira (terceiro). Era, na verdade, o que havia sobrado: os outros dois participantes que chegaram ao fim do torneio, o Guarany e o Cascadura, seriam desfiliados em janeiro de 1912 por falta de pagamento das taxas. Sem falar no Haddock Lobo, que até chegou a iniciar a disputa, mas acabou dissolvido e o time incorporado pelo América.

Com os quatro remanescentes da primeira divisão e os três promovidos da segunda, restava uma vaga em aberto na categoria principal para 1912 (além de quantos fossem necessários para formar uma divisão de acesso inteiramente nova). Assim, no começo daquele ano, quatro clubes haviam remetido ofício à LMSA pedindo sua inscrição na entidade: o Flamengo, o Esperança Football Club (de Bangu), o Americano Football Club (oriundo do Engenho de Dentro, mas sem possuir sede fixa) e o Sport Club Americano (de Vila Isabel).

Os dois últimos não seriam aceitos (o Sport Club Americano partiria então para tentar – e, por fim, obter – sua filiação à AFRJ), enquanto Flamengo e Esperança conseguiriam abrigo na LMSA. Faltava definir com quem ficaria a última vaga na primeira divisão. E os rubro-negros levariam a melhor com argumentos sólidos: além de já serem uma agremiação de considerável prestígio no remo, seu time de futebol contava quase integralmente com os jogadores que eram nada menos que os então campeões do grande certame da Liga Metropolitana.

O campeonato de 1912 começou no dia 3 de maio, data em que o futebol do Flamengo estreou oficialmente demonstrando seu poderio ao golear o Mangueira por 15 a 2 no campo do América, na rua Campos Salles, na Tijuca, numa rodada que também registrou a surpreendente vitória do Rio Cricket, de Niterói, sobre o Fluminense por 2 a 1 em Laranjeiras. Mas o título ficaria com o Paysandu, clube da colônia britânica do Rio, que tinha sede num terreno anexo ao que viria a ser o campo rubro-negro da Rua Paissandu, inaugurado dali a alguns anos.

Impulsionado pelo absurdo faro de gol do artilheiro Harry Robinson (26 gols) e pela versatilidade do "curinga" Sydney Pullen, capaz de atuar com a mesma eficiência em diversas posições, o Paysandu liderou o certame praticamente de ponta a ponta e, no fim de outubro, levantou pela primeira vez a Taça Colombo, troféu entregue ao campeão, com uma campanha quase irretocável. Restou ao estreante Flamengo o papel de principal perseguidor, o adversário que permaneceu vivo por mais tempo, terminando na segunda colocação.

O ano seguinte traria mais mudanças: em fevereiro, a paz entre as ligas foi selada, e a LMSA absorveu a AFRJ, que foi extinta. De início, o grupo de elite ficaria com 13 clubes, mas, após votação, três foram retirados e remanejados à segunda divisão. O mesmo pleito definiria que, para 1914, as divisões deveriam ter no máximo sete clubes. Com isso, os três últimos do primeiro turno de 1913 já seriam rebaixados, sem jogar o returno. Além disso, também ficou decidido que o campeão da segunda divisão de 1913 não subiria à primeira em 1914.

O certame de 1913 também teria um vencedor inédito: o América, que contava com um timaço. No gol, Marcos Carneiro de Mendonça; na defesa, o disciplinado Belfort Duarte; e no ataque, Guilherme Witte, Gabriel de Carvalho, Osman e o chileno Fernando Ojeda. Porém o torneio quase terminou em empate triplo entre América, Botafogo e Flamengo. No dia 15 de novembro, o Fla derrotou os rubros por 1 a 0 e chegou aos mesmos 22 pontos do adversário. Oito dias depois foi a vez do Botafogo alcançar a mesma pontuação ao bater o Paysandu por 3 a 1.

Naquele mesmo dia, o América enfrentava o São Cristóvão em jogo marcado originalmente para 5 de outubro no campo público da Praça Marechal Deodoro (atual Campo de São Cristóvão). Os rubros haviam protestado contra a escolha do local da partida e conseguido transferi-la para General Severiano. Mas, ainda assim, perderam por 1 a 0, o que provocou o tríplice empate. Porém, devido à escalação irregular de um jogador dos cadetes, a partida acabaria anulada pela Liga. No novo jogo, em Laranjeiras, o América venceu por 1 a 0 e levou a taça.


1914: UM ANO MOVIMENTADO

O ano de 1914 foi repleto de acontecimentos marcantes que viriam a ter desdobramentos históricos pelo Século XX afora. O principal deles ocorreu em 28 de junho, em Sarajevo (atual Bósnia): o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, que se tornou o estopim para a deflagração da Primeira Guerra Mundial um mês depois. Já em 20 de agosto morria Giuseppe Sarto, o Papa Pio X. Dali a duas semanas, Giacomo della Chiesa seria eleito o novo pontífice, sob o nome de Bento XV.

No Brasil, enquanto se desenrolava a Guerra do Contestado (conflito fronteiriço entre Paraná e Santa Catarina), pouco mais de 2% da população – somente homens maiores de 21 anos, exceto os analfabetos, os religiosos e os militares – compareciam às urnas para eleger o mineiro Venceslau Brás o novo presidente da República por maioria esmagadora de votos (91,58% contra 8,22%) sobre o segundo colocado, Ruy Barbosa, num pleito realizado em 1º de março e que só teve resultado anunciado quatro meses depois e posse em 15 de novembro.

E mesmo o futebol, que naquele ano já era descrito pelos jornais como o "sport predilecto" dos cariocas, também teve uma temporada com fatos importantes. Em 8 de junho seria realizada no Rio uma assembleia para debater a criação de uma entidade nacional, que viria a ser a Federação Brasileira de Sports (FBS), estabelecida em 15 de novembro de 1915 e logo renomeada Confederação Brasileira de Desportos (CBD), a antecessora da atual CBF. Curiosamente, esta data de 1914 acabou perpetuada como sendo a da fundação da entidade.

Pouco mais de um mês após esse encontro institucional, entraria em campo pela primeira vez uma seleção brasileira (ou "scratch brasileiro", como se dizia na época): em 21 de julho, vestindo uniforme todo branco, o combinado reunindo jogadores cariocas e paulistas enfrentou em Laranjeiras os ingleses do Exeter City, clube fundado em 1901 e que disputava então a Southern League, entidade à parte da Football League. Embora o time adversário fosse composto por atletas profissionais, os brasileiros levaram a melhor, vencendo por 2 a 0 (a dupla de zaga neste primeiro joga da história da Seleção Brasileira era a mesma dupla de zaga do primeiro jogo da história do Flamengo, em 1912, formada por Píndaro e Nery).

Ainda naquele ano, no fim de setembro, a Seleção (ou o "scratch") embarcaria para a Argentina, onde enfrentaria pela primeira vez a seleção do país vizinho. De início, o dia 20 estava reservado para a disputa da Copa Roca, mas o navio que levaria os brasileiros até Buenos Aires atrasou, e os atletas só chegaram à capital portenha naquela data. O jogo foi então transformado em um amistoso, vencido pelos locais por 3 a 0. Uma semana depois, aí sim valeu taça. E desta vez deu Brasil: 1 a 0, calando as críticas da imprensa à preparação do time.

Outro fato digno de nota aconteceria no Rio naquele mês de setembro, no dia 5: a realização da primeira partida noturna de futebol no Brasil – e possivelmente na América do Sul. Iluminado por lâmpadas de procedência suspeita, segundo alguns jornais, o Villa Isabel, campeão da terceira divisão de 1914, derrotou por 4 a 0 um "scratch" de Campos dos Goytacazes, num amistoso em seu campo no antigo Jardim Zoológico. No entanto, somente muitos anos mais tarde é que os jogos à noite seriam introduzidos no campeonato oficial.

Para o Flamengo, o ano de 1914 também seria repleto de fatos históricos, a começar pela mudança na camisa do time. O modelo quadriculado usado desde 1912 e apelidado "papagaio de vintém" vinha sendo considerado de má sorte, em vista dos insucessos nas duas primeiras temporadas. Mas como os remadores do clube ainda relutavam em aceitar que os atletas do futebol vestissem o mesmo manto rubro-negro de listras horizontais – apesar da crescente popularidade do esporte – o jeito foi apelar para o detalhe.

Para aquela temporada que se iniciava, o time vestiria uma nova camisa enfim trazendo as listras vermelhas e pretas na horizontal, porém intercaladas com listras brancas mais finas, num padrão que receberia o apelido de "cobra-coral". Mas aquela não seria a única novidade. Naquele ano o Flamengo também faria seu primeiro amistoso, depois de dois anos jogando apenas pelo campeonato. O adversário vinha de outro estado: era o Mackenzie, de São Paulo, com quem o Fla empataria em 2 a 2 no dia 17 de maio em General Severiano.

Anúncio de jornal do amistoso com o Mackenzie, o primeiro da história do Fla

No mês seguinte, o Flamengo voltaria a disputar amistosos, mas contra rivais locais, vencendo o Fluminense (2 a 0) e o São Cristóvão (2 a 1). Já em agosto, no dia 20, formaria um combinado com o Botafogo para enfrentar os visitantes italianos do Pro Vercelli, detentores de cinco títulos nacionais, num jogo que terminou empatado em 1 a 1. Mas o movimento mais expressivo aconteceu nos primeiros dias de setembro, quando o Fla embarcou para sua primeira excursão, tendo como destino o Paraná, a convite do Internacional curitibano.

Na capital paranaense, o Flamengo jogaria nos dias 5 e 6 no "ground" da Água Verde, localizado onde hoje fica o Estádio Joaquim Américo, a Arena da Baixada. E aplicaria duas tranquilas goleadas: 7 a 1 no Internacional (que em 1924 se uniria ao América local para fundar o Athlético Paranaense) e 9 a 1 no "scratch" de Curitiba. No dia 9, na despedida da excursão, o Fla seguiria para a cidade portuária de Paranaguá, onde arrasaria o time local de mesmo nome por 15 a 0 – a maior vitória, por diferença de gols, da história rubro-negra.


O CAMPEONATO DE 1914

Assim como nos dois anos anteriores, o certame começou em 3 de maio. Eram sete clubes – América, Botafogo, Flamengo, Fluminense, São Cristóvão, Paysandu e Rio Cricket (estes dois últimos, os clubes "dos ingleses" de Rio e Niterói, respectivamente) – que jogariam em quatro campos: o do Fluminense, na Rua Guanabara (atual Pinheiro Machado), Laranjeiras; o do Botafogo, na Rua General Severiano; o do América, na Rua Campos Salles, na Tijuca; e o do Rio Cricket, na Rua da Constituição (atual Miguel de Frias), em Icaraí, em Niterói.

De início, o que se previa era uma disputa bem equilibrada. Se por um lado o Paysandu, campeão de 1912, já esboçava seu declínio, por outro o Fluminense formava seu time mais forte desde a saída de seus titulares para o Flamengo. Aproveitando-se de uma divergência interna no América, os tricolores levaram para as Laranjeiras os irmãos Carneiro de Mendonça, Marcos (goleiro) e Luiz (zagueiro). O Botafogo também se reforçou no gol, buscando logo dois nomes: Ápio Paranhos e Hydarnés Vidal – este, titular do São Cristóvão no ano anterior.

O América não ficou atrás e, para compensar as muitas baixas com a cisão em seu elenco, foi buscar reforços de peso. Para o posto de Marcos Carneiro de Mendonça veio ninguém menos que Casimiro do Amaral, goleiro titular do "scratch" paulista, nascido em Lisboa, mas que defenderia mais tarde a Seleção Brasileira. Para a zaga veio o chileno Héctor Parra, da seleção de seu país. E a linha média ganhou o reforço dos irmãos uruguaios Augusto e Juan Carlos Bertone e de Joaquim Monteiro, o Badu, destaque do pequeno Mangueira.

De São Cristóvão e Rio Cricket, duas equipes que pouco fizeram além de escapar do rebaixamento em 1913, não se esperava nada além de beliscar um ponto ou outro de algum grande, o que talvez pudesse interferir na briga pelo título. Mas quanto ao Flamengo, a expectativa era a de que enfim o clube tivesse sucesso na briga pelo título que escapara por meros dois pontos em suas duas primeiras temporadas. Para isso, o clube ainda confiava na ótima base inicial, que vinha sendo pontualmente reforçada desde o ano anterior.

Do time que bateu o Mangueira na estreia em 1912, só dois nomes não seguiam no clube: o médio inglês Lawrence Andrews e o atacante Gustavo de Carvalho, autor do primeiro gol rubro-negro. Outro pioneiro disputaria só a primeira partida de 1914: Ernesto Amarante, o "Zalacain". Vale lembrar que no amadorismo era comum os atletas deixarem o futebol em caráter temporário ou definitivo para priorizarem os estudos ou suas atividades remuneradas, voltando aos campos eventualmente como convidados em amistosos ou jogos de campeonato.

Por outro lado, alguns nomes importantes foram sendo incorporados ao elenco nos dois anos que se seguiram à temporada de estreia. Eram os casos do médio Ângelo, do meia-direita Gumercindo, o meia-esquerda Riemer (que, vindo do América, onde só atuara três vezes no campeonato de 1913, que logo se tornaria um dos grandes goleadores rubro-negros daquela década), e mais o ponta-esquerda Raul. Já quem retornava ao grupo após ter ficado ausente em 1913 era o versátil Curiol, que podia compor tanto a linha média quanto o quinteto ofensivo.


Esses jogadores se juntavam a outros já estabelecidos no time rubro-negro como o experiente goleiro Baena; a sólida dupla de zagueiros, indispensável nos "scratches", formada por Píndaro e Nery, o capitão da equipe; o médio Gallo, primeiro de uma extensa galeria de jogadores que conquistaram a torcida pela raça exibida em campo; e os atacantes Orlando "Baiano", Arnaldo e Borgerth; além de outros nomes que comumente entravam no time na ocasião de algum atleta se ausentar, fosse na linha média ou no ataque, como Gilberto e Miguel.

A estreia do Flamengo no campeonato viria uma semana depois da rodada de abertura, que não trouxe surpresas: o Fluminense derrotou o Paysandu por 2 a 0 em Laranjeiras e o América arrasou o São Cristóvão por 6 a 1 em Campos Salles. O Fla, por sua vez, teria o Rio Cricket como adversário inicial, na partida que aconteceria em General Severiano, local onde o time vinha mandando seus jogos desde 1913 (na primeira temporada, o clube usou como casa o campo de Laranjeiras). E, a exemplo de Flu e América, era apontado como favorito.

Havia, porém, desfalques: "Parece que o Flamengo jogará sem o excellente full-back Píndaro de Carvalho, que tantas vezes vimos defender os nossos scratches contra outros dos Estados e do exterior. Difícil tarefa será a do seu substituto", comentou o jornal O Imparcial em sua edição de 5 de maio, dias antes da estreia rubro-negra. Outras ausências sensíveis estavam no ataque, no qual Arnaldo e Borgerth estavam de fora. Este último, aliás, só entraria no time na sexta partida, contra o Fluminense, quando o certame chegava à metade.

Por fim, vale lembrar que o futebol daquela época trazia muitas diferenças em relação ao de hoje, sobretudo em termos de estrutura e organização. Os jogos eram disputados em dois tempos de 40 minutos, em vez de 45. Não havia técnicos, e sim o "ground committee" já citado no início do texto e liderado pelo capitão do time. E os árbitros eram atletas de outros clubes, que não dos dois que estivessem se enfrentando – neste Flamengo x Rio Cricket, por exemplo, a direção da partida ficou sob encargo de Gabriel de Carvalho, do América.


Na primeira partida, logo ao apito inicial de Gabriel de Carvalho o Flamengo partiu para o ataque, apertando a defesa dos "ingleses de Niterói" até abrir o placar aos sete minutos, quando Zé Pedro se aproveitou da indecisão entre a dupla de zaga niteroiense. O Rio Cricket tentou responder em chutes de Brewerton, mas sem pontaria. Reid, no entanto, ainda conseguiu exigir uma boa defesa de Baena. Perto do fim do primeiro tempo, os rubro-negros tornaram a balançar as redes em jogada confusa, mas o assistente Carlos Villaça marcou impedimento no lance.

O Rio Cricket voltou do intervalo buscando o empate, mas quem marcou foi o Flamengo, com Riemer concluindo um contra-ataque puxado por Zé Pedro. Nos minutos finais, o Fla teve ainda um pênalti a seu favor num toque de mão de German. Após certa hesitação da parte dos jogadores rubro-negros sobre quem faria a cobrança, o veterano Zalacain (chamado de "a alma do Flamengo" pela revista semanal O Malho), assumiu a responsabilidade e, com um chute forte e indefensável para o goleiro Lewis, encerrou a contagem em tranquilos 3 a 0.

Aquele mês de maio seria o de agenda mais cheia do campeonato. Três dias após a vitória rubro-negra sobre o Rio Cricket, Fluminense e América ficariam no empate em 1 a 1 na Rua Guanabara e com isso dividiriam a liderança. E só dali a 11 dias o Botafogo faria enfim sua estreia derrotando o São Cristóvão por 2 a 0 no mesmo local. Também naquele domingo, 24 de maio, o Flamengo voltaria a campo em General Severiano para enfrentar o Paysandu. Uma vitória faria a equipe ultrapassar os dois ponteiros e assumir o primeiro posto isolado.

E, mesmo sem atuar tão bem desta vez, o Fla voltaria a vencer. O gol da vitória por 1 a 0 saiu após um chute de Riemer que o zagueiro Shalders rebateu mal e sobrou para Gumercindo mandar às redes. Na verdade, o placar até poderia ter sido mais amplo não fosse a atuação estupenda do goleiro Robinson, que fez inúmeras defesas sensacionais, como num chute à queima-roupa de Riemer e numa bomba de longa distância de Nery. Já a melhor chance do Paysandu veio quando Parker, livre e frente a frente com Baena, finalizou para fora.

O primeiro mês de campeonato, no entanto, terminaria mesmo com Fluminense e América no topo da tabela: no dia 31, os tricolores golearam o Rio Cricket por 5 a 2, enquanto os rubros levaram os pontos do jogo contra o Botafogo, que não compareceu a Campos Salles, perdendo por WO. O Flamengo teria a chance de ultrapassá-los – ou de ao menos se juntar a eles na liderança – no domingo seguinte, 7 de junho, ao enfrentar o São Cristóvão em General Severiano. Mas já entraria em campo com uma baixa importante: Baena estava fora do jogo.

Tendo de escalar na meta o goleiro do chamado "segundo quadro", Cazuza, contra os cadetes, o Flamengo levou sufoco do adversário nos minutos iniciais da partida até Riemer, com um forte chute, colocar o time em vantagem. Só que o São Cristóvão não demoraria a igualar o placar com o ponta Sylvio, após passe do lendário Cantuária (que seria vitimado pela gripe espanhola na epidemia que assolou o país e o mundo em 1918). E na volta do intervalo, chegaria à virada num chute cruzado da direita do ponta Pederneiras.

O Fla, que tivera o domínio das ações nos primeiros 15 minutos da etapa final, contava, porém, com seu ataque "num dos seus dias de patente infelicidade", como registrou a crônica do Correio da Manhã. Mas não desanimou após sofrer a virada – ao contrário: encurralou o São Cristóvão, que se viu obrigado a dar chutões para afastar o perigo rubro-negro. Até que, já nos descontos, com o time do Flamengo todo à frente, Nery desceu como se fosse um atacante pela ponta e entregou a bola para Baiano decretar o empate em 2 a 2.

Seria o único jogo do Flamengo pelo campeonato naquele mês, e o próprio certame só teria mais uma rodada em junho, no dia 21, em um domingo feliz para o América, que goleou o Paysandu por 4 a 0 na Rua Guanabara e se tornou líder isolado graças à derrota do Fluminense para o Botafogo por 1 a 0 em General Severiano. Com estes resultados, os rubros chegavam aos sete pontos, contra cinco da dupla Fla-Flu e quatro do Botafogo. Rubro-negros e alvinegros, no entanto, tinham feito um jogo a menos, podendo embolar a disputa.


E exatamente o confronto entre Flamengo e Botafogo em General Severiano era o que marcava a tabela para o primeiro fim de semana de julho, no dia 5, em que Fluminense e América folgariam. Foi um jogo de dois tempos distintos e, no primeiro, o Fla dominou as ações. Abriu o placar em cabeçada de Gumercindo, escorando cobrança de falta de Riemer, aos 18 minutos; levou o empate com Abelardo aos 28, mas voltou à frente aos 33 graças a um golaço de Baiano, driblando Villaça e batendo de longe para surpreender o imóvel goleiro Ápio.

Pouco antes do intervalo o Fla quase ganhou o terceiro gol de presente, em lambança do zagueiro Dutra, que por pouco não fez contra. Mas na etapa final o panorama do jogo se inverteu totalmente. Soberanos no primeiro tempo, Baena, Píndaro e Nery passaram a ser muito mais exigidos, sobretudo com a lesão de Riemer, que passou a fazer número no ataque rubro-negro, e o crescimento do habilidoso meia-esquerda alvinegro Mimi Sodré. Até que, a cinco minutos do fim, Abelardo de novo mandou às redes, decretando um justo empate em 2 a 2.

Se deixara escapar a oportunidade de alcançar o América no topo da tabela ao empatar com o Botafogo, o Flamengo logo em seguida teria uma nova chance, agora de ultrapassar os rubros, no confronto direto em Campos Salles marcado para uma terça-feira, 14 de julho. Para essa missão, contaria com um retorno importante: se contra os alvinegros Baena voltara à meta e Píndaro enfim estreara no campeonato, no duelo crucial diante do América o Fla alinharia também pela primeira vez naquele certame o atacante Alberto Borgerth.

Com o campo do América lotado, o duelo começou equilibrado, mas, em jogada de Witte pela direita, a bola tocou na mão de Miguel e o árbitro marcou pênalti para o time da casa. O chileno Ojeda cobrou com força e fez os rubros saírem para o intervalo em vantagem. Na etapa final, após uma ótima chance perdida para cada lado (Ojeda pelos rubros e Borgerth pelos rubro-negros), o Flamengo empatou quando Borgerth sofreu carga de Camarinha perto da área e Píndaro mandou um de seus famosos torpedos para as redes na cobrança da falta.

Com a igualdade, a partida seguiu lá e cá, com o América mais impetuoso e o Flamengo fazendo "um jogo mais inteligente e combinado, para o que muito contribuía Borgerth, a figura de destaque do seu ataque", como escreveu o jornal O Imparcial. Até que Borgerth abriu o jogo na direita para Arnaldo, que arrancou, invadiu a área e tocou na saída de Casimiro. O médio Berthelot ainda correu para tentar tirar, mas a bola resvalou em suas pernas e entrou. Após a virada o América perdeu o ânimo, e o Fla, tranquilo, garantiu a vitória por 2 a 1.

Exatamente uma semana após vencer o América e alcançar a liderança isolada do certame, o Flamengo emprestava sua dupla de zagueiros à Seleção Brasileira para a primeira partida da história do "scratch", diante do Exeter City inglês no campo da Rua Guanabara. Mesmo atuando contra profissionais, Píndaro e Nery não deixaram passar nada, e o Brasil venceu por 2 a 0. A "parelha de backs" rubro-negra saiu aclamada, em especial no segundo tempo, em que, bem bloqueados, os visitantes se limitaram a chutes de longe e sem direção.

No domingo seguinte o Flamengo já voltaria a campo, agora para o primeiro Fla-Flu do campeonato, em Laranjeiras. No primeiro tempo, os tricolores tiveram o comando do jogo, mas com poucas chances claras. A melhor delas, numa falta batida por Barthô que Nery salvou quase sobre a linha. Diante disso, para furar a sólida defesa rubro-negra o Fluminense precisou recorrer a um pênalti cobrado pelo mesmo Barthô pouco antes do intervalo. O resultado parcial, no entanto, levaria a uma mudança radical no panorama da partida na etapa final.

Foi a vez de o Flamengo controlar o jogo e povoar a área do Fluminense, exigindo grandes defesas de Marcos. Mas aos 21 minutos o aclamado goleiro tricolor não conseguiu deter o chute forte e à queima-roupa de Riemer, que igualou o placar. Aos 31, Raul recebeu uma cobrança de escanteio, driblou Luiz e chutou para virar o jogo para os rubro-negros. A vantagem, porém, durou apenas um minuto: no lance seguinte o Fluminense empatou novamente, agora em 2 a 2, num chute forte e alto do inglês Welfare, sem chances para Baena.

Os oito minutos finais de jogo foram intensos, com seguidos ataques de ambos os lados. Mas, na última volta do ponteiro, quando parecia que o empate persistiria, o Flamengo foi ao ataque, e o zagueiro tricolor Vidal tocou a bola com a mão dentro da área. Pênalti indiscutível que Riemer cobrou com perfeição e deu a vitória ao Fla por 3 a 2, um resultado fundamental para que os rubro-negros continuassem em posição privilegiada, ocupando a liderança da tabela do campeonato, que então chegava quase exatamente à sua metade.

Agosto seria um mês de atividade bem esparsa dentro do campeonato: foram apenas cinco jogos realizados em três datas afastadas (2, 16 e 30). E o Fla só entraria em campo uma vez, na primeira dessas rodadas, quando foi a Niterói enfrentar o Rio Cricket. Com a Primeira Guerra Mundial iniciada no dia 28 do mês anterior, o "clube dos ingleses" sofreu desfalque inesperado: o ponteiro-esquerdo Wilson embarcou no navio HMS Glasgow para se inscrever como reservista, habilitando-se a ser convocado pelo exército britânico para o conflito.

O Flamengo (que, por sua vez, não teve o atacante Riemer) saiu na frente logo aos três minutos de jogo: Borgerth chutou forte, o goleiro Edwards espalmou para a frente e Gumercindo pegou a sobra na corrida para conferir. No segundo tempo, a vantagem foi ampliada aos cinco, num chute cruzado de Orlando "Baiano" da direita. Nesta etapa, contudo, a pressão foi toda do Rio Cricket, que descontou com Earwaker após confusão na área e quase empatou num lance incrível, em que a bola ficou presa entre a cabeça do atacante Reid e a trave.


A difícil vitória por 2 a 1 ajudou a manter o Flamengo na liderança ao longo daquele mês, que não trouxe surpresas nos demais resultados. Ao fim de agosto, os rubro-negros somavam 12 pontos em sete partidas, à frente do América (11 em sete), do Botafogo (nove em seis) e do Fluminense (sete em seis). Já o Rio Cricket se firmava como quinta força, somando seis pontos em sete jogos, bem à frente de São Cristóvão e Paysandu, que vinham na rabeira com dois pontos em sete jogos e um ponto em oito jogos, respectivamente.

"Marcha bem vagarosamente a disputa do campeonato do presente anno", lamentou O Imparcial em sua edição de 2 de setembro. No início daquele mês, entretanto, houve até um pouco mais de ação, com uma rara rodada tripla no dia 6 que não teve a participação do Flamengo, na ocasião excursionando pelo Paraná. A ameaça de ser destronado da liderança pelo América, porém, não se concretizou graças ao Fluminense, que bateu os rubros por 2 a 1 em Campos Salles. Por outro lado, o Botafogo venceu fácil o Rio Cricket (3 a 0) e encostou.

Tal como em agosto, o Fla só entraria em campo uma vez pelo campeonato em setembro. Mas a combinação de resultados daquele dia 13 foi bem animadora, fazendo crer que o título já estava bem encaminhado. Em General Severiano, os rubro-negros voltaram a derrotar o América, desta vez por 1 a 0, abalando sensivelmente as chances dos rubros no certame. Enquanto isso, na Rua Guanabara, o Botafogo era contido pelo Paysandu num surpreendente empate em 3 a 3, deixando o Flamengo abrir dois pontos de vantagem na liderança.

O gol da vitória do Flamengo saiu logo aos dez minutos de jogo, em meio à pressão inicial rubro-negra e nascido de um belo passe de Gumercindo para Arnaldo. O goleiro americano Casimiro, que fizera milagre numa cabeçada do próprio Gumercindo minutos antes, desta vez viu a finalização escapar de suas mãos, "não sabemos si por effeito que levava a bola ou por falta de calma", comentou a crônica do Correio da Manhã. De resto, foi um duelo equilibrado, com os jogadores do Flamengo nitidamente cansados da viagem ao Paraná.

Depois disso, o campeonato seria praticamente interrompido por quase um mês devido à viagem da Seleção Brasileira à Argentina para a disputa da Copa Roca (apenas um jogo, Rio Cricket x São Cristóvão, sem grande importância para a classificação, seria realizado num intervalo de quatro semanas). Para a excursão do "scratch" ao país vizinho, o Flamengo foi, junto com o Fluminense, o clube que mais cedeu jogadores: além de Píndaro e Nery, titulares absolutos, outros dois rubro-negros ficaram na reserva, o goleiro Baena e o atacante Arnaldo.

Outro atleta rubro-negro, Alberto Borgerth, também acompanhou a delegação, mas para atuar como árbitro. Foi ele quem apitou, em 27 de setembro, a vitória do Brasil sobre a Argentina por 1 a 0 no campo do Gimnasia y Esgrima, em Buenos Aires, que deu à Seleção Brasileira o título da Copa Roca, o primeiro caneco de sua história vencedora, num jogo em que Baena também atuou como bandeirinha. Em campo, quem mereceu elogios rasgados da imprensa portenha foi o zagueiro Nery, conforme registrou a revista semanal carioca O Malho.


Quando o campeonato voltou, a rodada que marcou o retorno embaralhou de novo a disputa. No domingo, 11 de outubro, o Fluminense goleou o São Cristóvão (6 a 0) e o América bateu o Rio Cricket (3 a 0). Já na segunda, 12, o Flamengo perdeu a invencibilidade que mantinha até ali ao ser derrotado pelo Botafogo por 2 a 1 de virada em General Severiano, num jogo em que Píndaro desperdiçou dois pênaltis – ainda que, na sequência da jogada do primeiro, rebatido pelo goleiro Baby, tenha saído o gol rubro-negro marcado por Gallo.

Com esses resultados, não só os alvinegros alcançavam os rubro-negros na liderança do campeonato com 14 pontos em nove jogos, como o América (que somava 13 pontos, mas em dez jogos) e o Fluminense viam renascer suas esperanças de conquista – sobretudo os tricolores, três pontos atrás dos ponteiros na classificação, mas tendo cumprido apenas oito jogos. Assim, para os rubro-negros tornava-se fundamental vencer o lanterna Paysandu na Rua Guanabara já na rodada seguinte, no dia 25, para seguir no topo da tabela.

Para dificultar as coisas, houve o desfalque sensível de Píndaro, substituído por Antonico. Assim, menos sólida do que o habitual, a defesa passou por alguns sustos, tornando o jogo bem menos tranquilo do que deveria para o Flamengo. A vitória magra por 1 a 0 só sairia no segundo tempo graças a um gol de Riemer num chutaço após confusão na área do Paysandu. De todo modo, era um resultado importante para dar à campanha o efeito revigorante que precisava naquela reta final após o revés diante do Botafogo – que seria o único.

Naquele mesmo dia o Fluminense bateu o Rio Cricket em Niterói (3 a 2). E pelos dois próximos fins de semana, em 1º e 8 de novembro, houve duas rodadas sem a participação dos rubro-negros. Na primeira delas, o grande resultado foi a vitória do América sobre o Botafogo por 2 a 0 em General Severiano, que impediu os alvinegros que se juntarem novamente ao Fla na liderança. No outro jogo, o Fluminense arrasou o São Cristóvão por 8 a 2 na Rua Guanabara e se colocou de vez na briga pelo título, que voltava a ficar totalmente aberta.

Já na rodada seguinte, no dia 8, foi a vez do América aplicar uma goleada: 7 a 1 sobre o Paysandu em Campos Salles, e reassumir a liderança do certame. Havia, porém, um problema para os rubros: o time havia completado ali sua tabela e, terminando com 17 pontos ganhos, precisaria de uma intrincada combinação de resultados nas partidas restantes dos outros três candidatos para ter chances de título num desempate – além do Fla-Flu marcado para dali a uma semana, os rubro-negros ainda teriam outro jogo para cumprir, assim como o Botafogo.


Na outra partida daquele dia, o empate em 2 a 2 entre Fluminense e Botafogo na Rua Guanabara foi bastante comemorado pelos rubro-negros. Isto porque o resultado segurou as duas equipes na tabela, impedindo ao mesmo tempo que o Flamengo fosse ultrapassado pelo Fluminense e passasse a ter a companhia do Botafogo na segunda colocação. Para melhorar, o Fla ainda tinha um jogo a menos em relação a ambos os rivais. Na prática, bastaria uma vitória no Fla-Flu de dali a uma semana para os rubro-negros levarem o título por antecipação.

"Eram precisamente 5:36 minutos da tarde, quando, quem estivesse no bello campo do Botafogo, assistiria a uma multidão fremente e enthusiastica victoriando e carregando em triumpho os jogadores que, na partida que vinha de realizar-se, ostentavam as camisas rubro e negras". Assim começava a crônica do Fla-Flu decisivo publicada pelo Correio da Manhã. "De facto, o Flamengo acabava de derrotar, perante colossal concorrência, o seu adversário do dia, o Fluminense, pelo brilhante 'score' de 2 a 1", prosseguia o jornal.

"Foi um 'match' extraordinário, pois as seis mil pessoas que, das archibancadas, das grades, dos muros, das casas fronteiras e até dos morros, presenciavam a luta titânica das 'elevens' em campo, frementes applaudiam os feitos brilhantes dos 'players', quer de um, quer de outro club", endossava outra publicação da época, a revista semanal O Malho, enquanto a Gazeta de Notícias lembrava que "apesar de ser o dia de hontem o da posse do novo Presidente da República, a assistência ao local onde o jogo se effectuou foi numerosíssima e selecta".

O Flamengo pisou o gramado de General Severiano com a escalação que vinha se firmando naquela reta final do campeonato. Baena no gol, Píndaro e o capitão Nery na zaga já eram nomes indiscutíveis desde sempre. Na linha média, o trio era formado por Ângelo pela direita, Gallo (o pulmão do time) pelo centro e Miguel pela esquerda. Já o ataque alinhava, da direita para a esquerda, Arnaldo, Borgerth (que, depois de atuar em várias posições do setor, fixara-se na meia-direita, no lugar de Gumercindo), Orlando "Baiano", Riemer e Raul.

E nem mesmo as altas temperaturas ("A tarde estava horrivelmente quente", registrou o Correio da Manhã) detiveram o ímpeto de um Flamengo praticando um jogo coletivo perfeito. Assim, logo aos oito minutos saiu o primeiro gol: uma bola pessimamente espanada pelo beque tricolor Vidal foi cair no pé de Riemer, que arrancou com tudo em direção ao gol adversário. No desespero, Marcos saiu da meta e conseguiu travar num primeiro momento, mas a bola subiu e se ofereceu para a cabeçada precisa de Borgerth, escorando para o gol vazio.

Dois minutos depois, o Flamengo chegou a balançar outra vez as redes quando Riemer completou um cruzamento de Arnaldo, mas o gol foi anulado pelo árbitro Sydney Pullen, do Paysandu, depois que o próprio atacante rubro-negro admitiu ter tocado a bola com a mão. Ainda naquela etapa inicial, porém, o Fluminense chegaria ao empate aos 16 minutos, quando Oswaldo Gomes escorou de cabeça um escanteio cobrado pelo médio Pernambuco. Ao fim do primeiro tempo, o placar de 1 a 1 não refletia a evidente superioridade do Flamengo em campo.

Mas na volta do intervalo, logo aos três minutos, Riemer recebeu belo passe de Borgerth e bateu forte para recolocar o Flamengo na frente, fazendo justiça ao melhor em campo. O gol baqueou de vez o Fluminense, que sequer voltou a ameaçar. Ao apito final, a vitória rubro-negra por 2 a 1, que sacramentava o título antecipado de 1914, foi saudada efusivamente pelo público: os jornais registraram até invasões de campo por parte de torcedores, que correram pelo gramado de General Severiano para cumprimentar os jogadores campeões.

Os festejos seguiram para a sede rubro-negra da Praia do Flamengo, onde, na noite daquele domingo, também aconteceria a posse da nova diretoria (uma semana antes o presidente Edmundo de Azurém Furtado havia sido reeleito para mais um ano de mandato) e a comemoração de aniversário do clube, que completava 19 anos de fundação. Juntando tudo, o que se viu foi um carnaval sem hora para terminar: "Na sede houve formidável 'réco-réco' até alta madrugada", registrou o jornal O Paiz. Celebração mais flamenga, impossível.

Ainda haveria uma nota de rodapé na campanha: uma semana após o título ser confirmado, o Flamengo teria de cumprir tabela contra o São Cristóvão na Rua Guanabara. O time chegou a estar vencendo por 4 a 1 na metade da etapa final com gols de Arnaldo, Raul e Riemer (dois, um deles olímpico). Mas permitiu a reação do adversário nos 20 minutos finais e cedeu o empate em 4 a 4, que fez os cadetes largarem a lanterna na mão do Paysandu e se livrarem de pegar o Bangu, campeão da segunda divisão, num confronto de acesso/descenso.

Na ponta do lápis, a campanha rubro-negra era de eficiência indiscutível: em 12 partidas foram 8 vitórias (ou seja: dois terços dos jogos), três empates e apenas uma derrota, resultando num aproveitamento de quase 80% dos pontos disputados. O ataque marcou 24 gols e a defesa deixou passar apenas 15. E assim, pelo terceiro ano seguido, o futebol carioca assistia à consagração de um campeão inédito. O que não se repetiria, no entanto, no ano seguinte, pois o Flamengo conquistaria o bicampeonato. Mas essa já é outra história.





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