terça-feira, 13 de agosto de 2019

Enquanto as finanças do Flamengo melhoraram em 2018, as finanças do futebol brasileiro como um todo pioraram bastante.


Hora de fazer a tradicional avaliação financeira sobre a publicação dos Balanços dos clubes do futebol brasileiro. Excepecional mais uma vez o trabalho publicado por Rodrigo Capelo, antes publicando na Revista Época e passando a levar seu blog ao GloboEsporte.com. Abaixo, é feito um resumo dos principais pontos publicados na sequência de artigos do Rodrigo Capelo publicados nos dias 11 e 12 de julho de 2019:

Eis os critérios adotados no estudo:
1. Receitas: Tudo o que foi arrecadado pelo clube no ano em questão, classificado de acordo com a origem do dinheiro: (1) direitos de transmissão, (2) comercial e marketing, (3) torcida e estádio, (4) outros e (5) transferências de atletas. Também separado em (a) receitas recorrentes e (b) receitas não recorrentes, das quais são excluídos atletas e luvas. Em relação aos direitos de transmissão, houve em alguns anos o pagamento de luvas em decorrência da assinatura de novos contratos. Alguns clubes as classificaram como receitas na demonstração de resultados, outros como antecipação de receitas no passivo. Para efeito de comparação, consideramos todas as luvas como receitas. Em relação às transferências de atletas, clubes também optaram por caminhos diferentes: enquanto alguns contabilizaram valores brutos, antes de qualquer dedução, outros informaram valores líquidos, após os descontos de repasses de direitos econômicos e comissões por intermediação. Ajustamos para que todos tenham apenas os líquidos. Também foram descontados das receitas operacionais valores que não tenham "efeito caixa" – ou seja, que tenham sido computados por motivo meramente contábil e não correspondam a dinheiro vivo. Quando um clube obtém um perdão de dívida, lança este número como receita. Subtraímos para chegar à quantia mais realista possível.
2. Despesas: Tudo o que foi gasto pelo clube no ano em questão, classificado em (1) gastos com pessoal, direitos de imagem e direitos de arena e (2) gastos administrativos. Tendo como finalidade o desempenho esportivo, é desejável que o dirigente gaste a maior quantia possível com o primeiro item, e a menor com o segundo. A depender, claro, das circunstâncias. 
3. Endividamento: Tudo o que é devido pelo clube ao término do ano em questão, menos o que há disponível em caixa e equivalentes, classificado em (1) dívidas bancárias, (2) dívidas fiscais, (3) dívidas trabalhistas e (4) outras dívidas. Também separado conforme o prazo de pagamento, sendo (a) curto prazo os 12 meses seguintes e (b) longo prazo superior a um ano. Também são descontados do endividamento números que tenham importância meramente contábil, como "antecipação de receitas" e "despesas diferidas" – nesses casos, os clubes pagam a dívida com o cumprimento do contrato, e não com o desembolso de dinheiro. Em relação às provisões para contingências, elas correspondem a ações movidas por terceiros contra o clube na Justiça, geralmente de cunho trabalhista – salários e imagem não pagos no passado. Departamentos jurídicos dos clubes classificam as ações conforme a probabilidade de derrota: provável, possível e remota. Valores cuja perda é "provável" foram contabilizados como dívidas; os "possíveis" e "remotos" não foram contabilizados como parte do endividamento, mas serão informados pela reportagem para que o torcedor tenha ciência deles. Em relação aos direitos de imagem a pagar, clubes foram induzidos a mudar a maneira como os classificam neste último ano pela Apfut, a autoridade pública que fiscaliza o andamento do Profut. Em 2017 e 2018, foram informados nos balanços apenas os valores efetivamente devidos. De 2016 para trás, direitos de imagem eram informados no passivo com contrapartida no ativo – sendo que a diferença entre os dois valores representava o que estava pendente. Ajustamos todos os números para que constem apenas valores pendentes durante toda a linha histórica.


A Análise: finanças do futebol brasileiro pioram em 2018 com estagnação e mais dívidas. Só as transferências de jogadores aumentaram sensivelmente no mercado brasileiro, que, com patrocínios em queda, chega ao endividamento mais alto na soma dos 24 principais clubes. Os dados correspondem à soma dos 20 que disputaram a Primeira Divisão (Série A) em 2018, mais os quatro promovidos da Série B.

De maneira geral, o futebol brasileiro continuou a agravar a sua condição financeira em 2018. Dois indicadores apontam para o que produziram os seus dirigentes. O faturamento – soma de tudo o que os clubes arrecadaram com televisão, patrocínios, bilheterias, sócios torcedores e atletas – caiu 2% em relação ao anterior e ficou em R$ 5,1 bilhões. Inferior ao endividamento, cujo aumento dos mesmos 2% fez com que a soma das dívidas de todos os 24 clubes chegasse a R$ 7,3 bilhões.

Dados mostram que o futebol cresce em ciclos – mais especificamente, nas renegociações dos direitos de transmissão. Clubes aumentaram a entrada de dinheiro em 2016. Naquele ano entraram em vigor os reajustes que estavam programados desde a rodada anterior, além de terem sido assinados novos contratos com Globo e Esporte Interativo para o período entre 2019 e 2024. As assinaturas motivaram o pagamento de luvas (prêmios) por ambas as emissoras, e a arrecadação dos clubes subiu. Mas parou por ali. Em 2017 e 2018, veio a estagnação.

O comportamento do mercado do futebol neste ponto fica muito claro quando a linha das receitas é quebrada em quatro: (1) direitos de transmissão, (2) marketing e comercial, (3) torcida e estádio e (4) transferências de atletas. A evolução dos valores pagos por emissoras de televisão mostra o auge em 2016, ano de recebimento das luvas pelas assinaturas de novos contratos, passando a seguir ao pagamento estável de quantias superiores às que vinham sendo pagas anteriormente.

As outras linhas não acompanharam a subida. Receitas dos clubes com torcedores oscilam em R$ 1 bilhão por temporada. A arrecadação com a área comercial está em queda, tendo batido R$ 706 milhões em 2018. Um indicador que tende a ficar ainda pior em 2019, pois no início do ano a Caixa, que patrocinava dezenas de times, abandonou o futebol.

Com a necessidade de fazer caixa para pagar despesas e dívidas, dirigentes apelam às transferências de atletas. Esta foi a única fonte de receita que cresceu sensivelmente em 2018, inclusive com uma quantia pela primeira vez em muitos anos superior aos outros tipos. Em parte, porque o real se desvalorizou diante do dólar e do euro, algo que tornou jogadores brasileiros mais acessíveis para o mercado externo. Também porque, endividados, cartolas recorrem às vendas de atletas como solução de curto prazo para contas descontroladas. Muitas vezes a única.

Os sinais mais claros de que o mercado não está progredindo como um todo, apesar das melhoras evidentes em determinados casos, estão na análise do endividamento. Dos R$ 7,3 bilhões devidos no total pelos 24 principais clubes do país, quase R$ 2,9 bilhões serão cobrados pelos credores no curto prazo – ou, em português mais claro, no decorrer de 2019. A quantia é maior do que a registrada no ano anterior, e na maioria dos clubes é impagável quando somada às despesas correntes.




A correlação entre salários do futebol profissional e performance: Dinheiro compra títulos? Eis a lista dos clubes mais eficientes do futebol brasileiro em 2018

O time mais caro é o mais vitorioso. As equipes com jogadores mais baratos foram também as que caíram para a Série B. A correlação entre grana e resultado existe. Partindo do pressuposto de que melhores jogadores têm salários mais altos, é de se esperar que maiores despesas possibilitem resultados melhores em campo. Pois é exatamente esta uma das conclusões que a comparação entre dinheiro e campo permite chegar. Não apenas o Palmeiras obteve os melhores resultados a partir da qualidade de seus jogadores, os mais caros do país, os quatro semifinalistas da Copa do Brasil são exatamente os quatro que mais gastam com salários no futebol profissional. Cruzeiro, Corinthians e Flamengo.

A ponderação entre custos e resultados esportivos também contribui ao indicar quem fez melhores ou piores trabalhos no departamento de futebol. Alguns se destacam consistentemente, como o Grêmio, que deixou para trás adversários com mais dinheiro aplicado em todas as três competições que disputou. É também o caso do Athletico-PR, campeão da Copa Sul-Americana com apenas a 12ª folha salarial mais alta do país. O Botafogo, apesar da eliminação precoce na Copa do Brasil, também foi além do que seu dinheiro permitia no Brasileiro. Enquanto há clubes que fazem muito com pouco, há clubes que conseguem pouco, embora tenham condições financeiras de ir além. Endividado e frequentemente com salários atrasados, fatores que certamente têm influência sobre os resultados, o Vasco quase foi rebaixado no Brasileiro. Mas tem um custo cujo resultado natural deveria ser o meio da tabela, quando comparado aos adversários.



Comentário do Blog A NAÇÃO: eis um exemplo cristalio do que o Flamengo representa no futebol brasileiro e do quanto o clube incomoda. É mais prova de como a relação do Flamengo com imprensa e sociedade brasileira é totalmente diferenciada. Cruzeiro e Corinthians gastaram mais com seus elencos do que o Flamengo em 2018, mas seus insucessos não são reverberados como vexatórios, como fracassos retumbantes, como são os rubro-negros. O desempenho relativo do Flamengo foi melhor - 4º elenco mais caro e 2º lugar no Brasileiro - mas um termômetro de alarde de fracasso na mídia esportiva certamente detectaria que relativamente nada teria sido pior do que o Flamengo em 2018.


Metade do Campeonato Brasileiro tem balanços financeiros "reprovados" por auditorias: entre os 20 clubes que disputaram o Campeonato Brasileiro em 2018, praticamente a metade publicaram balanços financeiros com ressalvas de auditorias externas e independentes. Há valores que não puderam ser comprovados pelas checagens, normas contábeis descumpridas e dívidas não reconhecidas, entre outros problemas. Sinal de que as dificuldades financeiras expostas por dirigentes nos documentos podem ser ainda mais graves do que aparentam.

A auditoria externa é uma das obrigações impostas aos clubes de futebol pela Lei Pelé desde 2003. Também funciona como um selo de confiabilidade perante o mercado financeiro. Bancos e instituições financeiras avaliam seus balanços antes de conceder crédito a eles, por exemplo, para que tenham uma ideia mais clara da possibilidade de calote. Apesar da obrigatoriedade legal e da seriedade do assunto, muitos dirigentes são "reprovados" por suas auditorias.

Clubes da Série A SEM RESSALVA das Auditorias Externos nos seus Balanços Financeiros: FLAMENGO, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Internacional, Atlético Mineiro, Bahia, Chapecoense, América Mineiro e Ceará (11 clubes).

Balanços da Série A COM RESSALVAS feitas pelas Auditorias: Cruzeiro, Vasco, Botafogo, Fluminense, Santos, Athlético Paranaense, Sport Recife, Vitória e Paraná (9 clubes).

Resumo das Ressalvas:
1. Cruzeiro: A auditoria não obteve confirmações de Banco do Brasil, Santander e Polo Clubes Fundo de Investimento em Direitos Creditórios em relação a negócios feitos com o Cruzeiro. Operações financeiras podem ter sido omitidas pela contabilidade do clube em seu balanço. A contabilidade do Cruzeiro afirma possuir R$ 111 milhões em "contas a receber", no entanto a auditoria não conseguiu confirmar a veracidade, dentro deste valor, de R$ 17 milhões. O dinheiro pode não existir.
2. Vasco: A BDO afirma que não conseguiu evidências apropriadas para confirmar a existência de R$ 32 milhões em depósitos judiciais. A auditoria também não conseguiu checar a veracidade das dívidas de R$ 3,3 milhões em "férias a pagar", R$ 1,7 milhão em "encargos de férias" e R$ 6,2 milhões em "rescisões". Todos os valores devidos podem ser efetivamente maiores do que os informados no balanço.
3. Botafogo: A auditoria não conseguiu confirmar operações financeiras realizadas pelo clube com o Banco CCB Brasil. Valores com esta instituição financeira podem ter sido omitidos do documento. A auditoria também questionou uma dívida que o clube possui com a Odebrecht. A diretoria botafoguense optou por retirar R$ 20 milhões devidos à construtora de seu endividamento, por crer que não perderá a ação judicial a seu respeito. A BDO afirma que ainda não há confissão de perdão da dívida por parte da Odebrecht ou decisão final na Justiça.
4. Fluminense: A auditoria afirma que não teve acesso a documentos sobre processo aberto pela Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut) contra o Fluminense em 2018. O órgão concedeu prazo de 180 dias para que o clube regularizasse a sua situação perante o programa, mas a auditoria não pôde confirmar se o o Fluminense atendeu às demandas. A Mazars também descreve em seu parecer que não obteve evidências apropriadas sobre os valores devidos pelo clube ao governo, equacionados por meio do Profut. A dívida informada nesta linha pode ser efetivamente maior do que a informada no balanço.
5. Santos: A auditoria afirma que não obteve confirmações sobre "valores a receber" pelo clube da CBF e de clubes para os quais vendeu jogadores, mais especificamente Real Madrid e Lazio. O valor verdadeiro pode ser menor do que o informado pela contabilidade santista no balanço. A M Legate também não conseguiu checar a veracidade de "valores a pagar" para a mesma CBF, "direitos de imagem a pagar" para três empresas e uma dívida com um advogado externo, chamado Kellerhals Carrard, que reside em Lausanne na Suíça. As dívidas podem ser maiores do que as informadas pelo clube no documento.
6. Athlético Paranaense: A contabilidade do clube afirma ter R$ 5,7 milhões em caixa, contas bancárias e aplicações financeiras. A auditoria não obteve as confirmações da Caixa Econômica Federal e do Banco Fomento Paraná de que os valores depositados neles realmente existem. A diretoria contabilizou provisões para contingências e receitas com luvas, em função de novos contratos de direitos de transmissão, em desacordo com o Código de Pronunciamento Contábil – um manual usado por contadores para padronizar lançamentos.
7. Sport Recife: A auditoria afirma que a contabilidade do clube não tem feito a revisão da vida útil de bens descritos no "ativo imobilizado". Sem contabilizar o gasto com a depreciação desses bens, o clube pode estar melhorando artificialmente seu resultado líquido (lucro ou prejuízo). A contabilização dos "direitos de imagem a pagar" também está desatualizada, de acordo com a auditoria. As regras contábeis mudaram em novembro de 2017, mas o clube não alterou a maneira como computa os valores devidos a jogadores nesta rubrica.
8. Vitória: A RSM Brasil alega que não obteve documentações da Vitória S/A, empresa que tinha sido aberta pelo clube na década passada, mas que não tem atividade operacional desde 2006. O clube afirma ter R$ 48 milhões em "valores a receber" desta empresa, mas não forneceu à auditoria as demonstrações financeiras da empresa em questão. A auditoria também afirma que o Vitória não produziu um balanço financeiro com resultados consolidados, isto é, que incluam a Vitória S/A.
9. Paraná: A auditoria alega que o clube não tem reconhecido a depreciação de seus bens descritos no balanço, algo que pode melhorar incorretamente seu resultado líquido (lucro ou prejuízo), além de não ter conseguido apresentar a localização física desses bens dos quais diz ser dono.


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