sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Lei do Mandante pode estar voltando à pauta


O blog Lei em Campo publicou dois textos muito interessantes sobre o tema. O primeiro texto saiu em 16/02/2021 sob o título "MP do Mandante está de volta à pauta. Especialistas analisam o cenário atual", texto de autoria de Gabriel Coccetrone e reproduzido a seguir:

Os direitos de transmissão do futebol brasileiro deverão voltar às discussões nos próximos dias. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não desistiu de mudar o formato das negociações e deverá publicar em breve uma nova versão da Medida Provisória 984, também conhecida como "MP do Mandante". A informação foi divulgada primeiramente pelo jornalista Jorge Nicola, do Yahoo Esportes, e confirmada pelo Lei em Campo.

Segundo apurou o Lei em Campo com duas fontes, o presidente da República deve cumprir uma promessa feita ao Flamengo após a MP 984 caducar e publicar o novo texto no Diário Oficial da União nos próximos dias. Dessa forma, a lei entrará em vigência pelos próximos 180 dias até que seja votada pela Câmara dos Deputados.

Assinada por Bolsonaro no dia 18 de junho de 2020, o texto da MP 984 buscava mudar as regras de transmissão do futebol brasileiro. Nele, a exibição da partida passava a ser de responsabilidade do mandante do evento, e não mais das duas entidades envolvidas, como prevê a Lei Pelé. A única mudança do novo texto é a inclusão de atletas e árbitros na distribuição percentual dos direitos de transmissão pagos pelas emissoras de TV.

Imediatamente após a publicação, a MP 984 foi muito criticada por pessoas influentes no meio do futebol por conta das articulações políticas envolvendo o presidente Bolsonaro e o presidente flamenguista Rodolfo Landim. Na época, o Flamengo estava sem contrato com a Rede Globo para a transmissão do Campeonato Carioca e, por isso, seria o único clube imediatamente beneficiado pelo texto.

Apesar da grande discussão causada, a MP 984 acabou caducando após não ser votada pela Câmara dos Deputados dentro do tempo estipulado. Uma das especulações é de que o presidente da casa na época, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulou-se com os deputados para que o projeto fosse engavetado devido a desavenças políticas com Bolsonaro.

Agora o cenário é diferente. Com a mudança na presidência da Câmara após a eleição de Arthur Lira (PP-AL), o presidente Jair Bolsonaro está confiante de que conseguirá fazer a nova MP do Mandante triunfar. É preciso esperar, mas tudo leva a crer que um novo texto sobre o tema trará de volta a insegurança jurídica e judicialização do futebol brasileiro.

"Se realmente houver essa MP, é mais uma oportunidade para que o Congresso Nacional discuta um novo marco regulatório para o futebol brasileiro, o único mercado entre os 10 maiores do mundo sem clube empresa e sem liga profissional que organize competições e negocie direitos coletivamente", afirma Pedro Trengrouse, advogado especialista em direito desportivo e professor da FGV.

Insegurança Jurídica
O que se viu algumas semanas após a MP 984 entrar em vigor foi um show de disputas jurídicas e muita insegurança. A Rede Globo, emissora responsável por transmitir a maioria das partidas do Campeonato Brasileiro Série A, travou inúmeras batalhas judiciais com a Turner e principalmente com o Athletico Paranaense.

O clube paranaense, único a não possuir contra de TV aberta com a emissora brasileira, assinou um acordo com a empresa Livemode durante a vigência da MP, para transmitir suas partidas da competição nacional através de seu pay-per-view próprio, o Furacão Play. A Globo reagiu e foi à Justiça para impedir a transmissão, alegando que seu contrato foi assinado com as equipes antes da assinatura da MP do Mandante, e que, portanto, o acordo deveria ser respeitado.

Para Pedro Juncal, advogado especialista em direito desportivo, uma possível segunda edição da MP do Mandante trará novas ações judiciais.

"Há quem acredite que possa gerar insegurança jurídica, pois há clubes que estão sob contrato e exclusividade de transmissão, enquanto outros não estão. Ao meu entender, porém, o contrato apenas faz lei entre as partes, não perpetuando seus efeitos sobre terceiros. Ainda assim, imagino que poderemos ter muitas ações judiciais durante as competições, já que as partes sempre buscarão o melhor para si", avaliou.

"Há uma importante diferença no cenário político de momento em comparação com aquele existente quando da edição da MP 984. Ainda que isso não afaste a possibilidade de litígios (conforme os que se iniciaram em decorrência da MP 984, ou também em função de aspectos formais relacionados à edição dessa possível nova medida provisória), o atual contexto sugere uma maior probabilidade de sua conversão em lei pelo Congresso Nacional", pondera Pedro Mendonça, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Reflexos econômicos
Apesar de caducar, a MP 984 trouxe reflexos para o futebol brasileiro. Um deles foi a desvalorização dos direitos de transmissão do Campeonato Carioca. Após a Globo rescindir o contrato em 2020, a TV Record será a nova casa da competição a partir de 2021.

A proposta apresentada pela Record pelos direitos do campeonato estadual foi de R$ 11 milhões (valor total a ser dividido pelos times) em 2021 e outros R$ 15 milhões no ano seguinte. A quantia representa 10% do que era pago pela Globo até o ano passado, que era em torno de R$ 100 milhões se tivesse todos os times.

"Cada vez que o setor público coloca a mão o mercado é reduzido. Esse novo contrato infinitamente menor demonstra que mudanças estruturais não podem misturar interesses individuais. Não há quem pague o que a Globo paga. A questão é que o mandante deveria ter o direito, mas a forma utilizada (através de MP) reduz o nosso mercado", afirma o consultor de marketing Amir Somoggi.

"Continuo achando que não havendo negociação coletiva poderemos ter uma redução e, por outro lado, um potencial crescimento na disparidade de receitas televisas entre os clubes, o que naturalmente pode levar a um maior desequilíbrio competitivo. Acredito que qualquer alteração do direito de arena deva ser realizada com prévia discussão e debate de ambos os lados, os que apoiam e os que não, o que novamente não parece ter ocorrido", analisa Juncal.

Se o ambiente for o mesmo vivenciado pelo o da MP 984, os clubes poderão ter perdas enormes em suas receitas.

"O ambiente criado pela MP, com uma possível judicialização e falta de segurança jurídica dos direitos de TV, pode causar um estrago ainda maior que a própria crise do coronavírus. Segundo estudo recente da Sports Value, as receitas dos Top 20 clubes do Brasil podem cair R$ 2,5 bilhões em 2021 por conta dos impactos da crise. Deste total, os direitos de TV podem representar R$ 500 milhões em perdas de receitas", completa Amir.

Opinião do Blog A NAÇÃO: a comparação feita acima é injusta e errônea, os direitos do Campeonato CArioca não se reduziram a 10% do que era pago em 2020, para esta conta, o texto acima comparou o total pago pela Globo em 2020 por exclusividade de todos os meios de distribuição a todos os clubes e à FERJ com o pagamento individual a cada um dos 4 "grandes" do Rio em 2021 exclusivamente pelos direitos da TV Aberta. A Rede Globo pagava R$ 18 milhões tanto pela TV Aberta quanto pela TV Fechada, e com proibição de vinculação em outras mídias (Streaming), e a Rede Record pagará R$ 11 milhões pela TV Aberta. A TV Fechada está sendo negociada em paralelo com a CLARO/NET, devendo render valores adicionais ainda não divulgados, e ainda há a possibilidade de arrecadação com transmissões de Streaming (Youtube, Facebook, ou outro similar). Portanto, ainda é muito cedo para se afirmar que houve perda coletiva! E ainda que eventualmente haja a curto prazo, na edição 2021, é mais cedo ainda para se afirmar que haverá perda de longo prazo!!

Complementarmente à matéria acima, o blog Lei em Campo também publicou o texto abaixo, sob o título "MP do Mandante: vale a pena ver de novo?",  texto de Pedro Henrique Mendonça publicado em 18/02/2021, e reproduzido abaixo:

Era junho de 2020 quando foi editada pelo governo federal a Medida Provisória nº 984. Na ocasião, vivíamos a primeira onda da pandemia de Covid-19 e as competições de futebol ainda não haviam sido retomadas – a MP foi publicada no mesmo dia em que Flamengo e Bangu reiniciaram o Campeonato Carioca.

Embora o diploma versasse também sobre outros temas, o centro das atenções (e das discussões) foi a alteração do art. 42 da Lei Pelé. Modificava-se substancialmente a lógica dos direitos de arena, que até então eram compartilhados entre as duas equipes que disputavam uma partida e, a partir da redação conferida pela MP 984, passavam a pertencer exclusivamente ao clube mandante. Em outras palavras, a MP permitia que uma partida de futebol pudesse ser transmitida conforme desejado e negociado exclusivamente pelo mandante, independentemente da vontade do visitante. A necessidade de anuência de ambos restringir-se-ia às hipóteses de "eventos desportivos sem definição do mando de jogo".

De plano, a reação de muitos foi de surpresa. Provavelmente pelo fato de que, em meio à pandemia e com os campeonatos paralisados, não se esperava que o Governo Federal fosse apresentar alteração legislativa tão importante para o futebol – devemos lembrar que a cessão de direitos de transmissão representa a principal (ou, na pior hipótese, uma das principais) fonte de receita da maioria absoluta dos clubes brasileiros.

Sob o prisma técnico, a surpresa se deu pela via eleita para promover a alteração legislativa. Ao invés de submeter ao Congresso Nacional um projeto de lei, o Poder Executivo federal optou por legislar via medida provisória, um instrumento (a princípio) excepcional e que deve ser utilizado somente em casos de relevância e urgência, conforme preconiza o art. 62 da Constituição Federal. Conforme exposto acima, não se discute a relevância do tema; mas, afinal, qual era a urgência?

Por isso, ainda que o mérito da alteração à Lei Pelé pudesse ser interessante (e diversos clubes das divisões principais do Campeonato Brasileiro depois se manifestaram favoravelmente à mudança), sua forma suscitou críticas. De um lado, porque a MP não foi precedida por qualquer debate sobre o tema; de outro, pela aparente inconstitucionalidade diante da inobservância dos requisitos para edição de uma medida provisória.

Mas o problema não se esgotou aí. Nos termos do §3º do art. 62 da Constituição, a MP 984 precisaria ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado em até 120 dias para ser convertida em lei e, assim, passar a produzir efeitos de forma definitiva. Ocorre que seu teor não foi sequer apreciado nesse período, tendo a MP caducado; assim, passados os 120 dias, voltou a viger a redação anterior (e novamente atual) do art. 42 da Lei Pelé: "Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem". Consequentemente, restabeleceu-se o cenário em que não basta a autorização do clube mandante para a transmissão de uma partida; é necessária a anuência de ambos os clubes.

Essas idas e vindas acabaram por gerar insegurança jurídica, e culminaram em litígios judiciais. O grande debate girou em torno da execução de contratos firmados sob um regime jurídico e que se estendem por um período em que a lei passa a preconizar uma nova regra. Assim, por exemplo, estiveram em causa tanto os contratos anteriores à MP 984 (com relação aos efeitos produzidos durante a vigência da MP) quanto aqueles firmados durante o período de vigência da medida provisória (no que tange à produção de efeitos após a MP caducar).

Esta não é a primeira vez em que tratamos da MP 984 por aqui. Em outubro de 2020, abordamos precisamente a insegurança jurídica por ela causada, e sob o mesmo prisma trouxemos à baila também o Projeto de Lei nº 4889/2020. A propósito: ainda que esse PL contenha propostas questionáveis à luz da Constituição Federal, fato é que sob o aspecto formal sua propositura afigura-se mais adequada do que uma medida provisória editada ao arrepio dos requisitos de relevância e/ou urgência estabelecidos pelo art. 62 da Constituição.

Hoje voltamos ao tema e rememoramos o histórico acima exposto diante das recentes notícias que indicam a possível edição de nova MP, para mais uma vez alterar o art. 42 da Lei Pelé e atribuir ao mandante os direitos de arena.

É bem verdade que o cenário político atual é distinto, e sugere uma maior probabilidade de que eventual MP seja convertida em lei. Ainda assim, ao nos depararmos com a possibilidade de sua edição, é impossível deixar de lado os capítulos anteriores dessa novela iniciada com a MP 984 e os efeitos negativos por ela causados: insegurança jurídica, questionamentos quanto à sua inconstitucionalidade, litígios… Nada disso ajuda o futebol brasileiro e os clubes.

A incerteza, a instabilidade e os riscos delas decorrentes atrapalham o planejamento e o estabelecimento de relações comerciais de longo prazo. Justamente por isso, ideal seria que uma nova proposta de alteração do art. 42 da Lei Pelé fosse apresentada por meio de projeto de lei, não via medida provisória. Afinal, se uma nova MP trouxer a reboque todos os riscos que a MP 984 revelou (e, ao menos no que tange à sua constitucionalidade, as chances são consideráveis), uma conclusão parece clara: não vale a pena ver de novo.


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